A Erika Januza, 38 anos, foi a última rainha de bateria a cruzar a Marquês de Sapucaí, ao som dos ritmistas da Unidos do Viradouro, na noite de segunda-feira (12). A escola de Niterói encerrou os desfiles do Grupo Especial do Rio de Janeiro e se consagrou campeã nesta quarta-feira (14).
Enquanto se preparava para o desfile, a artista conversou com Donna e prometeu nada menos do que uma finalização com “chave de ouro”. Desde que assumiu o cargo, em 2021, uma das suas maiores preocupações têm sido não só “dar pinta” de rainha, mas se entregar por inteiro à missão do Carnaval o ano todo.
— Sou uma rainha artista, sou atriz e não uma rainha da comunidade. Isso me fez sentir medo quando assumi esse lugar, pois quero sempre honrar o cargo, por todo o respeito que tenho pelo Carnaval. É a maior festa cultural do nosso país, vista e admirada pelo mundo todo, e ser uma mulher negra nesse espaço é algo forte. É um lugar de importância social muito grande. Estar ali como uma mulher negra, retinta, representando tantas outras meninas que, assim como eu, não achavam possíveis os sonhos que têm —relembra Erika.
Para trazer ainda mais significado e impacto ao posto que ocupa, o jeito Erika de ser rainha é se aconselhar com soberanas que vieram antes dela – como a travesti Eloína dos Leopardos, primeira rainha de bateria da história do Carnaval – e, a cada ano, homenagear grandes nomes da festa.
Em 2022, fez os ensaios de rua da Viradouro caracterizada como Elza Soares, Pinah, Luma de Oliveira, a Globeleza Valéria Valenssa e outras mulheres que fizeram história.
Em 2024, acompanhando o samba-enredo da escola, que fala das guerreiras Mino do Reino do Daomé (nação africana situada onde hoje é o Benim), a mineira optou por homenagear guerreiras dos nossos tempos. Nos quatro últimos ensaios, vestiu looks em capim dourado, palma barroca e miçangas, feitos por mulheres que se sustentam através da arte.
Na capa de Donna, ela exibe um desses trajes, feito por Belinha Delfim, professora de samba e artesã de fantasias de Carnaval.
— Pensei “vamos falar de mulheres guerreiras, mas as guerreiras daqui do nosso cotidiano”, e aí procurei alguém que sustentasse sua família com sua arte, que fosse artesanal, para que pudesse usar e mostrar para o mundo “Olha, essa mulher faz esse trabalho aqui, olha que coisa linda”— explica a rainha de bateria.
Morando provisoriamente em um apartamento do Rio de Janeiro até que a reforma de sua casa seja concluída, Erika conta que é com pernas e braços muito bem fortalecidos pelos ensaios na cadência dos chocalhos e tambores que conduz sua rotina, que inclui obras, samba e gravações da sua nova empreitada audiovisual, Dona Beja. A segunda novela produzida pela HBO Max faz uma releitura da trama exibida em 1986, na TV Manchete, e deve ser lançada no próximo ano.
No bate-papo a seguir, ela fala de seus 12 anos de carreira como atriz – contados a partir da protagonista na série Suburbia, em 2012 – dos sonhos para o futuro e da preparação para acompanhar a bateria da Viradouro. “À vera e sem rodeios”, também abre o coração sobre desafios íntimos como a solidão da mulher preta e a incerteza da maternidade na sua vida.
Confira a entrevista com Erika Januza
Como está se preparando para o Carnaval?
Por mais que frequente a academia, treine, corra, o que conta mais é ensaiar junto da bateria, ouvindo o que o mestre está criando e o que a escola está cantando. E não tem melhor aeróbico do que ensaiar com a bateria. Lá, vou me preparando psicologicamente e me envolvendo com a comunidade e com a escola, que acho o principal disso tudo. Não estou ali só para “dar pinta”, e sim porque amo muito esse lugar.
Tem que mudar o treino, pensando na Sapucaí?
Não sou a louca da academia durante o ano, e sempre me arrependo depois (risos), mas como alimentos que dão mais energia, faço exames e vou ao médico para saber que vitaminas posso tomar e como dormir melhor. Cuido do meu bem-estar para que tudo funcione e consiga atravessar o sambódromo. Tem que ter um bom preparo físico, porque sambar do início ao fim é um batidão muito forte. Se não estiver com a saúde em dia, a pessoa passa a Sapucaí andando e “dando tchauzinho”, que não é o que quero fazer.
Como rainha de bateria, você se sente pressionada na parte estética ou da performance?
Me sinto mais pressionada na performance, porque é algo muito particular. Sempre gostei de sambar do meu jeito mineiro e, com o passar do tempo, me preparar com a escola foi me dando mais sabedoria sobre como acompanhar a bateria.
Mas há muita cobrança no estilo “Ah, fulana dança sincronizado, ciclana não” ou então “Agora fulana quer fazer sincronizado só porque ciclana faz”, então nada está bom para as pessoas e essa cobrança deixa a pessoa maluca. Mas graças a Deus não tenho muitos haters. É muito difícil compartilhar alguma coisa e as pessoas ficarem caindo em cima, e sou muito grata a isso.
Tem uma estratégia para não pirar com a cobrança?
Eu gosto de ler, ficar ligada na forma como a sociedade pensa, entender. Terapia também é necessária, pois já me salvou em momentos muito importantes da minha vida, me ajuda a mudar de calçada para que não caia sempre nos mesmos buracos.
