Os produtos do agronegócio brasileiro não estão apenas na geladeira, mas em praticamente tudo o que se vê ao redor: nos móveis da sala, no pneu do carro e até nos cosméticos que prometem juventude envasada em potinhos. Rainha da balança comercial, a soja também merece destaque no quesito diversidade de aproveitamento. Além de ser transformado em óleo de cozinha e ingrediente para vários alimentos industrializados, o grão é componente importante na indústria farmacêutica e vem ganhando força como agente de preservação ambiental ao ser utilizado como insumo para a produção de biocombustível e até na fabricação de novos tipos de plásticos.
Uma das novidades nessa área é a transformação do glicerol, um subproduto do biodiesel, em plástico biodegradável. Pesquisa da Universidade de Caxias do Sul (UCS) pretende aproveitar o resíduo, que hoje é utilizado em pequena quantidade apenas para fazer sabonete de glicerina e na indústria farmacêutica, por meio da nanotecnologia. Entre as possibilidades, está a fabricação de copos descartáveis, próteses para cirurgias, cosmético e até material utilizado para impressão 3D.
- São moléculas de interesse comercial que podem ser produzidas a partir do petróleo ou do glicerol - explica o químico Thiago Barcellos, pesquisador do Laboratório de Biotecnologia de Produtos Naturais e Sintéticos da UCS, lembrando que só a Região Sul é responsável por 40% da produção brasileira de biodiesel.
Inovação tem benefício ambiental
Há inúmeras vantagens em transformar o glicerol em plástico. Uma delas é ambiental. Um copo plástico comum, por exemplo, demora 500 anos para se decompor em um aterro sanitário com condições adequadas. No caso do copo feito a partir de plástico biodegradável, fabricado com o resíduo em estudo, o processo de decomposição ocorre em apenas 60 dias.
- Existe um ciclo sustentável em utilizar a biomassa para obter bioprodutos - acrescenta Barcellos.
A soja está presente em mais de 2 mil produtos. É uma pena que não temos um planejamento de governo para aproveitar melhor esta riqueza.
Décio Teixeira
Diretor administrativo da Aprosoja Brasil e vice-presidente da Aprosoja-RS
No caso das próteses, o benefício é não precisar fazer nova cirurgia no paciente para remover um pino que foi instalado provisoriamente. Após a recuperação clínica, o material é naturalmente eliminado pelo organismo, garante o especialista da UCS.
Os avanços das pesquisas relacionadas ao aproveitamento de produtos primários chamam a atenção e sinalizam para um universo de possibilidades.
- É ilimitado. Eu não sei o que não poderá ser feito - reflete o presidente da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem), Narciso Barison Neto, sobre o futuro do agronegócio.
Segundo a Embrapa, a soja é ingrediente utilizado em mais de 2 mil itens, entre alimentos e outros produtos. Apesar da força da oleaginosa, muitos outros cultivos têm potencial grande a ser explorado. O zootecnista Bruno Lucchi, superintendente técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), destaca a importância econômica e tecnológica de atividades como a produção de fibras, entre elas o algodão, a lã e a celulose para a fabricação de papel.
- O agronegócio incentiva a pesquisa e o desenvolvimento e traz outros setores junto com ele - constata.
Inovação que garante melhores negócios
A oportunidade de plantar soja e destinar a produção a mercados diferenciados tem sido a motivação de agricultores como Valdomiro Fernandes Vieira, 52 anos, do município de Ciríaco.
Há dois anos, o produtor comercializa parte do grão colhido para a usina BSBios, de Passo Fundo, que produz biodiesel. Na safra 2016/17, Vieira negociou 1,29 mil toneladas da oleaginosa - 50% do volume produzido - com a usina.
- É o único produto que todo mundo quer comprar - comenta sobre a liquidez do grão.
Entre as vantagens deste mercado, pondera Vieira, está o valor agregado que a diversidade da soja traz à operação comercial. Nas entregas, o agricultor leva o grão até a empresa e consegue voltar com o caminhão carregado de farelo e casca, insumos obtidos a partir do processamento da oleaginosa e que são comercializados com os pecuaristas da região para alimentação animal.
O agricultor cultiva 600 hectares de soja e tem produtividade média de 70 sacas por hectare.
A safra é depositada em armazém construído em parceria com outros cinco agricultores da região, que também comercializam o grão produzido para a BSBios.
Grão colhido ajuda a abastecer o trator
O biodiesel é um exemplo de subproduto do agronegócio com importância social, ambiental e econômica não apenas no campo. Produzido a partir do óleo de soja, é prova de que é possível fechar um ciclo sustentável, onde o que se colhe hoje pode abastecer carros, caminhões e os próprios tratores que ajudam na lida.
- Tudo nasce na agricultura e acaba retornando para o campo - reflete o gerente comercial da BSBios, Leandro Zat.
A empresa tem duas unidades de produção de biodiesel no país. Só na usina de Passo Fundo, recebe soja de 250 fornecedores, entre cooperativas e cerealistas. Em 2016, a usina industrializou 900 mil toneladas do grão, quase o total de sua capacidade de processamento que é de 1,08 milhão de toneladas. Para 2017, a meta é chegar a 950 mil toneladas.
Na avaliação de Zat, o biodiesel foi fundamental para gerar maior demanda interna pela soja no Rio Grande do Sul e dar equilíbrio ao preço do grão, aumentando a remuneração do produtor.
Óleo é extraído na usina
Ao chegar na indústria, o grão é processado para extração do óleo que será utilizado na fabricação de biodiesel, produto de base vegetal que gradualmente vem substituindo o componente retirado do petróleo. De acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), atualmente é obrigatória a mistura de 8% de biodiesel ao diesel vendido nos postos brasileiros. A meta é chegar à fase B10, que prevê a adição de 10% até março de 2019.
Do volume de biodiesel produzido no mercado brasileiro, 78% vem da soja. O restante é obtido a partir de gordura animal - óleo de frango, sebo bovino, graxa suína e até óleo de peixe - resíduos que, no passado, representavam um expressivo passivo ambiental a ser solucionado.
Na unidade de Passo Fundo, somente 10% a 15% do biocombustível produzido utiliza a gordura animal como matéria-prima. Isto ocorre por conta da boa oferta de soja na região.