Antes de o plantio da safra de verão começar, tudo apontava para o segundo ciclo consecutivo de crescimento na produção de milho do Rio Grande do Sul. Em área de 771,6 mil hectares, conforme estimativa da Emater-RS, a expectativa era obter 5,94 milhões de toneladas em 2019/2020, alta de 3,7% frente ao período anterior. No entanto, no meio do caminho veio a estiagem, e o otimismo deu lugar à apreensão entre os agricultores do Estado. Às vésperas da abertura oficial da colheita, que ocorre no próximo dia 7, em Chiapetta, no Noroeste, a realidade aponta para um resultado aquém do esperado.
A falta de chuva e o calor intenso de dezembro até o início de janeiro afetaram diretamente o desempenho da cultura, mas a dimensão exata da quebra só deve ser conhecida ao final da safra, que se estende até março. Atualmente, 26% da área plantada foi colhida, conforme a Emater-RS. Dirigentes ligados à atividade estimam que as perdas devem ficar entre 20% e 30% em relação à meta inicial. Assim, a produção poderia ser entre 4,16 milhões e 4,75 milhões de toneladas, um dos menores resultados, ao menos desde 2012.
— De forma geral, a estiagem terminou, mas no milho as perdas estão estabelecidas. Sem dúvida foi a cultura mais atingida, tanto o grão quanto o milho para silagem — aponta Alencar Rugeri, diretor-técnico da Emater-RS.
Levantamento do órgão de assistência técnica aponta que todas as regiões r_egistraram perda de produtividade no cereal, com queda de até 40%, dependendo do local. A Região Central e o Noroeste figuraram entre as áreas mais impactadas. Ainda assim, o prejuízo não é uniforme.
O presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (FecoAgro-RS), Paulo Pires, lembra que há casos, em um mesmo município, de lavouras devastadas e de propriedades com bons resultados.
— A fase de prejuízo já ocorreu. De agora em diante, o tempo deve influenciar pouco a colheita, talvez apenas nas áreas mais tardias, como os Campos de Cima da Serra — pondera Pires.
Levantamento realizado pela Rede Técnica Cooperativa (RTC), a pedido da FecoAgro-RS, estima que as perdas no milho chegam a 30% nesta safra, até 22 de janeiro. O estudo levou em consideração área de 337 mil hectares do cereal, em municípios próximos das sedes de 22 cooperativas gaúchas.
Perda leva produtor a acionar seguro
Com quase três décadas de trabalho no campo, o agricultor Ilton Ritter classifica a safra atual como uma das piores que já vivenciou. Proprietário de 70 hectares de milho em São Lourenço do Sul, uma das 93 cidades gaúchas que decretaram situação de emergência em decorrência da estiagem, Ritter esperava colher em torno de cem sacas por hectare neste ano — a média do RS é de 109. Agora, devido ao tempo adverso, calcula que a produtividade deverá cair pela metade.
— Ficamos mais de 40 dias sem chuva. O sol estava muito quente e queimou mais da metade da lavoura — lamenta o agricultor.
O milho sente muito os reveses climáticos. Como pegou a estiagem na época de floração, houve perda, e ela é irreversível.
RICARDO MENEGHETTI
Presidente da Apromilho-RS
A situação fez Ritter acionar o seguro agrícola no final de janeiro. Ao todo, o Ministério da Agricultura registrou mais de 6,7 mil avisos de sinistros para companhias seguradoras e instituições financeiras que operam o Programa de Subvenção ao Prêmio de Seguro Rural (PSR) e o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro). Desses, aproximadamente 3,7 mil se referem a áreas de milho até 24 de janeiro.
A perspectiva de quebra expressiva e o contexto de dificuldades em razão do mau tempo não eram verificados no Estado desde a safra 2011/2012, quando houve seca. Ainda assim, o presidente da Associação dos Produtores de Milho do Rio Grande do Sul (Apromilho-RS), Ricardo Meneghetti, ressalta que há diferenças entre o atual momento e aquele vivido há oito anos.
— O milho sente muito os reveses climáticos. Como pegou a estiagem na época de floração, houve perda, e ela é irreversível. Mas não dá para comparar com 2012, quando houve uma seca generalizada e que derrubou a produção de grãos como um todo — constata, projetando redução de, pelo menos, 20% na colheita do cereal neste ano.
