Em um sistema intensivo de produção, o glifosato é a base de toda a lavoura gaúcha. Os agricultores relacionam a importância do princípio ativo à manutenção do plantio direto. Isto porque o produto é usado para dessecar a palha da cultura de inverno que fica na lavoura, dispensando as grades e os arados de antigamente. O manejo possibilita que se trabalhe com janelas de tempo mais curtas entre os cultivos.
– Para a soja ele é vital. Os agricultores não estão preparados para plantar sem o glifosato – avalia o assessor técnico do Sistema Farsul, Eduardo Condorelli.
O engenheiro agrônomo Tiago Zilles Fedrizzi, que trabalha com sistemas de produção agroecológicos, considera o sistema plantio direto uma revolução, pois evita erosões no solo e ajuda a melhorar a fertilidade por meio do incremento de matéria orgânica. Entretanto, alerta que o uso indiscriminado de herbicida ocasiona perdas do ponto de vista biológico e microbiológico, gerando resistência das plantas espontâneas.
– Há alternativas para suprimir a vegetação ou acelerar o processo de decomposição da palha, como a roçadeira mecânica – ressalta o agrônomo, acrescentando que a prática favorece a estruturação e a produtividade do solo.
A implantação de coberturas, como aveia e azevém, e a adoção do sistema de integração lavoura-pecuária ajudam a controlar e eliminar plantas daninhas no atual modelo de produção. Segundo o agrônomo Dionisio Gazziero, pesquisador em Manejo de Plantas da Embrapa Soja, de Londrina (PR), as técnicas também contribuem para enriquecer o solo e a reduzir custos com insumos:
– O manejo inteligente das plantas daninhas é o integrado, e não só o químico. Costumamos dizer que a palha é um grande herbicida – diz, apesar de considerar o glifosato uma importante ferramenta para a agricultura tropical.
A relevância do glifosato para a produção está diretamente ligada à dependência que o agricultor brasileiro tem do herbicida. Só na lavoura de soja, onde o princípio ativo é utilizado no preparo do solo e também durante o desenvolvimento vegetativo para eliminar ervas daninhas, os produtores gaúchos usam, em média, cinco litros por hectare segundo estimativa da Associação dos Produtores de Soja do Rio Grande do Sul (Aprosoja-RS). No país, segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), a média fica entre dois e quatro litros por hectare. Considerando a área de 5,89 milhões de hectares prevista pela Emater para a safra 2018/2019 no Estado, serão 29,45 milhões de litros de glifosato destinados ao cultivo da oleaginosa só neste ciclo.
Substituto é mais caro e menos eficaz na lavoura
O sojicultor Luis Fernando Fucks, presidente da Aprosoja-RS, reconhece a necessidade que os produtores têm de um único produto. Segundo o dirigente, existem alternativas, porém são mais caras e não há quantidade suficiente no mercado. Entre as possibilidades de substituição está o glufosinato de amônio, outro herbicida não-seletivo, cujo preço é de cerca de R$ 45 o litro. Já o glifosato, custa em torno de R$ 15. Contudo, o glufosinato de amônio substitui o tradicional herbicida apenas para a dessecação no pré-plantio, pois a soja não é resistente ao produto.
– Este problema não é só do Brasil, é mundial – destaca o presidente-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), Alysson Paolinelli, sobre o fato de o glifosato ser considerado imprescindível na agricultura intensiva.
Quanto menor é o número de tecnologias oferecidas ao agricultor, mais aumenta o uso dos produtos que seguem disponíveis no mercado, tanto em volume quanto em número de aplicações, avalia a diretora executiva do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), Silvia Fagnani. Segundo a entidade, 30 empresas produzem agrotóxicos à base de glifosato no Brasil.
Aplicações das substâncias colocadas em cheque
Abamectina - acaricida (combate ácaros) e inseticida adotado no cultivo de 28 produtos: algodão, alho, batata, café, cana-de-açúcar, citrus, coco, cravo, crisântemo, ervilha, feijão, feijão-vagem, figo, maçã, mamão, manga, melancia, melão, milho, morango, pepino, pera, pêssego, pimentão, rosa, soja, tomate e uva.
Glifosato - herbicida não-seletivo usado no preparo do solo para implantação da lavoura e também durante o cultivo para eliminar ervas-daninhas e outras plantas não resistentes ao princípio ativo. É aplicado em 25 culturas: algodão, ameixa, arroz, aveia-preta, banana, cacau, café, cana-de-açúcar, citrus, coco, eucalipto, feijão, fumo, maçã, mamão, milho, nectarina, pastagens, pera, pêssego, pinus, seringueira, soja, trigo e uva.
Tiram - fungicida usado antes do plantio, no tratamento de sementes, em 12 cultivos: algodão, amendoim, arroz, aveia, cevada, ervilha, feijão, milho, pastagens, soja, sorgo, trigo.
