Uma nova revolução na produção vem impactando o campo. A bioeconomia, modelo de desenvolvimento baseado em fontes biológicas e renováveis, já é realidade na agricultura, na geração de energia e fármacos, tornando-se promissora oportunidade de aumentar a renda da produção primária do Rio Grande do Sul, um dos Estados líderes do agronegócio.
Esse modelo econômico é um caminho sem volta em todos os setores produtivos, explica Homero Dewes, professor do Departamento de Biofísica da UFRGS, e as grandes empresas que atuam no agronegócio vêm investindo em produtos a partir de fontes renováveis. Hoje, a pesquisa de insumos biológicos é a principal pauta das grandes indústrias químicas do setor. Entre os exemplos dessa nova onda estão os inoculantes para tratamento de sementes.
Com ajuda da tecnologia, o agricultor gaúcho Vitor Alexandre Ceolin conquistou a maior produtividade no país em soja irrigada pelo Comitê Estratégico Soja Brasil, no Desafio Cesb. Foram 113 sacas por hectare na última safra em área que recebe água de pivôs, no município de Pinhal Grande, na Região Central.
O resultado é mais do que o dobro da média do Estado, de 50 sacas por hectare. Para Ceolin, o segredo é uma conjunção de práticas, incluindo a utilização de inoculantes no tratamento de semente, correção da terra, adoção de rotação de culturas e uma boa adubação.
O inoculante dispensa o uso de fertilizantes nitrogenados, de origem química. Portanto, preserva a microflora e a microfauna do solo e ajuda na fertilidade da terra. Os produtos contêm uma bactéria que, quando associada à raiz da soja, converte o nitrogênio da atmosfera em compostos que serão utilizados pela planta.
— É como se ajudasse a liberar na terra comida para a planta — resume Ceolin.
Em Pinhal Grande, Estrela Velha e São Gabriel, Ceolin e a família plantaram 1,8 mil hectares de soja, além de 90 hectares de milho na última safra. No sequeiro, a produtividade também é crescente. Na última safra, as áreas de soja de Pinhal Grande e Estrela Velha, onde não houve seca no último verão, tiveram rendimento médio de 72 sacas por hectare.
Além de melhorar a rentabilidade pela maior produtividade, o sistema prevê o uso de resíduos em novas aplicações, informa o professor Homero Dewes, que fundou na UFRGS, há três décadas, o Instituto de Biotecnologia:
— A base produtiva no mundo, em todos os setores, vai migrar, gradativamente para a renovável. Vamos passar a chamar agronegócio de bioeconomia. O que é agricultura, se não uma produção de base biológica?
Nesse sentido, a produção agrária contempla práticas ambientais rotineiras, como uso racional dos recursos naturais, integração pecuária-lavoura-floresta e manejo de pragas com insumos biológicos até em oportunidades de agregar valor às commodities, como, por exemplo, aproveitar os resíduos das plantações ou do gado para gerar novos produtos.
— A agricultura, que começou com os alimentos, evoluiu para produtos. Insumos de base agrícola servem para o desenvolvimento de outros materiais — pontua Dewes.
Ganhos de rendimento e menor impacto ambiental
A partir da nanotecnologia, a Embrapa Agroindústria de Alimentos, do Rio de Janeiro, desenvolveu plástico biodegradável usando caroço e casca de manga. Entre outras aplicações, pode ser utilizado para embalar alimentos. A tecnologia, já produzida em pequena escala, busca parcerias para chegar ao mercado.
Bruno Brasil, secretário de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, explica que a bioeconomia ganhou destaque na última década como aposta de sustentabilidade das atividades produtivas em meio a desafios para mitigar as mudanças climáticas. O compromisso de reduzir emissões foi firmado pelo governo brasileiro no âmbito do Acordo de Paris.
– O Brasil é pioneiro desde a década de 1970. Já fomos o maior produtor de etanol e também temos protagonismo nos biocombustíveis – observa Bruno Brasil.
A produção de bioenergia é um dos setores mais disseminados dentro do conceito da bioeconomia. No Estado, são 16 termelétricas (a partir de resíduos florestais e casca de arroz) e biogás (resíduos sólidos), além de dois empreendimentos em construção, em São Sepé e em Erechim. Há, ainda, 12 unidades de biodiesel e três plantas de etanol hidratado, com base de cana-de-açúcar.
Professor da Univates, de Lajeado, onde coordena o Laboratório de Biorreatores Tecnovates, Odorico Konrad esteve à frente do Atlas das Biomassas do RS na produção de biogás e biometano. Ele observa que, como o Estado é grande produtor de aves e suínos, tem potencial para empreendimentos do gênero, que aproveitam os resíduos das duas atividades:
— Algumas propriedades produzem energia a partir do biogás e jogam o excedente na rede. É uma questão econômica e ambiental.
Problema de resíduo que virou solução
Para quem beneficia arroz, destinar de forma correta a casca do cereal é um desafio. Mas o resíduo ganha espaço como insumo para gerar energia. Um exemplo é uma usina de 8 megawatts (energia suficiente para abastecer cidade com 10 mil pessoas) que está sendo erguida em São Sepé, na região central do Estado, com investimento de R$ 48 milhões da empresa Creral, de Erechim. O empreendimento deve começar a operar nos próximos meses.
A usina consumirá cerca de 70 mil toneladas de casca de arroz por ano. Para garantir o fornecimento, foi firmado contrato com cooperativas da região para ter insumo por 25 anos. O preço? R$ 10 a tonelada de casca. Mais caro é o transporte, que precisa ser de locais próximos, para ter viabilidade econômica. No máximo, 50 quilômetros. Metade virá da Cotrisel, de São Sepé.
