Na primeira Olimpíada adiada da história, um movimento protagonizado pela incomparável Simone Biles fora do tablado fez o mundo parar esta semana. A atleta desistiu de disputar a competição mais nobre do esporte, e em que ela é imbatível. Biles dividiu com o mundo suas dores relacionadas ao seu estado de saúde mental. Houve opinião para tudo quanto foi lado.
E eu, assim como muitos que já se viram às voltas com transtornos revisitei o dia em que também experimentei a angústia de não querer continuar. E voltei a esse texto que escrevi para Zero Hora, de março de 2019.
Naquela ocasião, enquanto boa parte da população gaúcha empurrava as malas para dentro do carro distante poucas horas do feriado mais aguardado do Brasil, o Carnaval, eu também tentava ajeitar as coisas. Avisei à família que não iria para a praia, algo que quem me conhece sabe que amo fazer. Eu só queria ficar sozinha. Não queria continuar.
Saí de casa às 7h35min daquela sexta-feira, véspera do feriadão, ensolarada. Entrei no carro. Cabelos molhados e nenhuma nuvem no céu. Na minha cabeça, porém, só elas. Nuvens. Escuras e cada vez mais carregadas. Ao chegar no destino, empurrei a porta de vidro com a mão direita. Faltavam alguns minutos para as 8h. O consultório ainda não estava aberto.
Respira. Já, já, a moça vem abrir.
Como escrevi certa vez, é difícil explicar para a maioria das pessoas como alguém que tem 31 anos, um emprego bacana e uma família feliz sofre com transtornos de pânico e de ansiedade. A maioria delas, imagino provida de boa intenção, diz que você é bonita, jovem e bem-sucedida, portanto não tem motivos para lamentar insucessos, momentâneos ou perenes. De fato, acho que a genética me presenteou com traços da beleza de meus pais, sou jovem (embora não aguente mais do que 10 minutos em pé) e trabalho com aquilo que sonhei desde criança, o que me faz ser uma profissional feliz e realizada.
As premissas, no entanto, não se materializam em ausência de insegurança, tampouco repelem uma dor quase crônica acompanhada da sensação de estar sempre aquém de um ideal irrealizável de perfeição. Basicamente, a gente tem medo de não dar conta e passa a ter medo de ter medo. Quando menos esperamos, já era: afundamos com o Titanic e aquele som de violinos pós-iceberg.
Digo nós porque sei que não estou sozinha nessa. A übermodel Gisele Bündchen, dona de uma beleza ímpar, bem-sucedida e que, você sabe, ocupou a lista das tops mais bem pagas do globo terrestre, contou recentemente em seu livro Aprendizados sobre os ataques de ansiedade e até mesmo pensamentos suicidas por ela vividos.
– As coisas podem parecer perfeitas do lado de fora, mas você não faz a menor ideia do que está acontecendo.
Revisitando esse texto hoje, dois anos e quatro meses depois, eu sinto vontade de abraçar a Simone Biles e dizer que não parece, mas tudo isso vai passar. Depois daquela consulta que citei acima, em março de 2019, iniciei um tratamento que se estende até o momento e não sei por quanto tempo mais ele perdurará — e isso já não me angustia.
Faço consultas regulares com o psiquiatra, encontramos a medicação adequada, aprendi a meditar e fazer exercícios de respiração. Aliás, não me causa dor alguma saber que preciso continuar cuidando de mim. Me sinto acolhida. Ainda enfrento risadas de quem acha que isso é frescura e que não há razão para buscar tratamento para o que (aff) acham que não é doença.
A esses, eu sorrio. E apenas digo que eu encontrei o meu caminho (que, aliás, pode ser diferente do seu e tudo certo). Assim como Biles, aprendi que desistir não me faz menor. E que às vezes é preciso descer um degrau para continuar avançando em nossa jornada.
O que importa, ao fim e ao cabo, é que a gente mesmo encontre nossa maneira de caminhar.