Cereal irrigado tem bom resultado
Em 2015, após ter desempenho abaixo do esperado em três safras consecutivas, a família Chiappetta chegou à conclusão de que precisava mudar algo na lavoura de milho. Os irmãos Marcelo e Gustavo, responsáveis por gerenciar a propriedade, decidiram que havia chegado a hora de irrigar a área de 560 hectares do grão em Chiapetta, na região Noroeste. Em média, desembolsaram R$ 4,8 mil por hectare.
A decisão, tomada alguns anos atrás, hoje é uma das principais responsáveis pela manutenção da produtividade em tempos de estiagem. Nesta safra, os Chiappetta esperam colher em torno de 200 sacas por hectare, mesmo volume de 2018/2019. Em meio a um contexto em que muitos produtores lamentam as perdas ocasionadas pelo tempo adverso, Marcelo celebra o bom desempenho da lavoura:
— O agricultor não precisa passar por uma experiência ruim para entender que a irrigação funciona como um seguro Em estiagens, se vê diferença significativa na produção.
Não fosse a irrigação, Marcelo calcula que teria perdido até 70% da safra. Mesmo sendo aliado nos momentos de falta de chuva, o sistema está pouco presente nas propriedades. A Secretaria da Agricultura aponta que somente 15% dos 771,6 mil hectares com milho no Estado recebem água de pivôs.
Programa pretende estimular produção
Desde junho do ano passado, a Câmara Setorial do Milho, vinculada à Secretaria da Agricultura, começou a estruturar uma ação voltada à cultura. Como há duas décadas o Rio Grande do Sul não consegue produzir todo o volume de grão demandado pela indústria, hoje estimado em 6,5 milhões de toneladas, a cadeia produtiva decidiu se articular para aumentar a produção, melhorar a qualidade e estabelecer alternativas de comercialização do grão. Assim nasceu o Pró-Milho, programa que será lançado no próximo dia 7.
O diretor do Departamento de Política Agrícola e Desenvolvimento Rural da secretaria, Ivan Bonetti, explica que o objetivo do programa é fazer com que a produção gaúcha cresça em torno de 10% ao ano. Uma das medidas consideradas cruciais é estimular o avanço da área irrigada. Para isso, bancos vão lançar linhas de crédito voltadas aos produtores de milho, permitindo investimentos em pivôs e outros tipos de melhorias, como armazenagem.
— Há bancos que já sinalizaram que facilitarão crédito, com juros mais acessíveis e maior prazo de pagamento em linhas específicas para programas voltados para irrigação, armazenagem e o próprio custeio das lavouras — aponta Bonetti.
Indústria avalia medidas
Outra iniciativa deverá ser a criação de uma rede de assistência técnica, visando à melhora na qualidade do grão. Indústria, empresas cerealistas, cooperativas e Emater deverão intensificar ações junto aos produtores, procurando melhorar resultados. Uma das principais queixas da indústria de proteína animal, atualmente, é que parte do milho gaúcho acaba tendo elevado nível de toxinas decorrente de falhas no processo de secagem.
O custo de produção está sendo afetado e não vemos outra saída a não ser repassar ao preço final do frango. O ajuste deve ficar na faixa de 10% a 12%.
JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS
Diretor-executivo da Asgav
Interessada no programa, a indústria gaúcha aposta que as medidas poderão equilibrar oferta e demanda do grão em até cinco anos. Atualmente, as empresas instaladas no Estado têm de buscar em torno de 1,5 milhão de toneladas do cereal no Centro-Oeste e mesmo no Exterior. Nesta safra, a tendência é de que os frigoríficos intensifiquem a compra de milho, em razão dos problemas nas lavouras do RS e da valorização do preço da saca, que atingiu média de R$ 41,92 em 30 de janeiro, segundo a Emater-RS. Em 2019, em igual período, o valor médio era de R$ 34,55.
— O custo de produção está sendo afetado e não vemos outra saída a não ser repassar ao preço final do frango. O ajuste deve ficar na faixa de 10% a 12% — aponta José Eduardo dos Santos, diretor-executivo da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav).
Santos enfatiza que a indústria deve esperar mais algumas semanas para decidir se coloca em prática estratégias de importação de milho. É cogitada a compra do produto na Argentina, no Paraguai e até nos Estados Unidos.