A palavra água — ou a falta dela — estará presente nas rodas de conversa dos produtores que circularem pelo parque da Expodireto, em Não-Me-Toque. Prova é que o evento sequer começou e o presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul (Fecoagro), Paulo Pires, sente-se pessoalmente cobrado quando o assunto são os efeitos devastadores da estiagem prolongada no Estado.
— Vocês mesmos, da imprensa, vivem cobrando de nós soluções. Estamos trabalhando por elas — garante o líder da entidade, que calcula que as perdas na lavoura de soja ultrapassem R$ 29,5 bilhões somente em faturamento e, na de milho, R$ 6,6 bilhões.
Provocando ainda perdas de produtividade e desenvolvimento no rebanho bovino, em virtude da escassez de pasto e água, a falta de água é um gargalo do setor agropecuário gaúcho. Assim, na visão de Pires, nada mais natural que essa preocupação seja uma questão estruturante da Expodireto 2022.
Ainda que o foco da feira seja inovação e tecnologia, a estiagem será questão transversal de parte dos eventos da programação — como os fóruns da Soja, do Leite e do Trigo, além de ser a pauta central da tradicional Audiência Pública do Senado, realizada sempre no último dia de evento.
Integrante da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado e organizador da audiência pública, o senador Luis Carlos Heinze (PP/RS) antecipa que a construção de reservatórios e as questões burocráticas acerca da irrigação estão na ordem do dia. No entanto, há expectativa de que o evento traga o anúncio de medidas de socorro aos pequenos produtores que não contam com o benefício do Pronaf, Proagro ou Seguro Rural.
Vocês mesmos, da imprensa, vivem cobrando de nós soluções. Estamos trabalhando por elas.
PAULO PIRES
Presidente da Fecoagro
Entraves burocráticos para a irrigação
Mas além de questões práticas de curto e médio prazos, boa parte dos ruralistas ambiciona soluções para o que consideram um problema antigo: os entraves burocráticos relacionados à reservação de água. Conforme a Emater-RS, apenas 2% das lavouras gaúchas contam com irrigação e, para o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Domingos Lopes Velho, isso não ocorre por má-vontade, mas por embaraços jurídicos no órgão licenciador.
Instalar um sistema de irrigação exige que os agricultores obtenham outorga do direito de uso da água e licenciamento ambiental. Porém, há um grande emaranhado burocrático para vencer uma legislação, por si só, bastante restritiva, apontam representantes do setor.
— O produtor se depara com a necessidade de mostrar que a obra não é conflitante com as necessidades ambientais, que é possível fazer irrigação fazendo enriquecimento do meio ambiente e, ao mesmo tempo, transpor a barreira jurídica. Além disso, o processo de solicitações e apresentações de documentos ainda não pode ser feito online, porque o serviço não é oferecido pelo governo do Estado — observa o superintendente do Senar-RS, Eduardo Condorelli.
Para os produtores da Metade Sul, há interesse em resolver um impasse com o Ministério Público Estadual (MP) acerca da interpretação do Novo Código Florestal. A lei determina que 20% de cada propriedade rural localizada no bioma Pampa seja preservada na forma de reserva legal. Porém, a mesma regra diz que caso os proprietários comprovem que o imóvel em desacordo com a regra geral respeitou as normas que vigoraram em outras épocas, estes ficariam desobrigados da exigência. Desde 2016, o MP questiona essa exceção na Justiça, o que praticamente invalida a lei e desmotiva os produtores a investir em reservatórios se o preço for acrescido de 20% da propriedade.
— (A lei) autoriza a abertura de reservatórios se for de interesse social, público. Se esse déficit de produção não for de interesse social, nada será. Então, todos nós estamos trabalhando junto com o MP na construção de um entendimento — diz Domingos Lopes Velho.
Em reunião no dia 23, entre o MP e entidades do Grupo de Trabalho Políticas Públicas de Reservação de Águas, ficou acordado que é possível regularizar/autorizar a reservação de água em área de APP sem ferir o Código Florestal. Nova reunião ocorrerá na segunda-feira. Conforme o promotor Alexandre Saltz, a Promotoria do Meio Ambiente "está empenhada em contribuir para que se encontre um regramento adequado à legislação vigente".