Fabrício da Silva não costumava pensar duas vezes quando encontrava alguma promoção de aparelho eletrônico ou de peça de vestuário. Em apenas um mês, chegou a levar para casa seis pares de tênis. Em outra ocasião, andava "meio para baixo" e aproveitou o intervalo do trabalho para adquirir um tablet, na tentativa de afastar o desânimo. O bolso do porto-alegrense, formado em gestão comercial, não conseguiu absorver as sucessivas gastanças.
— Cheguei ao ponto em que não tinha como me endividar mais. Procurava as compras para me satisfazer. Isso era uma espécie de escape. Senti o maior choque quando meu nome entrou no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) — recorda Fabrício, hoje com 28 anos.
Para seu alívio, a situação começou a mudar em meados de 2016. À época, Fabrício recorreu ao auxílio de um educador financeiro para sanar as dívidas, que, devido à incidência de taxas de juro de cartões de crédito e cheque especial, beiravam a marca de R$ 48 mil. Cerca de um ano e meio mais tarde, após cortar gastos e sentar à mesa com o banco para renegociar as condições de pagamento, conseguiu limpar seu nome. Hoje, diz estar em "outra fase". Com mais tranquilidade, poupou dinheiro ao longo de 2018.
— Fiz planilhas de todos os recursos que entravam e saíam durante o mês. Comecei a pagar as pendências menores, como as de crediário em lojas. Depois, consegui renegociar a quantia devida ao banco, que era maior por causa das taxas de juro — explica. — Procurei encontrar o gatilho que despertava minha vontade de comprar. Evitava ir ao centro de Porto Alegre e passar em frente a vitrines. Também descadastrei meu e-mail daquelas listas que as lojas enviam com promoções — completa o analista de ensino de uma escola de nível técnico na Capital.
Em novembro de 2018, 63,1 milhões de pessoas tinham contas em atraso no país, segundo pesquisa do SPC Brasil e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL). O número ficou próximo ao recorde da série histórica (iniciada em 2015), estimado em 63,6 milhões, em junho de 2018.
Economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti diz que o alto nível de desemprego, uma das heranças da recessão, fez com que a inadimplência continuasse em patamar elevado em 2018. Mas, segundo a especialista, os efeitos da crise não explicam todo o fenômeno. Para Marcela, o indicador também reflete o uso em excesso de opções com taxas de juro maiores, como era o caso de Fabrício, que extrapolava os limites do cartão de crédito e do cheque especial.
Antes, queria o telefone do ano, comprava roupa toda hora. Reduzi custos, cortei o que não fazia mais sentido, até sair do vermelho. Vi que posso viver assim.
FABRÍCIO DA SILVA
28 anos, analista de ensino de uma escola de nível técnico na Capital
— A inadimplência retrata diferentes variáveis. É claro que, em uma crise, o trabalhador pode ter a renda reduzida e registrar dívidas. Mas não é só isso. No Brasil, as pessoas costumam recorrer ao crédito fácil e caro, sem planejamento financeiro — pontua.
Marcela avalia que o número de inadimplentes tende a cair ao longo de 2019, desde que o país confirme projeções de crescimento econômico em ritmo mais robusto do que o do ano passado. Para quem quitou suas dívidas recentemente ou planeja fazê-lo nos próximos meses, a economista aconselha olhar para trás e buscar entender por que ultrapassou seus limites. Fabrício conta ter feito a lição:
— Antes, queria o telefone do ano, comprava roupa toda hora. Reduzi custos, cortei o que não fazia mais sentido, até sair do vermelho. Vi que posso viver assim.
O porto-alegrense quer seguir poupando ao longo de 2019. Mais adiante, sua meta é comprar uma casa própria. Hoje, ele vive com a mãe e, destaca, três gatos e seis cachorros.
— Eles (os animais de estimação) dão despesas que nem filhos — brinca.
Entrevista
As condições do mercado de trabalho, em 2019, dependerão do desempenho da economia como um todo. Se o novo governo mostrar, logo de cara, que quer fazer a reforma da Previdência e consertar a questão fiscal no país, teremos um choque de otimismo.
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