Atualizada no dia 5 de agosto, às 22h36: Tatiana Weston-Webb conquistou a medalha de prata no surfe feminino nas Olimpíadas de Paris.
Está nas mãos de uma atleta metade gaúcha e metade havaiana uma das chances que o Brasil terá de conquistar a primeira medalha olímpica no surfe feminino. A surfista Tatiana Weston-Webb nasceu em Porto Alegre, no Hospital Mãe de Deus, mas com um mês de vida se mudou com os pais para o Havaí, onde cresceu nas águas cristalinas que cercam a ilha de Kauai. Nesse pedaço de paraíso transformou-se em uma das atletas da elite mundial do surfe atual — no momento em que escrevemos essa matéria, no final de junho, ela é a única brasileira entre as 10 melhores do mundo no ranking da Liga Mundial de Surfe (WSL).
Em um ótimo português, embora marcado por um "sotaque de gringa", do qual ela diz não gostar nem um pouco, a esportista de 28 anos confia que está surfando o seu melhor e que tem boas chances de subir ao pódio nas Olimpíadas de Paris.
A confiança tem razão de ser, já que o lugar onde as provas serão disputadas, a praia de Teahupoo, no Taiti, tem ondas que combinam com o seu estilo de surfar. A experiência também conta a seu favor, já que ela tem no currículo a participação nos Jogos de Tóquio (2020), em que avançou até as oitavas.
Estou feliz com o que conquistei, mas tem o gostinho de que posso fazer mais
TATIANA WESTON-WEBB
Surfista
— Estou em um ponto da carreira em que sou uma pessoa madura e já fiz algumas coisas bem legais. Estou feliz com o que já conquistei, mas ainda tem aquele gostinho de que posso fazer mais, sabe? Por isso estou com esperança de ir bem nas Olimpíadas. A medalha olímpica é um sonho muito grande e sinto muito orgulho de representar o nosso país — projeta.
O destino da surfista de cabelos quase brancos — naturais, mas ainda mais claros por conta do sol e do sal — começou a ser pintado de verde e amarelo pelos pais. Ela é filha da bodyboarder gaúcha Tanira Guimarães e do surfista inglês Doug Weston-Webb, casal que escolheu os EUA como lar, mas optou por ter os filhos no Brasil porque Tanira confiava mais nos médicos brasileiros.
A proximidade de Tatiana com o país continuou durante a infância, quando veraneava no litoral gaúcho e catarinense, e se consolidou com o relacionamento com o surfista brasileiro Jesse Mendes. Os dois se casaram no papel em 2020 e, em novembro do ano passado, fizeram uma cerimônia em Garopaba (SC), na praia do Silveira.
— É um lugar que a gente realmente ama. Compramos um apartamento lá, porque planejamos ficar mais tempo por ali no futuro. É um paraíso, seguro e um lugar onde tenho muitas memórias. Cresci indo para lá — relembra.
Tati é uma guria bem família, dá para perceber. Durante a conversa por vídeo, diz que daria a vida pelo irmão, Troy Weston-Webb, e que fica no Kauai, no Havaí, com a família sempre que possível, ou, então, no Guarujá, litoral paulista, onde vive a família de Jesse. Conciliar a carreira de atleta de alto rendimento com a vontade de ser mãe é um dos temas que têm ocupado sua mente nos últimos tempos:
— Somos superpróximos, minha família para mim é tudo. Eu e Jesse valorizamos o tempo com a família, então estamos querendo muito criar a nossa. Mas é um momento em que sinto que estou surfando o melhor que já surfei e estou em um estado mental muito positivo, me sentindo bem fisicamente, treinando forte, realmente me sentindo ótima para continuar por mais uns anos. Mas quem sabe daqui a pouco vai vir um neném, se Deus quiser — afirma.
Um dia de trabalho na vida de Tatiana envolve desafios que a maioria das pessoas jamais vai encarar, como atravessar ondas que pesam toneladas, manter-se atenta para evitar o encontro com tubarões e, em breve, ser representante de uma nação inteira em um evento global.
No bate-papo a seguir, a surfista fala das suas estratégias para encarar essas provações e da sua relação com o mar, a família e o Brasil.
Entrevista com a surfista gaúcha Tatiana Weston-Webb
Qual é a sensação de ter marcado no calendário uma Olimpíada?
Tem mais pressão. É um evento que você realmente só tem uma chance a cada quatro anos. E, sendo uma atleta feminina, não sabemos quando a nossa carreira vai acabar, então vamos aproveitando ao máximo. Sei que tenho grandes chances porque é uma onda que normalmente vou bem. Trabalhei muito forte e vou seguir trabalhando.
O que espera encontrar no mar de Tahupoo?
É um ambiente incrível e fora do normal. Você fica um pouco em choque mesmo. A onda é pesada, linda, e tem um tubo para a esquerda em que fico de frente para a onda, o que me ajuda bastante.
O que passa na sua cabeça quando está lá, sozinha, esperando vir a onda?
Mesmo fazendo o trabalho de preparação mais forte possível para ficar pronta para aquele momento, querendo ou não, você depende do mar e da conexão com a natureza. É um esporte incrível porque você tem essa sincronia com o mar, que é algo inexplicável. Por outro lado, quando você não está conectado com o mar, é horrível, o sentimento é de que você está batalhando contra o mundo inteiro. É difícil, a gente tem que manter o pensamento positivo e leve, porque o contrário pode afetar a sua sintonia com o mar.
É um esporte incrível porque você tem essa sincronia com o mar, que é algo inexplicável
TATIANA WESTON-WEBB
Surfista
É sobre aceitar que não tem como controlar tudo?
Exatamente, você não tem controle. Você só pode controlar a preparação antes e como se sente depois de uma derrota ou uma vitória.
