Eliane Giardini define a relação com as filhas como “a coisa mais fácil do mundo”. Há raros percalços, muito acolhimento, parceria e afinidade de sobra. Mas esse relacionamento íntimo e leve construído junto de Mariana, 41 anos, e Juliana, 44, é bem diferente daquele que a atriz leva para as telas na segunda fase de Amor de Mãe. Nos novos episódios da novela das nove da Globo – que começaram a ser exibidos na última segunda-feira (15) após a paralisação na pandemia –, Eliane interpreta Vera, a mãe de Vitória (Taís Araujo), Miranda (Debora Lamm) e Natália (Clarissa Kiste). A história da família revela laços firmes, mas também muito ressentimento.
— Não deixa de ser amor, mas não é o padrão. E é isso que a novela tem de bonito, né? Vários tipos de amor, e todos cabem, são válidos — opina a atriz, que conversou com Donna por telefone.
Parte das gravações foi realizada na própria casa de Eliane, por segurança, e quem ajudou na tarefa foi Mariana, a filha da vida real – ela é assistente de direção da novela. E a emoção dessa parceria foi ainda maior por outro motivo: Mariana está grávida de Joaquim após perder o primeiro filho, Antonio, com um ano e sete meses, devido à leucemia.
— Foi uma experiência muito dolorosa, que não se compara com nada. Agora, estou iniciando outra história – explica ela, que foi casada com Paulo Betti, pai de suas filhas.
Com mais de 50 anos de carreira, Eliane é reconhecida por personagens marcantes, como Muricy e Anastácia, que voltaram às telas durante a pandemia nas reprises de Avenida Brasil (2012) e Êta Mundo Bom (2016). Também recorda com carinho de Dona Caetana, de A Casa das Sete Mulheres (2003), série com trama baseada na história do Rio Grande do Sul. Hoje, aos 68 anos, segue emendando uma produção atrás da outra – já está prevista no elenco de uma nova novela e deve rodar um filme em Portugal até o fim do ano. E ela defende que há cada vez mais espaço para as atrizes maduras:
— A mulher mais velha se tornava invisível, sem mercado de trabalho e, graças a Deus, não é o momento que estamos vivendo agora.
A seguir, Eliane abre o jogo sobre a relação com a autoimagem, a vida de mãe e de avó, e ainda revela como construiu uma relação de amizade com o ex-marido, que virou parceria também na ficção.
Amor de Mãe mergulha na maternidade, e você gravou parte das cenas em casa com a ajuda da sua filha Mariana.
Ela veio para a minha casa e ajudou em tudo. A dirigir, montar cenários, roupas. É surreal, porque era uma cena para uma novela de horário nobre, é muita responsabilidade. A Mariana me deu a fala das filhas. Foi emocionante, já que eu não tinha as atrizes perto, mas tinha a minha filha real. Isso deu gás para as cenas. Atribuo a estar contracenando com a Mariana.
A novela foca na maternidade real. Isso ajuda a criar ainda mais identificação com o público?
Há muito tempo deixamos de ver essas questões como de comercial de margarina, não há como retroceder. Novelas e autores estão antenados a essas questões, incluindo outras pautas, como o antirracismo. Há uma vontade de abrir mais espaço para negros, histórias que falem de racismo, machismo estrutural, coisas que temos que lutar contra. Precisamos localizar isso dentro da gente, não é só apontar o dedo para o outro. As questões LGBT+, de abuso contra a mulher, comportamentos abusivos, há muito a falar sobre isso, e escuta também.
Como você define o seu amor de mãe por suas filhas?
Minha relação é a coisa mais fácil do mundo, não há nada mais fácil do que ser mãe delas. Sempre foi assim. Tirando, claro, os seis primeiros meses, que são de arrancar os cabelos. As fantasias do bebê lindo e maravilhoso caem, você fica louca, não come, não dorme, dói para dar de mamar, a criança chora e você não sabe o que é. Fora isso, é uma relação que flui com facilidade. Temos uma afinidade gigantesca, é um privilégio mesmo. Adoramos a companhia uma das outras, as melhores viagens que fizemos foram aquelas em que estávamos juntas. Elas têm prazer de estar comigo e com a família, nossa relação é forte.
O maternar que vemos hoje é o mesmo que você experimentou há mais de 40 anos? Ou ser mãe no século 21 é diferente?
A relação mãe e filho segue a mesma, é um amor enorme, não tem comparação. Agora, no mundo, mudou tudo. Minha filha está grávida e estávamos conversando sobre como ela está se organizando. Minha mãe ouvia a conversa. Ela tem 90 anos, e tinha 19 quando nasceu a minha irmã, 20 quando eu nasci, e 22 quando veio o meu irmão. Não tinha empregada, babá, máquina de lavar roupa. Ela disse: “Ouço vocês falarem e parece que sou, sei lá, do século 15”. E não é exagero, porque mudou demais mesmo. E o comportamento dos homens é diferente hoje, há uma participação gigantesca do pai, meio a meio mesmo, cuidado.
Como você vê o papel de avó?
