Quando O Capital no Século XXI foi lançado, em agosto de 2013, nem Brexit – saída do Reino Unido da União Europeia (UE) – nem eleição de Donald Trump estavam no radar. Com o provocativo título que evocava o clássico de Karl Marx, Piketty atraiu tantas críticas quanto elogios. Visto hoje, com distância, foi a profecia da desarrumação planetária. O que Piketty demonstrava, no polêmico e bem-sucedido livro, é que a globalização reforçou desigualdades.
A fama conquistada fez o economista francês quebrar o protocolo do Fronteiras do Pensamento. Sua popularidade exigiu que a palestra fosse no Auditório Araújo Vianna.
Piketty desembarca em Porto Alegre quando está, de novo, envolvido em polêmica. Embora o Brasil estivesse fora da base de dados que deu origem ao livro, o World Wealth and Income Database (WWID), instituto que codirige, divulgou, neste mês, estudo segundo o qual o aumento da renda da população mais pobre nos últimos 15 anos foi insuficiente para reduzir a desigualdade no Brasil. Entre 2001 e 2015, a fatia da renda dos 10% mais ricos do país subiu de 54,3% para 55,3%. Bastou para inverter a posição de fãs e críticos. O artigo é assinado por Marc Morgan, mas o WWID tem a chancela de Piketty. A pesquisa é baseada em dados do Imposto de Renda, os mesmos que o time do economista havia apontado como responsáveis pelo Brasil não estar no livro em 2013.
Ao focar na desigualdade, Piketty costuma argumentar que seu interesse é apontar os riscos da insatisfação dos marginalizados. Tanto o Brexit quanto a eleição de Trump costumam ser explicados pelo ressentimento de cidadãos que se sentiram excluídos dos ganhos com a integração. Em menos de três anos, veio o primeiro sintoma político da doença econômica: a aprovação da saída do Reino Unido da UE, resultado da sensação de exclusão e da percepção da má distribuição das vantagens da unificação do continente. Meses depois, a eleição de Trump chamou a atenção para o que os americanos do Meio-Oeste aparentemente queriam, pronunciado com orgulho na posse: "America first".
Apesar do título do livro, Piketty rejeita o rótulo de marxista, afirmando acreditar "no capitalismo, no livre mercado e na propriedade privada, não apenas como origem de eficácia e crescimento, mas também como elemento de liberdade individual". No Brasil, a obra teve curiosidades extras. Foi traduzida por Monica de Bolle, discípula de Edmar Bacha, um dos idealizadores do Plano Real e ligada à Casa das Garças, centro de estudos associado ao liberalismo econômico.
Monica assume sua "formação acadêmica liberal", mas pede ressalvas:
– No Brasil, ainda há essa ideia de que linhas de pensamento correm em paralelo e não podem se cruzar. Fiz meu PhD em Economia na London School of Economics and Political Science. Lá, aprendi que a ortodoxia vale pouco no papel e nos modelos se não pode ser refletida na prática por restrições impostas pela política. Em algum momento, qualquer pensamento econômico esbarra na política.
A decisão de aceitar a tradução, explica Monica, decorre do fato de "considerar a obra profundamente atual para o momento, além de refletir a realidade do mundo em que vivemos, profundamente desigual". Na avaliação da economista, que neste momento atua como senior fellow no Peterson Institute for International Economics, de Washington, e é professora adjunta na School of Advanced International Studies da Johns Hopkins University, "Piketty tratou o tema da desigualdade com rigor empírico". Ela prossegue:
– Ele expôs à profissão o erro de tê-lo ignorado por tanto tempo. Se as propostas de Piketty para combater a desigualdade deixam a desejar, ele teve o mérito de pintar o elefante branco da sala de rosa-choque: ninguém mais pôde ignorá-lo desde que O Capital no Século XXI foi publicado.
Na avaliação de Monica, Piketty foi um profeta acidental. A economista entende que ele antecipou "inadvertidamente" – uma vez que esse não era o propósito da obra – o descontentamento das sociedades e das classes sociais mais afetadas pela desilusão da renda estagnada e das perspectivas sombrias. Lembra, ainda, que ele não é voz isolada. O economista Dani Rodrik, de Harvard, escreve há anos sobre os problemas e deslocamentos sociais atrelados à globalização. O que diferencia Piketty e seus colaboradores dos antecessores e contemporâneos é a documentação da trajetória da desigualdade com minuciosa base de dados com metodologia inovadora, a World Top Incomes Database. Isso permite, avalia a economista de formação liberal, que hoje se estude o tema com mais rigor e seriedade. Embora as interpretações e as propostas do economista francês que acabou virando uma espécie de pop star de um universo pouco sensível à fama mundana, Monica insiste:
– A base de dados serve como subsídio valiosíssimo para todos os que querem entender o ressurgimento do nacionalismo econômico.
Serviço
Thomas Piketty no Fronteiras do Pensamento
Quinta-feira, às 19h45min, no Auditório Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685, em Porto Alegre. Os passaportes estão esgotados. Informações pelo telefone 4020-2050 e em fronteiras.com.
O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre e Hospital Moinhos de Vento; parceria cultural PUCRS e Instituto CPFL; e empresas parceiras CMPC Celulose Riograndense, Souto Correa, Sulgás e Thyssen Krupp. Parceria institucional Fecomércio e Unicred, apoio institucional Embaixada da França e Prefeitura de Porto Alegre. Universidade parceira: UFRGS.
Promoção: Grupo RBS.