Diante de três estiagens seguidas nos últimos quatro anos, o agronegócio gaúcho passou a ver a irrigação como parte da solução para garantia de renda no campo e de abastecimento das cidades. O crescimento da adoção deste recurso pelos produtores, no entanto, tem esbarrado na falta de segurança jurídica de legislações que regulamentam o uso da água. O assunto foi o tema central do segundo Campo em Debate da 24ª Expodireto Cotrijal, nesta quarta-feira (6). O painel contou com a mediação da jornalista Gisele Loeblein, que assina a coluna Campo e Lavoura.
Na avaliação do diretor técnico da Emater, Claudinei Baldissera, é preciso, primeiro, entender a irrigação como uma espécie de manejo na propriedade rural:
— Nós precisamos avançar o debate no sentido de entender que a irrigação faz parte de um sistema de cuidados agronômicos das culturas.
Falta também, continua o dirigente da Emater, uma melhor comunicação sobre o assunto:
— O agricultor só vai tomar a decisão (de comprar um equipamento de irrigação) se tiver segurança, porque o investimento não é barato. Ele precisa entender que é um investimento que se paga tanto quanto um trator com tecnologia embarcada.
Além do preço, Baldissera cita ainda a questão ambiental atual como outro empecilho:
— Ainda permeiam dúvidas do quanto pode se utilizar água, áreas de reserva ambiental.
Na Emater, instituição voltada à assistência técnica no meio rural, diversos extensionistas já estão em busca do aprimoramento dessa comunicação, a partir da especialização na tecnologia. O objetivo, explica Baldissera, é conseguir contribuir "lá na ponta", com o produtor rural que está interessado em adotar um sistema de irrigação na sua lavoura.
No âmbito global do Rio Grande do Sul, o trabalho tem sido feito entre o legislativo gaúcho e o governo do Estado.
— Nós estamos trabalhando no sentido de que haja um projeto viável de irrigação, porque hoje temos muitas lacunas na legislação — esclarece o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Adolfo Brito.
O projeto a que Brito se refere tem a ver com uma ação feita pelo governo do Estado nesta semana, quando abriu uma consulta pública que propõe mudanças nas regras de licenciamento de irrigação. Durante 30 dias, o documento vai colher sugestões sobre a minuta apresentada pelo governo. Um dos principais pontos de alteração é em relação à dispensa de licenciamento dos equipamentos. Pelas regras vigentes, é preciso autorização para que entrem em funcionamento. Com a alteração sugerida, o foco passa a ser na licença necessária para os açudes ou barramentos.
— Não vamos deixar de observar os aspectos legais, apenas entendemos que o equipametno não produz sozinho um dano ambiental para que se tenha licenciamento — explicou no painel Marjorie Kauffmann, secretária estadual de Meio Ambiente.
Ela também elencou a segunda etapa do Supera Estiagem, que prevê investir R$ 213 milhões até 2027 na irrigação, e a ampliação da competência das prefeituras, que tornou aptos os municípios gaúchos a licenciarem até 25 hectares de açude, como outros avanços.
A secretária também frisou, durante o painel, a relevância ambiental dentro da pauta da irrigação:
— A irrigação também entra na pauta das mudanças climáticas porque, toda a vez que a gente tem produção ativa, a gente tem sequestro de carbono.
Há ainda outro trabalho em paralelo a esse na esfera de Brasília, acrescentou Brito. É o projeto de lei 1.282/2019, do senador Luis Carlos Heinze, que autoriza a construção de barragens para irrigação em áreas de preservação permanente (APPs) à beira de rios. O texto foi aprovado pelo Plenário e agora vai à Câmara dos Deputados, no Congresso. Ainda de acordo com o presidente da Assembleia, está se trabalhando a possibilidade de colocar como relator o deputado federal Afonso Hamm, "conhecedor desta área".
Ao final do painel, Brito enfatizou ser preciso "trabalhar a irrigação como uma questão social":
— A pequena propriedade com irrigação com certeza vai segurar o jovem no interior, a família. E quando uma safra vai mal, normalmente pela seca, pela estiagem, muita gente da cidade também fecha empresas. É recurso que não entra, é emprego que desaparece e a economia do Estado que fica para trás.
Convidado também para o painel, o produtor Maurício de Bortolli, de Cruz Alta, falou sobre essa importância da irrigação na sua propriedade. Com pivôs desde 2005, ele e a sua família não se imaginam mais sem a tecnologia:
— A irrigação faz parte de um projeto de segurança alimentar e de renda para todo o produtor rural gaúcho, desde o pequeno, médio até o grande produtor. É um projeto que auxilia a gente a garantir produtividade, qualidade em qualquer tipo de aspecto, seja na agricultura, na pecuária ou para uso na piscicultura.
Atualmente, o Rio Grande do Sul possui apenas 1,15 milhões de hectares irrigados, segundo a Radiografia da Agropecuária Gaúcha 2023.