Você lida bem com derrotas?
Depende. Algumas vezes acho difícil entender por que não deu certo, quando você trabalha tão forte. Mas em outras realmente dá para ver que você fez tudo que estava no seu poder, só que às vezes um detalhe favoreceu mais a outra menina na água. Aí você entende um pouquinho melhor.
Como foi a experiência em Tóquio?
Foi muito difícil porque foi um momento muito estranho na vida de todo mundo. Foi durante a pandemia da covid-19, então ninguém estava vivendo normalmente. Não aproveitei do jeito que poderia porque estava ainda com o pensamento no mundo covid. Mas agora que já tive aquela experiência, estou me sentindo mais pronta.
As carreiras no esporte em geral são curtas. O que você pensa sobre isso?
Vou gostar de surfar para sempre, é realmente algo que está dentro do meu coração. Cada vez que entro na água, seja surfando ou não, sinto um alívio, uma leveza na minha vida. Então acho que nunca vou deixar de gostar de surfar, mas só Deus sabe o que vem pela frente.
Como aprendeu a falar português?
Falava desde cedo com a minha mãe e escutava a minha família brasileira, cada vez que vinha para o país. Mas teve uma fase em que meu pai tinha que cuidar da gente e a minha mãe estava trabalhando, e como ele não aprendeu a falar português, não entendia nada do que a gente pedia. Daí minha mãe viu que não estava dando certo e parou de falar português. Mas quando comecei a namorar com o Jesse, em 2014, comecei a falar um pouco mais com ele. Quando soube que os pais dele não falavam nada de inglês fui falando do jeito que conseguia. Aos poucos fui me soltando, sou uma pessoa que não sente muita vergonha, então pensei "borá lá, vamos tentar".
Você comentou que quer ter filhos. Eles vão falar português e inglês?
Exatamente, senão eu vou ficar brava (risos). Até porque tive que reaprender tudo de novo e foi horrível, sabe? Não gosto de ter sotaque de gringa e de não saber todas as palavras em português, então os meus filhos vão ter que aprender os dois.
Recentemente você e Jesse fizeram uma rifa com relação à enchente no RS. Como receberam a notícia do que estava acontecendo aqui?
Fiquei muito triste, o país já tem vários problemas, especialmente com violência, e ainda acontece uma coisa dessas. Nós não teríamos como fazer algo presencialmente, mas conhecemos algumas ONGs e algumas pessoas que estavam tentando ajudar, então doamos o máximo que conseguimos e, como temos como patrocinadora a Surfeeling, que é baseada no RS, fizemos uma rifa para ajudar, sorteando dois skates autografados.
Como são os cuidados com a pele, o cabelo, entrando no mar quase todo dia?
Para a pele é horrível e para o cabelo também (risos). Passo protetor solar e depois tiro no final do dia. Para cuidar do cabelo, coloco condicionador antes de entrar na água e uso óleo para cuidar das pontas. São cuidados que nunca acabam. Tenho sobrancelha muito branca, então tenho que pintar para ficar mais escura, por isso todo mundo acha que o meu cabelo não é natural, mas é.
Como você cuida do corpo? Tem alguma preparação especial para as competições?
No momento estou equipada porque tenho o Comitê Olímpico Brasileiro atrás de mim, então a ajuda vem de todos os lados — médico, ginecologista, nutricionista, preparador físico, fisioterapeuta —, eles cuidam muito bem de nós. Em termos da dieta a gente cuida porque tem que ter a imunidade lá em cima, porque é uma demanda muito grande.
Sua alimentação é focada em alimentos que dão energia?
Depende muito. Neste período em que estou treinando, mas não estou levantando muito peso, posso comer normal. Mas se estou na pré-temporada, tentando ganhar músculo, como mais proteína e mais carboidrato. Durante os eventos de surfe, gasto muita energia, então cerca de três dias antes da competição, aumento os carboidratos para manter a quantidade de proteína.
Onde você mais gosta de surfar no Brasil e no mundo?
No Brasil, gosto muito da Praia do Silveira, tenho muitas memórias boas, mas a onda que mais gosto de surfar é mais ao Sul, na Ferrugem. E no mundo, Teahupoo, no Taiti, e também Macaronis, na Indonésia. Sou abençoada por viajar o mundo e ver coisas incríveis.
Já teve algum acidente que te fez repensar a carreira?
Já tive uns que me deixaram pensando "caraca, quase morri agora" e daí tenho que dar uma descansada. Mas medo mesmo é quando você está no mar grande e não tem muitas pessoas em volta, porque realmente a natureza faz o que ela quer.
Para ir surfar menstruada em um mar que tem tubarão, você tem que ficar esperta, não dá para ir sem ninguém do seu lado
TATIANA WESTON-WEBB
Surfista
Prefere que tenha outras pessoas surfando por perto?
Sim, pelo menos umas cinco pessoas. Às vezes tem ataques de tubarão e você precisa ter alguém do seu lado para ajudar, caso aconteça algo. E, por exemplo, uma questão de atleta feminina é a menstruação, e para ir surfar menstruada em um mar que tem tubarão, você tem que ficar esperta, não dá para ir sem ninguém do seu lado. Às vezes nem surfo quando estou menstruada. É raro não querer, mas nas vezes em que isso acontece, geralmente, é porque estou com cólica.
É verdade que o surfe é uma irmandade, que dentro da água um cuida do outro?
Sim, é muito verdade. Essa é parte mais irada do mundo do surfe, somos realmente uma família viajando juntos, especialmente os surfistas brasileiros.
Qual é o recado que você daria para a Tatiana do futuro, que vai estar estreando nos Jogos Olímpicos de Paris?
Falaria "Acredita e vive no momento, porque cada momento é uma bênção".