Desde os primeiros dias de maio, várias iniciativas solidárias têm surgido nos cursos de Moda de diferentes universidades do Rio Grande do Sul para ajudar as vítimas das enchentes. Com o apoio de professores, alunos, ex-alunos e voluntários da comunidade, ações de costura e produção de roupas e cobertores têm sido fundamentais para atender às necessidades emergenciais dos desabrigados. Pelo menos nove instituições gaúchas estão envolvidas em algum projeto que reúne interessados em contribuir.
Em Porto Alegre, UniSenac, UniRitter e Unisinos estão entre as mobilizadas na confecção de peças para pessoas nos abrigos e animais resgatados.
A coordenadora do curso de graduação em Design de Moda do UniSenac, Nicele de David Branda, lidera uma iniciativa para produzir peças íntimas para abrigos que enfrentam uma carência crítica desses itens. A ação conta com um grande grupo de voluntários, incluindo ex-alunos, que começaram a se reunir nessa semana para costurar e organizar os materiais doados:
— Precisamos fazer um produto que as pessoas possam usar neste momento. Estamos incumbidos dessa tarefa, não só de executar, mas de pensar em um produto adequado.
Nicele destaca que, inicialmente, a ação no Campus Porto Alegre se dedicará à produção de peças íntimas masculinas, femininas e plus size, uma demanda emergencial nos abrigos. A segunda etapa do projeto será confeccionar saquinhos de dormir para crianças de zero a seis anos, na intenção de protegê-los do frio.
Com pelo menos 25 pessoas envolvidas até o momento, Nicele se emociona com a mobilização dos voluntários. Ela relata que o grupo gostaria de ter iniciado o movimento mais cedo, mas o prédio da escola localizado na Rua Coronel Genuíno também foi afetado pelos efeitos da chuva em Porto Alegre, ficando sem energia elétrica:
— Temos um grupo participativo e parceiro. Mesmo em momentos que não precisaria de tanta adesão, nós já tínhamos envolvimento deles. Agora não foi diferente. Temos de acolher os nossos: tivemos cinco alunas afetadas, sendo que duas ficaram no telhado esperando resgate. Uma está grávida. Doei as roupas de bebê que tinha para ela. É uma mobilização coletiva.
Além do UniSenac, outras unidades do Senac com cursos técnicos de Design de Moda – Novo Hamburgo, Ijuí, Santa Maria, Farroupilha e Passo Fundo – também estão produzindo peças, como roupas íntimas e mantas para animais, para os abrigos de suas regiões.
Devolver a dignidade
Professores, alunos e ex-alunos do curso de Design de Moda da UniRitter, em parceria com a comunidade, também estão focados na produção de peças nos ateliês de costura da instituição. A meta é confeccionar 5 mil calcinhas de poliamida e uma dezena de novos cobertores com tecidos doados por empresas têxteis. Também serão desenvolvidas cerca de 7 mil peças plus size para atender à demanda dos abrigos de roupas de frio em tamanhos maiores.
— Nossa intenção é devolver o mínimo de dignidade às pessoas desabrigadas nas enchentes para que elas possam se sentir mais confortáveis e se mantenham aquecidas na onda de frio – ressalta o professor Angelix Borsa.
Batizado de Costura com Propósito, o projeto começou despretensiosamente e hoje conta com 45 voluntários que estão divididos entre os laboratórios dos campi FAPA e Zona Sul e nos ateliês parceiros, como o Ander Ateliê. Segundo Borsa, as doações estão chegando de grandes empresas como Lojas Renner e Wonder Size, marca de moda plus size, resultando em uma produção diversificada e, principalmente, de grande alcance:
— É incrível porque é um projeto que começou pequeno e tomou uma proporção em que grandes empresas também estão dispostas a nos ajudar e ajudar a nossa comunidade. Este é o nosso objetivo: fazer com que o nosso entorno cresça também.
Por conta de um vídeo nas redes sociais em que Borsa fala sobre o projeto, destacando a necessidade de atender à demanda de peças em tamanhos grandes, foi possível ampliar o número de voluntários, de doações e de abrigos que necessitam das roupas:
— Nossa operação cresceu. Estamos dando prioridade para produzir esses tamanhos que estão em falta nos abrigos, porque são difíceis de conseguir tanto em doação quanto em compra. E pensando na sustentabilidade, também estamos produzindo roupas infantis com os espaços que sobram dos encaixes dos moldes de tecidos.
Já na Unisinos, uma ação que começou nessa última semana está focada na confecção de mantas nos tamanhos solteiro, casal e pets. Há também uma mobilização online (confira no box da página 8) em que os interessados podem fazer uma doação em dinheiro que será revertida em cobertores para os 2 mil desabrigados assistidos na Unisinos São Leopoldo.
— Já arrecadamos em torno de 160 cobertores, e a campanha seguirá arrecadando. Estamos também cedendo o laboratório de costura para alunos e ex-alunos costurarem com suas equipes nas ações em que estão envolvidos – diz Juliana Bortholuzzi, professora e uma das coordenadoras do curso de Design de Moda.
Enquanto houver fôlego
Os bichinhos não ficam de fora dessa mobilização. Na Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, a professora Marina Seibert Cezar relata uma intensa mobilização para produzir colchonetes, mantas e guias para os pets, além de roupas íntimas, cobertinhas e ecobags que serão entregues para as famílias.