É um amor diferente. Com o Antonio, foi a coisa mais triste que passei na vida (o primeiro neto de Eliane faleceu devido à leucemia). Foi uma experiência muito dolorosa, que não se compara com nada. Com essa nova gravidez da Mariana, estou iniciando outra história. Quero ser superparticipativa na vida dos meus netos, é uma das melhores coisas da vida. O tempo que tivemos com o Antonio quando estava bem era uma festa. Bebê é uma delícia, traz uma alegria, recomeça a história, cria elos. Além disso, é bonito ver a filha se tornar mãe. E a Mari é uma mãe extremamente dedicada, muito preocupada com tudo. Cada geração procura fazer o que faltou na sua, e acho lindo de assistir. É um desdobramento bonito.
O distanciamento social tem sido desafiador para você? O que fez para viver de forma mais leve?
Sempre fui caseira. Para mim, tirando o pesadelo das mortes e da doença, é quase uma rotina normal de quando não estou trabalhando. De fazer ginástica em casa, nadar, ler, assistir séries. Nesse aspecto, não sinto tanto ter que ficar em casa. O problema é o pesadelo da doença, não poder sair e abraçar as pessoas.
Como lidou com a saudade?
Foi amenizada porque minha mãe veio morar comigo. A coisa ficou urgente, não poderíamos nos ver. Resolvemos que era melhor ela vir, e foi uma maravilha. E, claro, tem grupo de WhatsApp, videochamada, tudo isso aproxima muito da família e dos amigos. Uma chamada de vídeo faz a gente não se sentir tão distante, vemos a pessoa ali, em tempo real, na casa dela.
Em mais de 50 anos de carreira, você já contracenou com centenas de artistas. Há laços criados em cena que seguiram fortes?
Normalmente, fazemos amizades duradouras com quem temos afinidade. Por exemplo, tenho um grupo do Dois Irmãos (série de 2017) que nos falamos até hoje. Tivemos muita convivência e havia parceiros antigos ali, como o (Antonio) Fagundes, a própria Juliana (Paes). É interessante, ainda mais neste momento que queremos saber notícias um do outro. Esses dias, a Eva Wilma me ligou. Queria saber como eu estava, se estava me cuidando direitinho (risos). São famílias que vamos fazendo ao longo do tempo. E é uma relação louca porque, às vezes, já fomos mãe, irmã, prima daquela mesma pessoa na ficção. Criamos vínculos, não tem nem como não.
Nas redes sociais, você faz questão de incentivar a vacinação. Faz parte do seu papel usar a visibilidade para abraçar causas?
Nem faço tanto quanto deveria, não sou muito de redes sociais. Não vejo por hábito, além de ter muito ódio ali. Às vezes, você faz uma postagem e recebe uma rajada de ódio que é muito difícil. Tem pessoas que são mais cascudas e não ligam muito, mas eu ligo. Fico arrasada se recebo uma grosseria. Por isso, entro menos no campo político e mais no humanista, sem ser partidária. Traz uma blindagem. São momentos difíceis, e são tantas as questões urgentes que precisam de apoio. Não sou uma ativista de rede, me considero uma ativista na vida.
Você tem 68 anos e é reconhecida como ícone de beleza desde a juventude. Como avalia sua relação com a autoimagem na maturidade?
Sinto uma grande liberdade ao imaginar que estou envelhecendo. É uma liberdade de ser um pouco mais próxima do que sou na realidade. Até o audiovisual está acompanhando essa tendência. Hoje, já se procura menos por atrizes plastificadas, totalmente descaracterizadas, do que uma pessoa que está envelhecendo normalmente. Não me senti desenquadrada pelo fato de estar mais velha, o que era um pesadelo até pouco tempo atrás. A mulher mais velha se tornava invisível, sem mercado de trabalho e, graças a Deus, não é o momento que estamos vivendo agora. Na próxima novela que vou fazer (Olho por Olho), os quatro personagens, que são Tony Ramos, Gloria Pires, eu e a Lilia Cabral, estão no núcleo principal, todos mais maduros. Minha personagem tem uma vida afetiva, apesar da idade, por volta de 60 anos. Os tempos são outros. Claro, precisamos nos atualizar. Temos que atuar no tempo em que vivemos para não ser ultrapassada pelo próprio tempo. Isso é mais importante do que fazer plástica.
Você foi par romântico de seu ex-marido, Paulo Betti, mais de uma vez na ficção. Como define a relação de vocês?
É uma relação que tem a ver com os tempos modernos (risos). Gente trabalhada, que faz análise e não leva mágoas ou ressentimentos para o resto da vida. A separação (em 1997) foi uma das coisas mais saudáveis que fizemos pela gente. Passado um ou dois anos, em que ainda ficamos frágeis e vulneráveis, começamos a nos aproximar de novo, mas de outro lugar, de outra forma. Está cada vez melhor, somos até vizinhos. É uma relação ótima, produtiva. Não estava dando certo a questão homem e mulher, mas a questão humana sempre foi ótima. É tranquilo, temos filhas, vamos ter netos juntos. É ótimo que seja assim.
Você participou de produções marcantes por aqui, como A Casa das Sete Mulheres.
A gravação foi intensa. Me apaixonei por São José dos Ausentes, as paisagens, era lindo, fiquei louca. Ficamos mais de 40 dias gravando em Pelotas, em Porto Alegre. Sempre gostei do Sul, recebi um carinho tão grande que considero uma relação boa e próxima com os gaúchos.