O futuro das aposentadorias e pensões é motivo de preocupação na maioria dos municípios do Rio Grande do Sul. Nove em cada 10 prefeituras com Regimes Próprios de Previdência Social (RPPSs) amargaram déficit atuarial nos últimos anos. Isso significa que a soma das contribuições dos atuais segurados (incluindo a contrapartida patronal) é insuficiente para cobrir as despesas previstas com os benefícios, quando esses servidores deixarem o serviço público. O desencaixe supera R$ 25,9 bilhões, seis vezes mais do que o valor anual aplicado em saúde pelo Estado.
Finalizado em dezembro, o diagnóstico é resultado de estudo elaborado pela advogada Elisângela Hesse, assessora jurídica da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs). No fim de 2018, Elisângela apresentou o trabalho à banca de conclusão do curso de especialização em Administração Pública Contemporânea, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desde então, segue acompanhando o tema e orientando prefeitos angustiados.
– O quadro é realmente preocupante. Hoje, se a gente olhar os gastos das prefeituras, as despesas com pessoal e com previdência aparecem no topo, muitas vezes inviabilizando políticas públicas. As prefeituras estão amarradas – alerta a especialista, que foi advogada credenciada do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) por oito anos.
Das 497 administrações municipais do Estado, 325 (65,4%) mantêm RPPSs – sistemas previdenciários específicos para o funcionalismo. Nesse grupo, 294 (90,5%) apresentavam desequilíbrio atuarial em 2016, conforme dados oficiais da Secretaria de Previdência, ligada ao Ministério da Economia. O cenário tende a piorar, na avaliação do presidente da Famurs, Antonio Cettolin, se a reforma da Previdência não avançar no Congresso.
Na tentativa de equacionar o passivo, gestores públicos passaram a adotar planos de amortização e a pagar alíquotas suplementares. Em alguns casos, os aportes adicionais passam de 40%. Na prática, o recurso drenado faz falta em outras áreas e agrava a crise nas finanças públicas.
Ao analisar os motivos da assimetria nas contas, a assessora jurídica da Famurs concluiu que a origem do déficit atuarial se situa entre os anos de 1988 e 1998, quando foram criados 73% dos RPPSs no Estado. Esse período coincidiu com o que Elisângela chama de "vácuo legislativo", isto é, um lapso normativo marcado pela ausência de regras gerais capazes de assegurar sustentabilidade aos regimes.
Quando essa lacuna começou a ser suprida, com a sanção de uma lei federal em novembro de 1998, pelo menos 288 prefeituras já haviam instituído RPPSs no Rio Grande do Sul. O Estado assumiu posição de vanguarda no país, mas, durante anos, muitos segurados sequer contribuíam. Também não havia parâmetros sobre o valor mínimo das alíquotas, o que só foi corrigido mais tarde.
– A gente sempre ouve as pessoas dizerem que a culpa é da má gestão. É claro que há falhas, mas o cenário atual é resultado de um conjunto de fatores. O pioneirismo dos municípios gaúchos, somado ao vácuo normativo, à falta de planos de custeio e à inclusão de servidores sem qualquer contribuição concorreram para a derrocada – conclui a especialista.
À frente da Famurs, Cettolin, prefeito de Garibaldi, na Serra, lidera mobilização pela aprovação da reforma da Previdência. Na avaliação dele, as alterações propostas pelo governo federal "são decisivas para a sobrevivência das gestões municipais".
– Se a reforma não acontecer, em 10 ou 15 anos os municípios estarão totalmente comprometidos. Chegaremos a um ponto em que todos os impostos recolhidos serão usados para pagar aposentados. A situação é alarmante – adverte Cettolin, que planeja reunir colegas na Capital, no próximo dia 3, para tratar do tema e reforçar a pressão no Congresso.
Pelo menos duas mudanças são consideradas fundamentais pela Famurs: aumento da idade mínima para pedido dos benefícios, capaz de reduzir o impacto das aposentadorias precoces, e ampliação da alíquota de contribuição do funcionalismo, que poderá alcançar até 22%. Hoje, segundo Elisângela, na maioria dos casos, os servidores municipais pagam 11%. Com a possível mudança, o mínimo será de 14%, no caso dos RPPSs deficitários.