Ao longo do ano, uma série de mulheres com projetos inovadores e carreiras inspiradoras estamparam as capas semanais de Donna no jornal Zero Hora.
Para marcar o fim desse ciclo e projetar 2025, convidamos cinco delas para refletir sobre o que viveram nos últimos meses e contar seus planos futuros.
A missão de Deise Falci
Protetora de animais há 16 anos e uma das figuras mais marcantes no front dos resgates de cães e gatos durante a enchente em Porto Alegre e na Região Metropolitana, Deise Falci chegou a pensar “Meu Deus, eu queria a minha vida de volta” nos meses que se seguiram à catástrofe.
Isso porque seu trabalho tomou uma proporção gigantesca devido à visibilidade que conquistou nas redes sociais ao postar vídeos dos resgates. O pouco tempo que a ex-esgrimista já tinha para si transformou-se em tempo para cuidar dos animais sob sua responsabilidade.
— Essa já era a minha missão de vida e a enchente veio para confirmar “É isso que você tem que fazer, mais intensamente”, e que bom que agora vou conseguir fazer mais bem-feito, com a visibilidade que tenho e com a ajuda que recebi — acredita Deise.
Para se ter uma ideia do tamanho desse alcance, seu perfil no Instagram saltou de 62 mil seguidores em maio para mais de 575 mil neste mês de dezembro. Ela comemora os resultados do ano: resgatou cerca de 2 mil animais (foram 1 mil durante a enchente) e conseguiu encaminhar 1,3 mil adoções.
Um dos adotados é Chewbacca, um cachorro caramelo, peludinho e de olhar marcante que foi resgatado de bote e atravessou o Guaíba com Deise. Ele ganhou uma família de São Paulo e alguns sobrenomes: hoje chama-se Gigio Chewbacca Rossetti Migliano. Nos vídeos enviados pela tutora, Adriana Rossetti, é possível ver que o bicho agora se diverte nos passeios de barco no mar de Ubatuba.
Centenas de animais ainda estão sob a proteção da ativista no seu abrigo montado na Capital, em seu sítio na Região Metropolitana, em sua casa e em lares temporários. Todos precisam de um lar.
No dia em que a reportagem visitou o sítio, onde fica o maior número de animais – principalmente pretos, pardos, de grande porte, adultos e idosos – os latidos insistentes dos cães se confundem com a fala de Deise, que explica como funciona a demanda ininterrupta por resgates:
— Lá por junho e julho, estava bem apavorada pela quantidade de animais e a falta de espaço, mas recebi bastante ajuda e fiquei um pouco aliviada. Só que são tantos novos pedidos de resgates que não parece que a enchente terminou, entende? Com a visibilidade que ganhei, tenho muito mais pedidos de ajuda do que antes, e já era um número muito alto — afirma Deise, que estima gastar R$85 mil mensais só com ração.
Deise conta com o apoio de voluntários e um caseiro. Para 2025, o desejo da ativista é conseguir viabilizar mais adoções e construir mais canis no novo terreno junto ao sítio comprado com ajuda das doações na enchente.
— Não podemos nos lamentar que foi um número bem expressivo de adoções e quase 2 mil cirurgias de castração, então estamos no caminho para conseguir dar um lar com dignidade para todos os animais que foram abandonados na enchente — avalia Deise.
A primeira de muitas
Quando conversamos em junho, Tatiana Weston-Webb se preparava para participar da sua segunda Olimpíada, e mentalizava: "Acredita e vive no momento, porque cada momento é uma benção". Deu certo. Mesmo com o mar tinhoso de Teahupoo durante os Jogos, ela conseguiu conquistar para o Brasil uma medalha de prata, a primeira do surfe feminino do país em Olimpíadas.
— Tivemos dias com condições instáveis, mudanças no tamanho e na formação das ondas. O maior desafio foi justamente conseguir ler bem o mar e adaptar a estratégia em tempo real. E manter o foco, especialmente quando as ondas não vinham. Lá, a paciência é essencial. Todo o trabalho, desde a preparação física até a mental valeu a pena, conquistar a medalha de prata foi um sonho realizado. Dei o meu melhor e mostrei o quanto o surf brasileiro é forte — avalia a surfista.
