Terapia “na veia”: essa foi a receita de Drica Moraes para lidar com os desafios que a pandemia impôs. No período de descobertas quase que forçadas – como se virar melhor na cozinha e fazer as vezes de professora para o filho Mateus, 12 anos, no ensino remoto –, a atriz fez questão de ter tempo para estar consigo mesma. Seja nos momentos ao piano, paixão antiga que virou um jeito para desanuviar nos dias em casa. Ou nos longos papos com Mateus, que esteve ao lado dela durante o período em que enfrentou a covid-19.
Aprender a ter consciência de seus limites, porém, não foi tarefa fácil. Ao ver o desabafo da ginasta norte-americana Simone Biles, que desistiu de algumas provas nas Olimpíadas para preservar sua saúde mental e levantou o debate sobre o tema nas redes sociais, Drica recordou de sua saída repentina do elenco de Império, em 2014. À época, a rotina de gravações pesou, e a artista teve problemas de saúde, além de ficar sem voz. Era uma das principais vilãs de Drica, e o personagem de maior destaque desde que a atriz havia sido diagnosticada com leucemia mieloide – superada em 2011, após um transplante de medula.
— Fiz essa comparação porque, mesmo estando em um padrão de carga horária ok, houve um excesso. Às vezes, chegava a (gravar por) 60h semanais, e isso é devastador. Naquele momento, minha saída foi a medida mais certeira — contou.
Aos poucos, a artista aprendeu a encarar o que é prioridade. Tanto é que, perguntada sobre a chegada aos 50, responde, sem titubear:
— Nos meus 39 foi quando fiquei doente. Foi tão terrível lá atrás que os 50 tirei de letra.
Na TV, Drica aparece em três diferentes produções. Na quinta-feira (12), a quarta temporada do drama médico Sob Pressão estreou na TV Globo, com a atriz no papel da médica Vera. A partir do dia 24, o encontro será com a Carolina de Verdades Secretas, que será reprisada enquanto a continuação não vai ao ar. Quer mais? Nesta segunda, também será possível rever a Madalena de Era Uma Vez (1998), que entra para o Globoplay. Confira nosso papo com a atriz.
Como foi a sua rotina na pandemia? Você foi do time que descobriu algum hobby?
Terapia na veia, sempre. Fiz um tempo presencial, depois voltou online. Muitas questões caseiras também, sou ótima arrumadeira de casa, organizadora, lavadeira e passadeira de roupa, mas nunca fui boa cozinheira. Tive que, realmente, improvisar e estudar um pouco, já que fiquei muito sozinha com o meu filho. Passei algum tempo, bem no começo (do período de distanciamento social), com duas grandes amigas que têm sítios. Meu filho teve dificuldade com o ensino remoto, então comecei a estudar a matéria antes dele para poder auxiliá-lo nas tarefas sem muita ansiedade (risos). Podendo relembrar as coisas que não lembrava, descobrindo coisas que mudaram, como o português, a história, a geografia. Foi um ano de aprendizado didático. E voltei para o piano, mas acabei abandonando em razão desse excesso de outras coisas a fazer com relação à vida prática e à minha vida de professora (risos). Coitados desses alunos, formados por nós!
Você teve covid no final de 2020. Como foi encarar a doença?
Tinha alugado uma casa na praia. Seria o primeiro encontro do meu filho com os primos em um ano. Antes, resolvi testar todos para podermos nos encontrar com segurança, e eu positivei. Primeiro, fiquei frustrada (risos)! Todo o empenho de organizar tudo. Cancelei a viagem e me enfurnei em um quarto. Tive medo nos primeiros dias, mas depois percebi que realmente estava assintomática. Então, fui me tranquilizando. Mateus me ajudou. Ficou no mundo dos sonhos, né? Todo dia pedia comida por delivery e colocava na porta do meu quarto, pegava a roupa suja usando máscara e luva, colocava para lavar. Para ele, foi uma espécie de vingança: comia e dormia a hora que queria, me botou na jaula.
O que mudou em ser mãe de um adolescente?
Ele está ganhando autonomia, espaço no mundo. Neste ano, começou a ir sozinho para a escola. Quando me vacinei, decidi que iria mandá-lo, porque essa coisa do ensino (remoto) estava ruim. Tem isso de ganhar a rua, aprender a andar na rua. Ele precisa ter consciência de que pode ser abordado por questões, infelizmente, relacionadas à cor dele. Há todo um ensinamento para ele ter segurança e saber lidar com situações difíceis que estão saindo do meu controle porque ele começa a ganhar o mundo. Dá tensão, mas a gente tem que acreditar e confiar, principalmente neles, e na capacidade de eles resolverem os problemas e compreenderem as adversidades, e seguir apesar delas.
