Franciele Coelho Lopes, 27 anos, perdeu a conta de quantos currículos distribuiu após a demissão, em março de 2017, do setor de almoxarifado de uma metalúrgica em Porto Alegre. Durante a procura por emprego formal, teve de vender lingeries de porta em porta para pagar suas despesas. Um ano e meio depois, quando o desânimo com as dificuldades do mercado de trabalho ameaçava abalar a procura por nova oportunidade com carteira assinada, a moradora da zona norte da Capital teve sua recompensa. No último mês de setembro, Franciele assumiu uma vaga de camareira no Hospital Moinhos de Vento.
— Até pensei que não conseguiria mais voltar para o mercado de trabalho. Largava currículos, e não surgia nada. Via muita gente conhecida na mesma situação — recorda. — Quando fui contratada, me senti a pessoa mais feliz do mundo. Fiquei muito emocionada —comemora Franciele, que distribui sorrisos para os colegas.
A camareira, que parou de estudar após concluir o Ensino Médio, espelha o perfil de quem ficou mais exposto ao desemprego, uma das principais heranças deixadas pela crise econômica em todo o país. No terceiro trimestre de 2018, período com os dados mais recentes, as mulheres eram a maioria (53,2%) no grupo de 487 mil desocupados no Rio Grande do Sul, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por faixa etária, a falta de trabalho formal atingia mais quem apresentava de 25 a 39 anos (33,1% do total). Por grau de instrução, aqueles com Ensino Médio completo (30%) formavam a parcela mais numerosa (30%).
— A crise teve impacto principalmente sobre os jovens, que costumam apresentar taxa de desemprego mais elevada, e os trabalhadores com menor formação. Esses estão entre os mais afetados — diz o pesquisador Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).
A crise teve impacto principalmente sobre os jovens, que costumam apresentar taxa de desemprego mais elevada, e os trabalhadores com menor formação. Esses estão entre os mais afetados.
DANIEL DUQUE
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV)
Para espantar o fantasma do desemprego, Franciele buscou uma oportunidade que representa novidade em sua trajetória. Antes, ela nunca havia trabalhado em um hospital, tampouco exercido a função de camareira. Apesar disso, conta estar habituada às atribuições diárias e recebe elogios por seu desempenho ao cruzar com colegas nos corredores.
— Estava em busca da oportunidade que aparecesse. Surgiu a vaga de camareira, eu peguei. É a primeira vez que trabalho dentro de um hospital, e me sinto muito bem — destaca.
Franciele nasceu no interior do Ceará, de onde saiu com apenas dois meses de idade para morar com sua mãe, gaúcha, em Porto Alegre. Seu pai, natural do Estado nordestino, ficou por lá. Hoje, a camareira vive com a mãe e o padrasto.
Para 2019, já tem planos definidos. De forma paralela ao trabalho no hospital, deseja fazer um curso técnico na área de enfermagem. A intenção é incrementar o currículo para, aos poucos, galgar novos espaços.
Até pensei que não conseguiria mais voltar ao mercado de trabalho. Largava currículos, e não surgia nada. Via muita gente na mesma situação. Quando fui contratada, me senti a pessoa mais feliz do mundo.
FRANCIELE COELHO LOPES
27 anos, camareira no Hospital Moinhos de Vento
— Quero ficar no hospital por um bom tempo. Quero crescer aqui dentro. Tenho vários colegas que foram camareiros e hoje são técnicos de enfermagem — pontua.
A quem pretende seguir o exemplo de Franciele e sair da fila do desemprego, especialistas sinalizam que 2019 pode apresentar reação mais consistente no mercado de trabalho. Segundo os analistas, a projeção é de que a economia apresente desempenho superior ao registrado em 2018, o que tende a incentivar novas contratações. No trimestre encerrado no último mês de novembro, intervalo com os dados mais recentes, o país tinha 12,2 milhões de desempregados, aponta o IBGE.
— O ano de 2018 teve alguma retomada no mercado de trabalho, mas muito focada no setor informal. Em 2019, é aguardada reação mais forte nos empregos formais, que dependem bastante do nível de crescimento da economia — sublinha Duque.
Entrevista
As condições do mercado de trabalho, em 2019, dependerão do desempenho da economia como um todo. Se o novo governo mostrar, logo de cara, que quer fazer a reforma da Previdência e consertar a questão fiscal no país, teremos um choque de otimismo.
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