É como um oásis na cidade, definem alguns professores. Percorrendo o longo corredor de árvores que liga a RS-453 ao Campus 8 da Universidade de Caxias do Sul (UCS), vai se revelando um terreno enorme, cercado de mata alta, e um prédio em formato de U que remete à arquitetura de outros tempos.
É esta estrutura que acolhe, desde 1996, o segundo curso de Moda criado no Brasil, uma formação que continua crescendo em número de alunos e se consolidou como uma referência no país. A partir de 2025, por decisão estratégica da reitoria da UCS, o prédio terá um novo dono, e os cursos que ali estão serão levados para o Campus Sede, marcando o início de um novo capítulo.
No dia 28 de novembro, a reportagem de Donna acompanhou o evento de despedida do Campus 8, que, além de Moda, também abriga os cursos de Artes, Design, Design de Interiores, Arquitetura, Música e Dança.
Para a consultora e pesquisadora de moda Bernardete Venzon, que foi professora de História da Moda por quase três décadas na UCS, fica a nostalgia por dar adeus ao local que ajudou a consolidar um curso pioneiro:
— Esse campus é a Cidade das Artes, ali o coração bate forte, tanto é que todo mundo que passou e passa por ali fala "Aqui tem um outro ar! Que ar é esse?". É uma magia que não sei explicar, um espaço legal para se estar, com muito estímulo à inspiração. Foi um tempo incrível, com uma história linda de integração entre áreas que tem que ser preservada.
Como começou
O curso de Moda da UCS nasceu em 1992, muito ligado à demanda de uma região com vocação para malharia e confecção – a serra gaúcha –, mas que carecia de uma formação robusta, técnica e intelectual, para quem trabalhava nas fábricas do ramo. Antes deste curso, o país contava apenas com a formação superior em Moda da faculdade Santa Marcelina, em São Paulo.
O surgimento do aprendizado no Estado foi pelas mãos das professoras Guadalupe Bolzani e Luiza Golin de Martini, a partir de um ateliê livre do curso de artes, que funcionava no Bloco B do Campus Sede. Este ateliê passou a ser muito procurado nos anos 1990 por causa da popularização da moda brasileira à época, assunto que era inclusive tema de novelas.
— A UCS montou um curso e fez parcerias com o Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e Malharias (Fitemasul), o que foi um grande empurrão, pois eles chancelaram "Precisamos de formação para nossos profissionais", tanto é que a primeira turma do curso de moda era composta, em sua maioria, por filhas de empresários do ramo — relembra Sergio Lopes, artista e professor da universidade.
Embora pioneiro, o curso vingou, e o espaço na sede ficou pequeno. A UCS, então, adquiriu, em 1995, um edifício construído no fim da década de 1950 para abrigar o extinto Colégio Santa Francisca Xavier Cabrini, instituição comandada pelas Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus.
Foi um tempo incrível, com uma história linda de integração entre áreas que tem que ser preservada.
BERNARDETE VENZON
Consultora e pesquisadora de Moda.
A escola era um semi-internato feminino e funcionou de 1961 até o início dos anos 1970, quando a área foi colocada à venda. A UCS chegou a cogitar a compra, mas quem fechou negócio em 1974 foi a Indústria Cabrini, empresa de estruturas metálicas.
Nos dias de hoje, o prédio ainda carrega resquícios dos antigos donos: nas paredes que contornam o pátio, ficaram as marcas em zigue-zague de um antigo telhado industrial. E não há como negar ele que já foi uma escola de freiras ao ver os banheiros de pias baixas, as janelas altas e compridas e a capela anexa, com vitrais coloridos.
Há também 50 quartinhos, com cama, pia e armário, onde dormiam as irmãs e as alunas vindas do Interior – no presente, professores de fora de Caxias também usavam os quartos eventualmente. O passado religioso do prédio nunca foi esquecido, e as conversas dos corredores ajudaram a propagar uma lenda envolvendo uma freira que teria morrido, sido enterrada no Campus 8 e ainda vaga por ali.
— A lenda existe faz muitos anos e todo aluno é apresentado a ela. Gera muita diversão, então a freira está sempre presente em eventos comemorativos, de final de ano, nas falas, nos espaços. Às vezes, montamos uma freira e a colocamos em alguns pontos, justamente para dar vida a essa lenda — explica Renan Isoton, coordenador do curso de moda.
Formação pioneira
Na visão de Bernardete Venzon, o curso sempre foi direcionado para a criação de coleções, prezando pela parte prática, mas sem deixar de trazer subsídio teórico para dar consistência na composição de repertório. Para mostrá-las ao mundo, sediou uma série de concursos de design de moda e produções com materiais alternativos:
— Ao longo dos anos, foram feitos concursos que premiavam os alunos junto com parcerias com empresas têxteis, como a Cootegal e a Sultextil, que chegavam a premiar com viagens para Paris, para uma imersão de moda.
O curso foi importante pois abriu as portas da moda para mim e para a região, porque naquela época ninguém imaginava que era possível estudar sobre moda
RAFAELA TOMAZZONI
Estilista.