Como você conversa sobre questões como o racismo com o seu filho? Recentemente, você falou publicamente sobre sua opção por passar a ser atendida por médicos negros, numa busca por mais representatividade.
Esse é um exercício que todos nós deveríamos fazer, porque a desigualdade é para todos. O problema do racismo não é para os negros, mas para todos arregaçarem as mangas e tentarem reparar essas desigualdades históricas. Quando percebi que tinha poucas pessoas negras no meu entorno que ocupassem cargos de poder, me questionei. Está errado, preciso ir atrás dessas pessoas e conhecê-las. O acesso das pessoas negras ao mercado é, também, atravancado e estigmatizado. Comecei a pesquisar, procurar pessoas, contatos... Dentista, terapeuta, dermatologista, e professores de matemática e história para dar apoio ao Mateus. Temos um olhar viciado e estigmatizado. Achamos que o negro é músico, sambista, capoeirista, e não é. Temos que ir atrás das pessoas para ampliar nosso olhar sobre determinadas questões.
Ao comentar a decisão da ginasta americana Simone Biles de desistir de algumas provas das Olimpíadas, você comparou ao episódio em que você saiu do elenco de Império. Como foi seu embate interno ao deixar uma personagem tão marcante?
Essa vitória do capitalismo selvagem no mundo do trabalho, na nossa civilização, acaba gerando um excesso de carga horária, uma alta exigência emocional, uma busca pela perfeição. É muito danoso o que vem junto com esse espírito, essa coisa meio imposta de que ou você é o máximo ou não é ninguém. Cresci com essa ideia de que o bom é inimigo do ótimo. As pessoas podem ser o que elas são e ficar numa boa com isso. Precisamos voltar a ter uma escuta para os nossos limites, para as nossas potências. Mas, muitas vezes, isso não é possível porque temos, no externo, uma cobrança que é desumana. Fiz essa comparação porque, mesmo estando em um padrão de carga horária ok, houve um excesso. Às vezes, chegava a (gravar a novela por) 60h semanais, e não por uma semana, mas (ao longo de) um mês, e isso é devastador também. Naquele momento, minha saída foi a medida mais certeira. Por isso, me identifiquei com ela. Dizer “não” às vezes parece um erro, um pecado capital, por desapontar as expectativas. Mas pode ser interessante para o nosso crescimento pessoal por nos colocar em primeiro lugar, até porque ninguém vai fazer isso por nós. Se não nos priorizarmos, no sentido dos limites, ninguém vai fazer esse papel por nós.
Você mantém uma amizade com o eletricista Adilson Rodrigues, seu doador de medula, a quem você chama de “sétimo irmão”.
Quando foi permitido nos conhecermos, tanto eu quanto ele assinamos um termo dando nosso aval. A partir dali, nasceu uma amizade. (Liguei para ele e disse) Dá licença, quero ir para aí amanhã, se você não estiver trabalhando. A gente se tornou amigo mesmo. Quando a mãe dele faleceu, há dois anos, fui imediatamente ao velório. Estamos sempre nos falando. Não sei como são essas questões (com outros pacientes transplantados), mas tive a sorte de encontrar uma pessoa com valores muito parecidos com os meus. É uma relação que passa pura e simplesmente pelo afeto e pela humanidade que sentimos um pelo outro e pela família do outro. E tem a cerveja gelada que a gente toma junto, que é muito bom! (risos)
Você acaba de completar 52 anos. Como foi a chegada aos 50?
Nos meus 39 foi quando fiquei doente. Foi tão terrível lá atrás que os 50 tirei de letra. Claro que o envelhecimento é sempre uma surpresa. Temos de nos cuidar mais porque queremos ter uma velhice melhor, estar com os músculos bons para não levar um tombo no banheiro, então a gente malha, caminha, para estar disposta e conseguir levar a vida que a tinha o máximo possível. Na questão da aparência, é dolorido, não é um processo fácil, mas não costumo fazer interferências violentas porque acho que é um caminho sem volta. A pessoa vai perdendo a noção dessa coisa bonita que também é o tempo. Isso não quer dizer que eu não goste de estar bem na foto, de estar bem-vestida. A minha vaidade continua, apesar da idade, mas de uma maneira tranquila, na qual não fico com a pior parte.