Nascida em Porto Alegre e criada no Havaí, Tati conta que a torcida daqui é especial e que a sentiu lá no meio do mar. A atleta reitera que a conquista da medalha não é resultado somente do seu esforço, mas de outras mulheres que abriram caminho para ela no esporte.
Quero ver mais mulheres brasileiras brilhando no circuito mundial, nas Olimpíadas e inspirando novas gerações
TATIANA WESTON-WEBB
Para o ano que vem, a vontade da gaúcha é de seguir competindo em alto nível, buscar a vitória no mundial de surfe e seguir incentivando meninas a se engajarem no esporte.
— A medalha traz uma visibilidade maior, não só pra mim, mas também para o surf. Meu maior desejo é que continuemos crescendo e conquistando cada vez mais espaço, quero ver mais mulheres brasileiras brilhando no circuito mundial, nas Olimpíadas e inspirando novas gerações. Temos potencial para dominar o cenário global do surfe, e isso começa com mais investimentos, apoio e oportunidades para os atletas — confia a atleta de 28 anos.
Vozes pelas atletas de rua
Em julho, Aline Ferreira Davila corria na Redenção cedo pela manhã quando um homem se pôs a encará-la, assoviar e, por fim, começou a se masturbar enquanto a olhava. Os gritos de Aline contra aquela violência tiveram eco nas redes sociais, e o que a atleta descobriu foi que outras corredoras enfrentavam o mesmo problema: em 48h, ocorreram quatro casos de importunação sexual em locais públicos de treino da Capital.
Diante do ocorrido, um grupo de mulheres e pessoas solidárias à causa fizeram manifestações por meio de corridas de rua, cujo trajeto percorreu os locais de importunação – além da Redenção, na orla do Guaíba, mulheres também foram alvo de ataques semelhantes ao de Aline – e fez um abaixo-assinado demandando mais segurança e respeito ao direito das mulheres se exercitarem em público.
Questionada sobre os resultados dessa movimentação, Aline responde:
— Resolução do problema não houve e acreditamos que, dentro das condições sociais globais que vivemos, não é possível uma resolução definitiva. Tivemos pequenos avanços junto às instituições de segurança e foi formulada e encaminhada para o legislativo o projeto de lei n.º 265/2024, que institui a Campanha Publicitária de Combate ao Assédio e Violência Sexual Contra Mulheres em Áreas Publicas de Prática de Esportes. O maior ganho foi a aproximação que ocorreu entre as mulheres corredoras.
Este cenário reforça a necessidade de fortalecer o vínculo entre nós e romper qualquer ideologia constituída sobre nosso papel nos espaços do esporte também.
ALINE FERREIRA DAVILA
Um dos agravantes do caso de Aline, que ocorreu próximo ao chafariz situado no centro do parque, é que não há registros em vídeo, já que a câmera de vigilância desta área estava fora de funcionamento. Alguns dos seis aparelhos danificados passaram por reparos desde então, e a percepção da corredora é que a vigilância foi intensificada:
— Ocorreram algumas mudanças em relação ao patrulhamento na Redenção, há mais policiais pela manhã na região central do parque, assim como a guarda-municipal, por vezes, realiza patrulhamento. Mas em demais espaços, como a orla, sem avanços.
As sensações de desconforto, receio e revolta que continuam reverberando depois de uma importunação sexual podem ser motivo suficiente para acabar com o ânimo e, no caso da atleta de 37 anos, afastá-la dos locais públicos na hora de treinar.
Embora sinta medo, Aline garante que não desanimou e que continua praticante porque deseja que a presença das mulheres esteja nos ambientes públicos, e não acuada por uma violência que tenta limitar os locais que os corpos femininos podem acessar.
— De maneira geral, o momento é de grande potencial na corrida, muitas pessoas começaram ou retomaram a prática neste ano. É perceptível que cresce o número de mulheres corredoras de rua, isso pode ser evidenciado a partir das provas. Este cenário de crescimento reforça a necessidade de fortalecer o vínculo entre nós, de nos acolhermos e romper qualquer ideologia constituída sobre nosso papel nos espaços do esporte também.