Grandes estilistas do país como Ronaldo Fraga, Lino Villaventura e Walter Rodrigues já prestigiaram o Campus 8 e atuaram como jurados dos concursos. Hoje, existem ex-alunos que atuam em diversas partes do Brasil e do mundo, como França, Itália e Inglaterra.
Um exemplo é o designer João Maraschim, de 33 anos, que se formou em 2011 e atualmente coordena uma marca que leva o seu nome em Londres. No ano passado, ele foi a primeira grife brasileira a ser indicada ao prêmio de moda internacional do conglomerado de luxo LVMH.
— Tenho boas memórias de momentos e trocas que tive com colegas e professores. O relacionamento foi sempre frutífero e consegui desenvolver uma visão de moda que fosse minha, para que pudesse depois levar isso para qualquer lugar. Depois disso, no Exterior, trabalhei com Gucci, Alexander McQueen — conta João Maraschin.
A formanda da primeira turma do curso de moda da UCS Rafaela Tomazzoni, de 50 anos, também é fundadora de uma marca do ramo têxtil que leva o seu nome. Ela destaca o pioneirismo dessa formação no Campus 8:
— As coisas eram diferentes, não tínhamos todos os recursos que temos hoje, principalmente de informação e acesso. Revistas com imagens de desfiles que tinham acontecido na Europa chegavam seis meses depois do evento. O curso foi importante pois abriu as portas da moda para mim e para a região, porque naquela época ninguém imaginava que era possível estudar sobre moda. Foi revolucionário e o pontapé inicial da minha carreira.
Novos donos
Um dos possíveis destinos do Campus 8 será tornar-se abrigo de uma unidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), cujos principais campus ficam em Porto Alegre.
Em nota, a UFRGS esclarece que esta aquisição está associada à abertura de um Campus da UFRGS em Caxias do Sul, uma ampliação que ainda está sendo estudada:
“Uma comissão especial, composta por servidores e alunos da UFRGS, está analisando os aspectos acadêmicos dessa expansão, assim como a definição dos cursos a serem oferecidos, sempre em diálogo com a comunidade local. A definição do local de instalação do novo Campus será realizada em um segundo momento, e a aquisição da área da UCS está entre as possibilidades”.
Se o negócio não se confirmar, a esperança dos professores da UCS ouvidos nessa reportagem é de que o local não perca a sua vocação de ensino e ampliação de conhecimento. De qualquer forma, como o prédio foi tombado pelo município em 2012 por conta de suas características modernistas e de períodos anteriores ao modernismo, sua estrutura tem que ser preservada:
— Sinceramente espero que continue sendo uma escola, seja da UFRGS ou de quem for. Quanto a nós, mesmo que em outro lócus que não tem toda essa qualidade arquitetônica e mágica, acho que a união dos cursos vai continuar sendo a mesma que temos mantido esses anos todos — projeta Doris Baldissera, coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo.
Oportunidade
A reportagem visitou o local para onde os cursos do Campus 8 estão se mudando. Localizado na Cidade Universitária, o prédio de quatro pavimentos é conhecido como Bloco J e costumava ser a casa das graduações de Comércio Exterior, Ciências Contábeis e Sociais.
A estrutura está sendo reformada e perdendo algumas paredes para conseguir abrigar os amplos ateliês que os cursos criativos demandam. Terá um novo nome, em homenagem ao já saudoso campus: será chamado de C8, garante Doris, autora desse pedido à chefia da universidade.
No novo lar, o primeiro andar será ocupado pelas artes. Já o segundo piso será dos cursos de Moda, Design e Design de Interiores, abrigando também ateliês de costura, malharia e a tecidoteca; o terceiro piso será um espaço para as aulas teóricas de todos os cursos da unidade e, o quarto, ficará reservado para as salas administrativas e o curso de Arquitetura. Uma das discussões é justamente como dar a cara para o novo espaço, detalha Doris:
— No Campus 8, por estarmos distantes de tudo, num lugar com um pôr do sol maravilhoso, vegetação e com aquela calma, propiciou que criássemos uma identidade nossa. É um lugar inspirador. Todos estão se perguntando como será a nossa vida na Cidade Universitária, mas vamos nos apropriar e fazer algumas intervenções para ter a nossa cara.
Se por um lado se perde em magia e inspiração, se ganha em praticidade e modernidade. Alguns dos comentários dos alunos mencionam que o Campus 8 tem difícil acessibilidade para ônibus – especialmente após a pandemia –, e carece de manutenção e ar-condicionado.
— É claro que o Campus 8 tem todo um charme para quem curte arte e história, é um ambiente propício, mas entendemos que são novos tempos e temos muito a crescer no novo espaço também. Os cursos da área terão mais visibilidade e está na hora da gente mostrar que a economia criativa é importante e gera resultados significativos na sociedade – destaca Renan Isoton.
A mudança de local está em curso, e o primeiro semestre letivo de 2025 já será iniciado no novo espaço.