A produção atende às variadas necessidades dos abrigos e é distribuída conforme a urgência desses locais. A maior demanda é por roupas íntimas femininas plus size:
— Dá para ver no olhar delas a volta da dignidade, de receber uma roupa íntima nova. Só quem é mulher entende a importância disso. O que produzimos já divulgamos para o público saber o que tem disponível e retirar o quanto quiser. É importante a velocidade nestas horas – afirma Marina.
A demanda foi tão intensa que a coordenadora relata que não houve tempo para contabilizar quantas peças já foram produzidas, nem o número de pessoas que passaram pelo ateliê para auxiliar na confecção:
— Assim que começou toda essa tragédia, a gente não demorou para fazer alguma coisa. Começamos com os materiais que tínhamos, então vieram professores, estudantes e principalmente ex-alunos que já tinham marca, já estavam trabalhando na indústria, e pararam tudo para vir nos ajudar. É muito gratificante ver que conseguimos formar pessoas dispostas não só para o mercado, mas também cidadãos.
A docente ressalta que mesmo com a volta às aulas – visto que a universidade está com as atividades suspensas até o dia 18 de maio por conta dos efeitos da chuva – o grupo está se organizando para encaixar a ação solidária na rotina.
— Enquanto tiver material, fôlego e equipe, vamos continuar produzindo, até mesmo para as pessoas levarem para casa depois — destaca Marina.
Fazer acontecer
Na Serra, a Universidade de Caxias do Sul (UCS), em parceria com o Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem, Malharias, Vestuário, Calçados e Acessórios da Serra Gaúcha (Fitemavest), reuniu voluntários – entre professores, alunos e pessoas da comunidade – em uma campanha solidária para ajudar os afetados pelas enchentes.
A ação, encabeçada pelo coordenador do curso de Design de Moda, o professor Renan Isoton, e da designer de moda Gabriela Cunha, integrante do comitê de moda da Fitemavest, foca na produção de cobertores e roupas de cama. A iniciativa também conta com o apoio da empresa Brastema no processo de tecelagem dos cobertores de malha.
— Nosso grande mérito foi juntar pessoas que já estavam pensando nessa iniciativa e fazer isso acontecer. Pensamos que seria uma proporção bem menor, mas se tornou um grande negócio, com muita gente querendo ajudar. Conseguimos ótimos parceiros para otimizar os processos — destaca a designer Gabriela.
Com uma estimativa de já ter doado dois mil cobertores, o grupo de voluntários, que já atingiu a marca de cem pessoas, também está produzindo mantas para pets e, posteriormente, pretende confeccionar roupas plus size.
Com o volume de inscritos, a iniciativa conta ainda com o auxílio do ateliê da estilista Izabel Peteffi Basso para ter mais espaço para a mão de obra, além do campus da UCS. As escalas são organizadas de acordo com a disponibilidade de cada um dos participantes, com grupos de 10 a 15 pessoas por dia.
— Isso é muito positivo porque mostra como o pessoal é engajado e quer ajudar mesmo. Cada um contribui da forma que pode: seja costurando em casa, seja como transporte para levar as peças nos ateliês, quem vai até o campus auxiliar. É possível fazer muito quando todos acreditam na causa — salienta o professor.
No interior do Estado, outros lugares com curso de Design de Moda também se mobilizaram na confecção de peças para a população afetada pelas cheias. A Universidade de Passo Fundo (UPF), no Norte, já confeccionou mais de 700 lençóis, fronhas e cobertores, que serão entregues nas cidades mais atingidas. Os materiais foram doados pelo comércio do município.
Na Universidade Franciscana (UFN), de Santa Maria, na região Central, 20 pessoas, entre alunos e professores do curso, além de funcionários da UFN, estão envolvidos na produção de calcinhas, tops e cuecas. A ação também conta com outros 20 voluntários, entre costureiras e mão de obra solidária da comunidade santa-mariense.
Na universidade estão concentrados os trabalhos de corte da matéria-prima, recebida a partir de doações de empresas e dos cidadãos. Após essa etapa, os tecidos são encaminhados às costureiras, que irão dar andamento ao processo de montagem.
Como ajudar
As doações de tecidos e outros materiais, assim como interessados em se tornar voluntário, podem entrar em contato com cada projeto:
- UniRitter: pelo perfil no Instagram do projeto SOS Costura Solidária: @soscosturasolidaria
- Feevale: pela página do curso no Instagram @modafeevale
- Unisinos: campanha em parceria com a marca Lepin Enxovais no site: campanha.lepinenxovais.com.br. Mais ações estão disponíveis no perfil @modaunisinos
- Universidade de Passo Fundo (UFP): as doações podem ser entregues na própria instituição (BR 285, km 292,7, Bairro São José) na Rádio UPF ou no prédio B2, no Campus I.
- Universidade Franciscana (UFN): acesse a página do curso de Design de Moda da UFN no Instagram: @modaufrn.
- Universidade de Caxias do Sul (UCS): para ser voluntário, é preciso preencher um cadastro neste link: gzh.digital/ucsfitemavest; para doar tecidos: por meio do perfil no Instagram @gabriela.cunha; para doar via Pix (R$ 20 equivale a uma coberta): 44.407.442/0001.22.
- Senac: as doações de tecidos podem ser entregues diretamente nas escolas - Porto Alegre (Rua Coronel Genuíno, 130, Centro Histórico); Novo Hamburgo (Avenida das Nações Unidas, 3.760, Rio Branco); Farroupilha (Rua da República, 617, Centro); Passo Fundo (Av. Sete de Setembro, 1.045, Centro) e Santa Maria (Rua Professor Braga, 60, Centro).