"Que bom ouvir esse sotaque”, disse Bárbara Paz ao atender à ligação da reportagem de Donna. Gaúcha de Campo Bom, a atriz e cineasta de 47 anos, que vive em São Paulo, há alguns anos deixou de lado o jeito de falar típico do Rio Grande do Sul. Mas não por completo.
— Quando a gente desligar, vou começar a falar tudo assim de novo — brincou.
Foi com esse bom humor que a artista abriu o jogo sobre a fase atual de sua vida, marcada pelo reencontro consigo durante a pandemia, pela proximidade dos 50 anos, por novos projetos e pelo retorno às novelas – além de, como fez questão de destacar, pela solteirice. Depois de experimentar com sucesso a direção de seu primeiro longa-metragem, Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou, Bárbara passou pelo período de isolamento social imersa no trabalho. Aprofundou-se na criação de videoarte, dirigiu um filme, criou um projeto sobre solidão na pandemia, dirigiu um show e fez um diário visual de seu isolamento. E adotou um cachorro.
Agora, está de volta à TV como Úrsula, vilã da novela das seis da Globo, Além da Ilusão. A personagem, contou, carrega dualidades complexas: ao mesmo tempo em que é uma mãe solo na década de 1930 – ou seja, uma mulher renegada pela sociedade –, é extremamente machista. De igual forma, é “uma vilã cheia de vilania”, mas já passou por poucas e boas na vida, o que por vezes poderá vir a despertar a compaixão dos telespectadores.
— Ela é uma pessoa misteriosa e com muita ganância. Não é só uma vilã, porque é um ser humano tentando conquistar o que quer. Mas a Úrsula é meio Cruella, meio Malévola, porque faz a maldade por também já terem feito muito com ela — explica.
Nesse meio-tempo, também viu seu nome virar assunto em sites e redes sociais. “Bárbara Paz revela ser pessoa não binária”, anunciavam as chamadas, após a artista falar sobre o tema no podcast Almasculina.
— Sou inquieta. Uma mulher, um homem, não binária. Descobri há pouco tempo. Um amigo falou que eu era, e acreditei — disse na ocasião.
A repercussão deixou-a chocada. Isso porque, conforme a atriz, sua fala veio de forma espontânea, sem peso de “revelação”. Ela, aliás, à época, sequer havia investigado a fundo o conceito de não-binariedade – pessoas que não se identificam com os gêneros masculino ou feminino –, apenas entendeu que a terminologia fazia sentido para si. E não volta atrás no que disse, mas acredita que esse nem deveria ser um assunto:
— O meu “me enxergar não binária” não pesa em nada. Tem coisas muito mais sérias para falarmos. Me sinto masculina e feminina, mas não vou transicionar, adoro ser quem sou. Agora, na questão de gênero, existem, sim, pessoas que precisam ser ouvidas.
A seguir, Bárbara detalha essa questão, mas, sobretudo, as tantas outras que atravessam seu atual momento de vida. Também detalha seus novos projetos de trabalho, como um filme sobre a sua história.
Você estava afastada das novelas e experimentou com sucesso a direção. Como está sendo voltar a atuar na televisão?
Fui mais para o lado da direção e produção e foi incrível. Está sendo, porque não interrompi isso, estou com vários projetos e agora abri um espaço para voltar a atuar. Sempre falo que ser atriz é descansar de mim. E agora entro um pouco no lúdico, fazendo uma novela das seis, uma novela de época, que eu nunca havia feito. Fiz muita (produção de) época no teatro, mas na TV não. Então, está sendo um deleite voltar.
Imagino que voltar tenha um gostinho diferente depois da pandemia, não é?
Sim! Estou há quatro anos afastada, sendo que dois anos foram de pandemia. Então parece que foi muito mais tempo. Quando a gente faz novela, a gente vive como uma família, passa muito tempo juntos, tanto os atores quanto a equipe. E de repente vem a pandemia e abre essa cratera entre nós. Então agora está todo mundo feliz. Muito feliz porque, realmente, a gente sentiu falta.
Além de integrar o elenco de Além da Ilusão, que tem o amor como tema central, você dirigiu um documentário que é uma carta de amor ao seu ex-marido, ao cinema... O que esse sentimento representa na sua vida e como é representá-lo na ficção?
Meu documentário foi um filme realmente sobre amor. Amor ao cinema, amor a um homem, amor ao amor. Esse é o combustível. Dando amor, recebendo amor e sendo seres humanos melhores a cada dia. É só essa junção de amor que te faz evoluir e enxergar outros mundos. E o documentário foi uma revolução na minha vida. No primeiro documentário, você tem medo de errar, de as pessoas não entenderem, mas foi tudo uma surpresa maravilhosa, porque deu certo. Não só por todos os prêmios que recebi, mas por conseguir tocar o coração das pessoas.