A rainha das rainhas
A atriz e rainha de bateria da Viradouro Erika Januza havia prometido fechar "com chave de ouro" os desfiles do Grupo Especial do Rio de Janeiro no Carnaval deste ano, e não poderia ter honrado mais a promessa.
A agremiação de Niterói se sagrou campeã e levou para casa seu terceiro título, desta vez com um enredo baseado nas crenças voduns de povos africanos que viviam na região onde hoje localizam-se Gana, Togo, Benim e Nigéria. Com o nome de Arroboboi, Dangbé!, fez referência à serpente sagrada que engole a própria cauda para dar equilíbrio.
— A sensação de vencer o Carnaval é indescritível, pensei que fosse passar mal de tanta emoção. Planejamos vencer, entregar o melhor trabalho possível e graças a Deus deu certo. A vitória é o reconhecimento do trabalho de toda uma família muito focada, organizada e que valoriza as pessoas. É por isso que todo mundo se entrega com amor e com o propósito de merecer a vitória — detalha Erika.
Para preparar o corpo para cruzar a avenida novamente, no Carnaval de 2025, Erika já começou a malhar com afinco, concomitante às gravações da quinta temporada de Arcanjo Renegado. Ela também estreia, em fevereiro, um programa no GNT que vai mostrar os bastidores das soberanas das escolas de samba.
Me esforço para estar com a Viradouro porque eu sei o quanto essa presença é importante. Carnaval não é só o que vemos na Avenida
ERIKA JANUZA
No dia em que Erika conversou com Donna, por mensagens de áudio, ela adiantou que já está na quadra da Paraíso do Tuiuti, onde gravará com a rainha Mayara Lima, uma das personagens do programa Rainhas Além da Avenida.
— Ano que vem também vou participar do Carnaval da África do Sul, levar um pouco do Carnaval daqui para lá, e ter esta oportunidade é uma alegria. Sempre dou um jeito de não perder os ensaios, mesmo que esteja gravando, virada ou exausta tento ser o mais presente possível. Me esforço para estar com a Viradouro porque eu sei o quanto essa presença é importante para a comunidade, para a bateria e para a minha preparação, porque Carnaval não é só o que vemos na Avenida. Para ficar tudo lindo, tem muita gente trabalhando durante todo o ano — afirma a atriz.
Gurias na estrada
Em março, a reportagem acompanhou o grupo de viagens exclusivas para mulheres Viaja Guria em um passeio na serra gaúcha, regado a bons vinhos e paisagens impressionantes como a do Salto Ventoso, em Farroupilha.
O que se viu foi a confirmação de uma das bandeiras do negócio, que começou em 2023: a jornada é mais importante que o destino. Num passeio só entre mulheres, o que mais se sobressai é o riso fácil, a liberdade pra fazer piada e a conexão feminina que perdura depois da viagem.
O mais positivo foi ver o senso de comunidade das gurias durante um momento difícil
LETTICIA GERHARDT
A proposta ganhou visibilidade nas redes sociais: em um ano e meio de existência, já são mais de 300 mil seguidoras no Instagram. Com o aumento da demanda, veio também a necessidade da idealizadora, Letticia Gerhardt, de 30 anos, aprender a separar o tempo do trabalho e do descanso:
— Começamos o ano de 2024 com 30 mil seguidoras, então é um crescimento de 10 vezes, jamais imaginamos chegar nesse número em tão pouco tempo. Algo que aprendi nesse meio tempo foi a questão de gestão de estresse (risos). Utilizo várias ferramentas de equilíbrio para entender que às vezes o descanso precisa ser compulsório, que descansar também é produzir — destaca a empresária.
Com a agência bombando, Letticia viveu uma prova de fogo: teve que lidar com todas as viagens canceladas e todos os roteiros que não poderiam mais acontecer por um tempo, até o Estado se recuperar da enchente.
— O mais desafiador em si foi mapear a infraestrutura do Estado para voltar a trabalhar no pós-enchente, e o mais positivo foi ver o senso de comunidade das gurias durante um momento difícil. Apesar disso tudo, hoje, antes de falarmos, fui na imobiliária e peguei a chave daquela que será a primeira casa da Viaja Guria, um espaço físico para atendimento, para a comunidade e para os embarques. Essa é a maior mudança, mas também fechamos mais parcerias e logo teremos mais destinos — comemora.