O recorde de safra no inverno passado, que resultou em 5,1 milhões de toneladas de trigo colhidas, não se repetirá este ano. A quebra esperada — que ainda pode aumentar devido às condições ruins do clima na reta final do ciclo — afeta não só a quantidade do cereal que está sendo colhido no Estado, mas também a sua qualidade e o preço pago ao produtor pela saca de 60kg.
Conforme levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção desta safra deve cair 30,5% em relação ao ano passado. Já a Emater projeta redução de 27,8% no trigo, com uma colheita estimada em 3,2 milhões de toneladas.
O impacto na produção está associado aos efeitos do El Niño. O fenômeno climático acentua as chuvas na região Sul, prejudicando o desenvolvimento das plantas. Além disso, impede a entrada das máquinas nas lavouras, atrasando a colheita e empurrando o início do cultivo da próxima safra de verão. Segundo a Emater, o percentual colhido chegou a 82% da área plantada na semana passada, depois de muitas interrupções por causa do excesso de chuva.
O tamanho real da quebra terá de aguardar o encerramento da colheita para ser mensurado. Mas já se sabe que será grande, adianta o coordenador da Câmara Setorial do Trigo da Secretaria da Agricultura do RS, Tarcisio Minetto. As dimensões do impacto foram discutidas em reunião da câmara com demais entidades do setor no início de novembro. Segundo Minetto, o encontro foi de tom “bem apreensivo” por parte de todos os elos da cadeia.
Todas as culturas da estação têm dificuldade. A canola deve ser a que terá menos problemas.
— É uma preocupação nunca vista em anos anteriores, tanto em termos de produção quanto de mercado — diz o dirigente.
A consolidação se encaminha para ser uma safra “sofrível”, de acordo com o assistente técnico de culturas da Emater, Alencar Rugeri:
— É um ano bem complicado, principalmente nesta fase final do trigo, que sofre muita influência do clima. Não é só o volume de chuva que atrapalha, mas a sua persistência, que piora o quadro. A observação tem nos apresentado dados severos que com certeza terão impacto na produção e também na qualidade.
O recorte atual da colheita no Estado indica pouca quantidade de grãos e qualidade baixa. Por causa da umidade constante, o cereal vai perdendo padrões de excelência, deixando de ser um trigo que poderia ser utilizado para a panificação, por exemplo.
Ricardo De Martini, 45 anos, produtor de trigo em Getúlio Vargas, no Norte, precisou ter paciência com o clima para conseguir colher os 30 hectares semeados neste ciclo. Os trabalhos foram encerrados no domingo (12).
A área destinada ao cereal este ano foi inferior aos 90 hectares cultivados no ano passado. Segundo o produtor, porque no início do ciclo de inverno já se alertava para os perigos potenciais do El Niño. Entre os produtores vizinhos, Martini comenta que todos tiveram dificuldade para avançar na colheita. E, o que foi colhido, veio em baixíssima qualidade.
— Este ano, a safra está totalmente diferente. Ninguém deu trigo bom até agora, tudo pH (peso hectolitro) inferior a 72, ou seja, quase tudo como triguilho. Vamos ter só resíduo — lamenta o produtor, relatando má qualidade também na cevada, outra cultura do inverno, que “nem para ração está servindo”.
Em Santa Bárbara do Sul, outra tradicional região produtora do norte do RS, Fabiel Belini, 30 anos, iniciou a colheita do trigo no fim de outubro, mas precisou interromper os trabalhos em vários momentos por causa da chuva. A colheita dos 50 hectares de terra, agora finalizada, resultou em qualidade “bem ruim”, avalia. Em 2022, a produtividade na sua área rendeu 70 sacas por hectare na propriedade. Este ano, estima de 10 a 12 sacas por hectare, apenas.
— O pH do trigo ficou abaixo do que seria esperado para farinha. Só vai servir para ração — relata o produtor.
Por causa da má qualidade, outra preocupação é a queda do preço. Belini espera algo em torno de R$ 20 pago pela saca de 60kg este ano. Valor que, se o cereal estivesse melhor, poderia ser de, pelo menos, R$ 50.
— Quase não paga o diesel — lamenta.
O cenário colocado, portanto, combina dificuldade de mercado e de produção. Presidente da Comissão de Trigo da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Hamilton Jardim alerta para a necessidade de medidas que tranquilizem o produtor que investe na cultura. Entre elas, a manutenção dos mecanismos para garantia de preço mínimo, como os leilões públicos de trigo.
A primeira rodada teve negociação de 64% das 309,6 mil toneladas ofertadas. Uma segunda etapa, na semana passada, resultou em outras 160 mil toneladas arrematadas. O setor ainda trabalha para que o trigo tipo exportação, em geral destinado para a fabricação de ração por causa da qualidade, também possa ser incluído nos leilões.
— Temos que trabalhar esta safra como uma exceção. Ano passado, foi exceção pelo recorde e pela altíssima qualidade. Este ano, é mais uma exceção, só que pelo lado contrário. Não tem tecnologia que comporte. Vamos ver o que se pode colher, o que se pode entregar de qualidade, e abrir maior espaço para a exportação — diz Jardim.