Você também está se aproximando dos 50 anos.
Falta ainda. Não me envelhece, pelo amor de Deus (risos).
Sei que ainda falta, mas é um marco que vem se aproximando. Como é a sua relação com o envelhecimento? Como você se sente em relação a esses marcos que a vida vai trazendo?
Nunca pensei no envelhecimento, porque sou uma pessoa jovem de espírito. Sempre fui natureba, me alimento bem, faço ginástica, ioga... Mas acho que, quando a gente passa dos 45, começa a perceber umas mudanças no corpo, na pele, vê que a endorfina vai diminuindo. É um processo muito mais duro para a mulher do que para o homem, obviamente, mas hoje em dia são outros tempos, nós não somos mais as tias. Mas é isso, a gente vai melhorando. E também tem a questão de eu estar solteira há algum tempo. Além do envelhecimento, é essa fase em que meu coração está vazio. Agora preciso preenchê-lo.
Você está à procura de preencher?
É. Ficar sozinha não é minha meta na vida. Gosto de viver a dois. Mas também não estou com pressa, não tenho urgência.
Como você vivenciou o período de isolamento na pandemia?
No começo, fiquei bem sozinha, isolada no meu apartamento em São Paulo. Depois, fui para um retiro na Bahia. Todos esses momentos se converteram em criação. Comecei a entrar no universo online e criar coisas autorais. Não parei de trabalhar, não parei de criar. Porque, senão, acho que ia deprimir. Utilizei a meu favor esse momento de isolamento.
Você, então, encontrou no trabalho o braço forte para se apoiar nesses dois anos...
Isso, para ser a minha companhia. Eu me busquei e me encontrei de novo. Quem estava sozinho sabe como é isso. E também teve a questão de que meu documentário viajou o mundo inteiro, então estive online em vários festivais internacionais, ganhei vários prêmios. Foi muito interessante ficar virtualmente em diferentes países, estar lá sem estar. Aconteceram muitas surpresas também.
Você chegou a viajar para o Rio Grande do Sul nesse período?
Não. A última vez que fui ao Rio Grande do Sul foi antes da pandemia. Fui no aniversário da minha sobrinha-neta. Tenho uma sobrinha-neta (risos).
Está com planos de vir?
Estou querendo ir para o Festival de Cinema de Gramado. (O evento completa) 50 anos, temos que prestigiar.
Recentemente, você falou sobre se reconhecer como uma pessoa não binária. Como foi esse processo?
Quando a gente passa dos 45, começa a perceber umas mudanças no corpo, na pele, endorfina diminuindo. É um processo muito mais duro para a mulher do que para o homem, obviamente, mas hoje em dia são outros tempos, nós não somos mais as tias.
BÁRBARA PAZ
atriz, cineasta e produtora
Estava no podcast de um amigo e, antes (de gravar), tinha conversado com outro amigo sobre o masculino ser muito presente em mim. Sempre fui um guri quando criança, mas era uma menina. Sempre teve essa dicotomia, para mim, a junção dessas duas coisas. E aí, conversando com um amigo, ele falou: “Ah, então você deve ser não binária”. Depois, falei sobre isso no podcast sem pretensão, sem me aprofundar que as pessoas que são não binárias sofrem com isso, que é algo muito sério. Já eu nunca tive problema com isso. Tenho um lado masculino muito forte dentro de mim, mas também tenho uma parte que é muito feminina. Isso me gerava uma fragilidade em alguns momentos, de que eu não gostava, mas não tenho nenhuma vergonha, nenhum problema.
Você descobriu nessa palavra algo que naquele momento fazia sentido para o que sentia...
Exatamente isso. Foi espontaneamente que falei sobre ser uma pessoa masculina e feminina, assim como a música de Pepeu Gomes, mas sem nenhuma dor. Falei sem ter esse peso de revelação, nunca revelei nada. Foi uma constatação em uma conversa entre amigos em um podcast, que acabou viralizando.
Quais são os seus próximos projetos, além da novela?
As gravações da novela vão até julho. No segundo semestre, já começo a trabalhar em projetos de direção e desenvolvimento de roteiro. Estou com alguns projetos-embriões, não sei ainda o que vai sair primeiro, mas vou focar mais na direção. Um deles é um filme sobre a minha história. Quero dirigir a história da minha vida. Vou fazer um filme bonito, forte, bem real. Acho que a minha história vai dar uma película que vai interessar. Talvez no final de 2022 eu também volte ao teatro, que é algo que não vou abandonar, algo que caminha em paralelo comigo.