Com apenas um metro de altura, o muro do Malecón, em Havana, representa uma fronteira intransponível para a maior parte dos cubanos. Construção que se estende por oito quilômetros na orla da cidade, é o ponto em que muitos habitantes sentam para olhar o mar, mas sem esperança de poder atravessá-lo, devido às duras leis de migração que o país sofre há 50 anos.
Para o escritor cubano Leonardo Padura, a legislação avançou em alguns pontos, mas "segue sendo muito difícil sair do país". O autor da tetralogia de policial As Quatro Estações (1991 - 1998) e do romance histórico O Homem que Amava os Cachorros (2013) foi a atração do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento nesta segunda-feira, em Porto Alegre. O tema da palestra foi "A maldita circunstância da água por todos do lados", título inspirado em um verso do conterrâneo Virgilio Piñera (1912 - 1979).
– Esse limite físico também pode se converter em um limite mental e cultural – afirmou Padura.
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O conferencista citou escritores cubanos exilados pelo governo ou por vontade própria desde o século 19, e também exemplificou como muitos de seus colegas já abordaram a condição de isolamento da ilha em sua literatura.
– Apesar das dificuldades, em cinco décadas um quinto da população deixou o país – disse o autor – E há um número incalculável de mortes devido às más condições dessas viagens.
Padura também observou que a condição insular tem como efeito positivo a sensação de pertencimento da população à terra em que vive. Mesmo tendo condições para sair da Cuba, o escritor não cogita abandonar o espaço onde cresceu:
– Sou um escritor cubano que escreve sobre Cuba e os cubanos. Sou porque pertenço.
O detetive Mario Conde, protagonista dos romances policiais de Padura, foi tema de uma das perguntas dos mediadores do encontro. O escritor explicou que ele e seu personagem são exemplares do que chama de "geração escondida", que teve muitas de suas crenças rompidas com o passar dos anos e não teve papel decisivo para o modo como os cubanos vivem hoje.
– Conde estranha quando depara com um jovem emo. Ele se questiona: "Foi para chegar a isso que sofremos tudo o que sofremos?". No entanto, depois desse assombro inicial, compreende e admira a coragem daquele jovem – diz Padura.
O escritor afirmou que não sabe o que o governo cubano pensa de seus livros, já que nunca ouviu nada a respeito, mas lembrou de uma insólita perseguição que sofreu de seus leitores na época em que trabalhava como jornalista. Foi por conta da novela Escrava Isaura, exibida em 1984 em Cuba, tornando-se um grande sucesso. Padura não gostou nada.
– Escrevi que a novela estava imbecilizando as pessoas ou que elas já estavam tão imbecis que gostavam de Escrava Isaura – lembrou o escritor, que atualmente é também roteirista de cinema e televisão – As novelas desenvolveram e se apropriaram de recursos poderosos para captar a atenção das pessoas, mas às vezes os usam para algo muito banal.
Depois disso, o jornal em que trabalhava passou dias recebendo longas cartas e ligações telefônicas condenando o autor do texto. Padura, no entanto, aponta que é um admirador das boas novelas:
– Eu me converti em um fã de Roque Santeiro. Há frases de capítulos que posso lembrar até hoje.