Além da dedicação para Viradouro, você está gravando Dona Beja. O que podemos esperar?
Minha personagem é a Candinha, uma mulher que na primeira versão era muito rival de Dona Beja, mas agora está num outro lugar, cheio de drama. A novela tem muitas histórias fortes, em que as mulheres têm que se superar e dar a volta por cima. Também são histórias cheias de representatividade, que é um olhar que não se tinha naquela época, temos dois protagonistas negros, questões familiares, questões sobre gordofobia, autoaceitação e mais.
Estou tendo a oportunidade de falar coisas através da minha personagem que sempre passaram pela minha mente, mas que nunca tinha conseguido verbalizar. Agradeço muito os autores por isso.
Me tornar atriz me mostrou que posso, sim, ter o cabelo crespo, ser uma mulher negra e ser bonita da mesma forma
ERIKA JANUZA
Um dos temas que rondam a Candinha é a questão da solidão da mulher preta. É algo que te toca?
Muita gente diz que isso não existe, mas só a mulher preta pode dizer o quanto é real. Crescer como uma mulher negra, num país onde a maioria da população é negra, e não ser vista como bonita, como uma opção para ter um relacionamento ou para serem vistos juntos em público é muito triste e real.
Tenho lembranças da adolescência, de sair com amigas e ser sempre a que estava sozinha, sem namoradinho. Sempre houve um pouco de preterimento. Já tive namorados que falavam “Olha, minha família não gosta, minha família é racista” e eu, totalmente sem consciência, namorei escondida por um tempo para não ter que me encontrar com eles. Passei por diversas situações, mas me tornar atriz me ajudou a me conscientizar sobre muitas coisas.
É algo que te causou sofrimento?
Dói muito ver que você não é escolhida pela cor da sua pele, e sei que falo por mim e pelas outras, porque é uma dor coletiva. Mas ressignifiquei e entendi que tenho muito valor, não sou pior do que ninguém por causa disso, não dependo de ninguém para nada. É realmente uma questão histórica e que infelizmente ainda está aí, apesar de já ter melhorado muito.
Como está a sua autoestima?
As mulheres negras hoje estão com a autoestima mais alta e se amando. Sigo vários perfis nas redes sociais e vê-las com os cabelos crespos enormes, com tranças e assumindo sua estética me fortalece muito. Hoje me acho muito bonita. Já tive cabelo alisado até a cintura, que enxergava como meu escudo. Isso porque se falavam por aí que meu cabelo era “ruim”, eu tentava resolver a questão. Estava sempre arrumando algum tipo de artifício para suavizar a dor das coisas que eram pejorativas.
Me tornar atriz me mostrou que posso, sim, ter o cabelo crespo, ser uma mulher negra e ser bonita da mesma forma. E também me conscientizou de que sou uma atriz negra e que isso é importante. É sobre ter em quem se inspirar, coisa que quase não tinha na minha adolescência, quando se contava nos dedos as atrizes negras em evidência, como Isabel Fillardis, Taís Araújo, Zezé Motta.
Sobre sonhos, escreve aí que tenho um sonho, sim: fazer um remake de "Xica da Silva"
ERIKA JANUZA
Você já foi alvo de preconceito por conta de relacionamentos inter-raciais. Como vê essa questão?
Ainda há muito julgamento quando você está namorando um cara branco. Só que, muitas vezes, o homem preto não quer namorar a mulher negra, ele quer a branca para conseguir se afirmar na sociedade, e sobre isso ninguém fala nada. Agora, quando é uma mulher negra que se relaciona com homem que não é negro, aí é uma chuva de críticas. No amor, a gente não escolhe “Vou gostar dessa pessoa porque ela é desta cor ou da outra”, você apenas gosta.
Há alguns anos você falou que tinha muita vontade de ter filhos. Ainda está nos seus planos?
Já fiz um processo para congelamento de óvulos e não deu certo. Era algo que queria fazer há muito tempo, mas é caro e me dava medo, porque tenho pavor de qualquer coisa que envolve agulhas. Mesmo assim tomei coragem e fiz, em outubro do ano passado. Só que já tenho 38 anos e, mesmo que as pessoas achem que não pareça – e mesmo que não me sinta com essa idade –, meus óvulos inevitavelmente têm 38. Minha quantidade de óvulos não é igual a de uns anos atrás e vai diminuir mais a cada ano.
Pensa em tentar de novo?
Como é caro, demanda tempo, dedicação, injeções e tempo sem fazer esforço físico, e como é época de Carnaval, decidi não tentar de novo agora. Vou fazer depois, mesmo que as minhas chances diminuam. A gravidez pode acontecer naturalmente, mas não quero que ocorra neste momento. E se não der certo, tenho outras opções que posso pensar um dia. Sempre acho que filho é nossa continuação no mundo, mas Deus tem planos para gente, então se for da vontade Dele, terei. Se não for, posso adotar ou não adotar e seguir numa vida feliz e sem filhos.
Em termos de desenvolvimento pessoal, quais são seus sonhos?
Meus sonhos são sempre relacionados ao trabalho. Meu desejo é ter tanto trabalho que eu não consiga fazer tudo ao mesmo tempo. Sobre sonhos, escreve aí que tenho um sonho, sim: fazer um remake de Xica da Silva. Não sei se um dia vai acontecer, se serei eu ou não, mas jogo para o universo porque é com esse personagem que sonho. Também quero interpretar Elza Soares e uma vilã, que nunca fiz.