— A casca de arroz é um bom combustível. Tem poder calorífico igual ao do carvão, mas não emite enxofre e nitrogênio. É abundante na região e também um problema para indústrias e cooperativas – observa Luiz Antonio Leão, sócio-diretor da Enerbio Energia e Ambiente, responsável pelo projeto, construção e gestão da unidade, lembrando que os fornecedores até propuseram doar a casca para a usina, mas a preferência foi por formalizar um contrato firme de compra.
A planta gera hoje 105 empregos na construção. Quando estiver operando, serão ao menos 25 postos diretos. A empresa trabalha em outro projeto semelhante em Capivari do Sul, que ainda não tem licença ambiental. Mas a intenção é construir uma planta de 5 MW, orçada em R$ 35 milhões, que vai consumir cerca de 48 mil toneladas de arroz por ano.
Grandes e pequenos investem no sistema ecológico
A primeira edição do Fórum e do Prêmio Brasil Bioeconomia, realizado em São Paulo no fim de julho, reuniu representantes de empresas multinacionais, startups, universidades e órgãos públicos para incentivar o debate sobre a transição do atual modelo econômico para um mais inclusivo e mais sustentável.
— No Brasil, toda palavra que começa com "bio" gera medo. Mas acredito que o termo em si seja mais confuso do que a prática — avaliou Bernardo Silva, presidente da Associação Brasileira de Biotecnologia Industrial (ABBI), entidade que promoveu o evento.
A bioeconomia é o principal indutor do avanço econômico e sustentável do país. É um caminho sem volta. Segundo Silva, em nível nacional, a bioeconomia é vista como sinônimo de bioetanol, enquanto ele tem um potencial muito maior:
— O etanol é só 1%. A cana, que é a matéria-prima mais conhecida para produção do combustível, pode virar plástico, remédio, cosmético, aroma e uma infinidade de produtos que a gente ainda vai descobrir.
Das iniciativas já praticadas no país e dos projetos que ainda lutam para sair do papel que foram apresentados, prevaleceram as dificuldades que esse sistema precisa enfrentar. Por exemplo, as barreiras burocráticas que o modelo exige e a redução de custos de produção para que se torne competitiva no mercado. Entre as demandas estão incentivos fiscais para empresas e investimento público em pesquisas para desenvolver mercado.
Um dos entraves é o alto custo da produção local. Representando a americana Amyris no fórum, Kelly Seligman afirmou que a empresa importa resíduos de cana-de-açúcar do Brasil para fabricar etanol nos Estados Unidos, porque, mesmo tendo usinas no país, é mais barato e rápido produzir lá.
— Os entraves burocráticos são os impostos cobrados sobre as tecnologias, como máquinas. Encarecem e tornam lento o processo a tal ponto que, mesmo tendo matéria-prima e mão de obra aqui, é mais vantajoso levar cana para os Estados Unidos — comentou a coordenadora de Assuntos Regulatórios da Amyris.
O foco da empresa, assim como outras do setor, está em desenvolver o chamado etanol de segunda geração, que reduz em mais de 91% as emissões de gases de efeito estufa, aumenta a segurança alimentar e energética e mais valor agregado ao agronegócio.
Sistema de produção
Conceito
De modo abrangente, é a ciência do emprego de seres vivos (bio) originários de atividades econômicas como agricultura, silvicultura e pesca na produção, por meio de tecnologias de processamento, de bens e serviços, como alimentos, fármacos, fibras, produtos industriais e energia. Busca garantir alimento, produtos e serviços à crescente população mundial, substituindo o modelo de desenvolvimento baseado em combustíveis fósseis e com impactos ao ambiente.
Políticas de apoio
Políticas públicas terão papel decisivo na coordenação do desenvolvimento da bioeconomia, estimulando as empresas a utilizarem insumos renováveis. Cabe ressaltar que o país tem a maior diversidade genética vegetal do mundo, contando com 42.730 espécies vegetais distribuídas em seus diferentes biomas.
Perspectivas no país
No Brasil, além de efeitos positivos do ponto de vista ambiental, o sistema tem elevado potencial de adição de valor, especialmente para o agronegócio. Para se ter uma ideia da representatividade da bioeconomia no país, considerando todos os setores produtivos, o setor movimentou, em 2016, US$ 326,1 bilhões, segundo o estudo A Bioeconomia Brasileira em Números, publicado em abril deste ano pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), citando dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Desafios no Brasil
O desenvolvimento efetivo da bioeconomia no Brasil requer, além da disponibilidade e de custos competitivos dos insumos físicos, soluções no campo das biociências e em conhecimentos avançados em biotecnologias.
É preciso avançar mais rapidamente na compreensão científica sobre a qualidade dos insumos de biomassa, na melhoria na adaptação desses recursos para seu processamento produtivo e no aprimoramento dos processos de conversão de produtos bioderivados.
Necessidade de melhorar as capacitações locais a fim de aproveitar o potencial, tanto para utilizar os recursos do país, quanto para desenvolver e empregar novas tecnologias para processos industriais.
Com avanços na área de energia a partir de fontes renováveis, há uma percepção de que “o trem da bioeconomia já saiu da estação”. O sucesso dependerá da escala e da velocidade para alterar a produção atual de bens e serviços das matérias-primas fósseis para as biológicas explorando efetivamente os recursos disponíveis, assim como novos conhecimentos e suas possibilidades de sinergias nos campos das ciências biológicas, físicas e químicas.