Insegurança jurídica no pré-plantio de verão
No Brasil, no dia 3 de agosto, a juíza da 7ª Vara da Justiça Federal em Brasília, Luciana Raquel Tolentino de Moura, atendendo a pedido do Ministério Público Federal, determinou que não fossem concedidos novos registros de produtos que contenham como ingredientes ativos abamectina, glifosato e tiram (veja quadro acima).
Também suspendeu, no prazo de 30 dias, o registro de todos os produtos que utilizassem as substâncias até que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concluísse a reavaliação toxicológica. Estipulou ainda que a Anvisa concluísse a reavaliação toxicológica até 31 de dezembro. As três substâncias estão em processo de reavaliação pela agência desde 2008.
Mas, na última segunda-feira, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) derrubou liminar que vetava os registros de produtos a partir dos três princípios ativos e que determinava prazo para a Anvisa efetivar as reavaliações. Na decisão, o desembargador federal Kássio Marques explicou que não há justificativa para a suspensão dos produtos que contenham estas substâncias “de maneira tão abrupta, sem a análise dos graves impactos que tal medida trará à economia do país e à população em geral”.
No Rio Grande do Sul, o plantio da safra de verão já está organizado – o milho começou em agosto e a soja se inicia em outubro. Até poucos dias atrás, produtores brasileiros estavam apreensivos com a proibição de venda do herbicida mais usado no país e no mundo.
No setor produtivo, era consenso que a medida inviabilizaria a produção de grãos e colocaria em risco o abastecimento. Dados do Ministério da Agricultura estimam que o embargo impactaria 97,5% das lavouras de soja, 80,6% da produção de algodão e 42,4% das áreas de milho no país.
Pesquisas associam uso de agrotóxicos a doenças
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que alerta para os impactos dos agrotóxicos, tanto à saúde quanto ao ambiente, considera a regulamentação de produtos como o glifosato falha e recomenda a adoção do princípio da precaução.
– A posição da Abrasco é que o uso de agrotóxicos no país é absolutamente descontrolado e que a exposição de trabalhadores a esses produtos é alarmante – afirma André Búrigo, pesquisador em Saúde do Campo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro.
Búrigo, que é coautor de dossiê da Abrasco, destaca que estudos científicos relacionam os agrotóxicos a autismo, câncer, Alzheimer e Parkinson e, também, a problemas como infertilidade.
O pesquisador aponta para a necessidade de alterar o atual modelo de produção.
– É possível uma agricultura sem glifosato, mas não para o tipo de produção que quer ter uma espécie de planta em milhares de hectares – destaca Búrigo, referindo-se ao monocultivo da soja.
Para a toxicologista Márcia Sarpa, do Instituto Nacional de Câncer (Inca), a decisão do TRF1 caracteriza “um grande retrocesso para a saúde da população que continuará exposta a produtos tóxicos através dos ambientes ocupacionais e ambientais, como ar, água e alimentos contaminados”.
O que diz a Anvisa
A Anvisa informou que a reavaliação do glifosato no Brasil se iniciou em 2008, com a contratação da Fiocruz para a elaboração de nota técnica sobre os aspectos toxicológicos relevantes do herbicida.
A Fiocruz concluiu, em 2013, que as evidências disponíveis sobre a carcinogenicidade do produto eram insuficientes e não indicou sua proibição. Para avançar na análise, informou a Anvisa, foi contratada especialista para abordar o aspecto de carcinogenicidade do glifosato. O parecer encaminhado à Anvisa em 2016 considerou o químico não carcinogênico.
“As discussões de reavaliação do ingrediente ativo glifosato já resultaram na inclusão do monitoramento de seus resíduos em alimentos pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos da Anvisa a partir de 2017”, destacou a agência. “Mesmo que se conclua que ele não é carcinogênico e que não tem qualquer impeditivo de registro segundo a legislação brasileira, é importante avaliar a necessidade de medidas de restrição de uso com base em outros aspectos toxicológicos além da carcinogenicidade”.
O que dizem Monsanto e Bayer
A americana Monsanto informou que o herbicida ajuda os produtores brasileiros a controlar plantas daninhas de forma “eficaz, sustentável e segura”. Em nota, a multinacional afirma que “mais de 800 estudos e análises científicas concluíram que o glifosato é seguro para uso”.
Recentemente, a multinacional foi adquirida pela companhia alemã Bayer, que considera o produto “um pilar vital” da economia do Brasil. “O glifosato permitiu um passo revolucionário para o cultivo de plantio direto – o que economiza tempo, reduz custos, protege as águas subterrâneas e evita a erosão do solo. Nenhum herbicida disponível atualmente no mercado poderia substituir o glifosato”, manifestou a Bayer.