Os 30 e os 40 anos passaram quase batidos. Já a chegada dos 50 não foi tão simples. Malu Galli se percebeu olhando para trás, revendo aprendizados. A retrospectiva foi necessária porque a atriz percebeu que precisava responder a perguntas importantes:
— Onde quero estar daqui a 20 anos? O que quero estar fazendo aos 70? Porque é uma construção daqui até lá. Construir internamente, espiritualmente, na vida prática do cotidiano, nas minhas ações — explica nesta entrevista, por telefone, desde o Rio, uma semana antes da estreia de Além da Ilusão.
No bate-papo, Malu confessou estar ansiosa para ver a reação do público diante de sua personagem na nova novela das 18h, que entrou no ar na segunda-feira (7). Violeta é uma mulher à frente do seu tempo, cujas falas e ações estão honrando a atriz, que se sente até parecida com essa mulher forte e destemida, parte do núcleo protagonista na trama escrita por Alessandra Poggi.
— A Violeta é incrível. Tem os melhores valores. Não tem nada que eu pense “Ai, vou ter de falar isso…”. Não. Todas as falas dela são encantadoras. É o que gostaria de falar também – empolga-se Malu. – É como se a Violeta fosse uma mulher de hoje, só que presa nos anos 1940. Ela tem os mesmos tipos de pensamentos que tenho, encara os assuntos da mesma forma que encaro. A Violeta tem uma proximidade grande comigo.
Natural da cidade do Rio de Janeiro, onde nasceu Maria Luiza em 17 de novembro de 1971, ainda pequena ganhou o apelido Malu, dado pela avó.
— Se gritarem Maria Luiza para mim na rua, acho que nem me dou conta — avisa.
Começou no teatro com apenas 10 anos e se encontrou – “trouxe um lugar de pertencimento”, conta. Da mãe, a professora Vanda Reis, sempre recebeu apoio. Do pai, o engenheiro Humberto Galli, houve resistência, a ponto de Malu fazer o curso em segredo para evitar atritos. Atualmente, ele é quem mais assiste a suas novelas.
A atriz já tinha uma longa carreira no teatro, desde os anos 1990, e papéis significativos no cinema (entre eles, O Xangô de Baker Street, de Miguel Faria Jr., interpretando a compositora e musicista Chiquinha Gonzaga, em 2001), quando chegaram as maiores oportunidades na TV e a consequente projeção nacional. Destaque para papéis como Lúcia na série Queridos Amigos (2008), Lygia em Cheias de Charme (2012), Rosângela em Totalmente Demais (2015) e Maria Lídia em Amor de Mãe (2020).
Casada desde 1999 com o artista plástico mineiro Afonso Tostes, 56 anos, com quem tem seu único filho, Luiz, Malu também conta que é uma mãe protetora e que sofreu um pouquinho quando o rapaz de 20 anos foi morar sozinho. Do balanço de vida realizado com a chegada dos 50, ficaram mais claros sonhos e projetos, com os quais está bem entusiasmada.
— (Tenho) dois projetos de série que estou desenvolvendo e apresentando para o streaming. Estou apaixonada. É um terreno que quero explorar, como roteirista e, futuramente, como diretora.
Na entrevista a seguir, Malu relembra personagens e abre o jogo sobre seu novo momento de vida.
Boa parte de suas personagens tem uma sofisticação, uma elegância. De onde vem isso?
Acho engraçado porque não sou nem um pouco assim. Tenho um biotipo… sou alta, alongada… mas não sou de uma família rica, com uma educação em que elegância e requinte fossem valores. Sou de classe média, cresci fazendo bagunça, nas férias na fazenda da avó, de pé no chão… Sou uma pessoa simples. Sempre convivi com pessoas diferentes, de ambientes diferentes, sou bastante camaleônica. Gosto de estar com todo tipo de gente. Não tenho essa coisa de elegante, isso parece que me coloca numa prateleira. É como veem, e acabam me dando papéis assim. Mas que bom que tive a sorte de fazer outras personagens.
Voltando à imagem que você passa… tem a elegância, o requinte, mas também chama atenção uma força, assim como a Violeta. Como vem trabalhando isso nela?
A Violeta tem algo que é uma delícia para uma atriz: ela me permite explorar drama, comédia, romance... Ela tem vários lados. Mas realmente é forte, destemida, direta. Não faz rodeios. É estourada. As cenas já trazem a força. E tenho um pouco dessa força. Sempre fui muito expressiva, todo mundo fala que sou transparente, é difícil esconder o que estou sentindo. Quando não gosto de algo, fica estampado na minha cara. Adoraria ser mais diplomática… E a expressividade é desde criança. Vejo as fotografias e estou sempre com uma cara engraçada. Como comecei no tablado cedo, passei a desenvolver isso, e a gostar de contar histórias através da minha expressão.
Quando você começou no teatro, aos 10 anos, já havia uma certeza de que esse seria o seu caminho?
Me senti bem naquele ambiente. Era péssima na escola, em esportes. Me sentia desajeitada e não era boa aluna. O teatro me trouxe um lugar de pertencimento, sentia que falava a mesma língua do que aquelas pessoas. Ali, podia exercer a minha criatividade, a forma como pensava as coisas. Então, foi um encontro muito cedo e muito prazeroso.
E não parou mais?
Não. Aos 16 anos, entrei para o curso profissionalizante que a (diretora) Bia Lessa dirigia no Rio. Quando me formei na escola, me formei como atriz junto. E dali comecei a trabalhar com companhias de teatro. A coisa foi fluindo de uma forma natural.
Foi uma decisão de carreira que a sua família já esperava?
Não… Meu pai não gostou. Até fiz o curso de teatro escondida. Ele achava que não ia dar em nada. A minha mãe sempre me apoiou. Uma parte da família via com desconfiança. Num primeiro momento, é difícil. Tive a sorte de trabalhar em publicidade, por 10 anos, em que pude ganhar algum dinheiro enquanto fazia teatro. O mercado realmente era apertado. Mas publicidade também não era garantido. Então dos (meus) 20 aos 30 anos, às vezes estava bom, às vezes não tinha nada. Dava medo, vontade de desistir. Mas enfrentei.
A Violeta tem uma irmã, Heloísa (Paloma Duarte), e elas se atritam… Como é a relação com a sua irmã?
A Violeta e a Heloísa têm uma relação íntima. Se implicam, são diferentes, mas também se amam. Tenho uma irmã mais velha, dois anos, crescemos juntas, tivemos infância e adolescência próximas. Tivemos filhos na mesma fase. Meu filho regula com a mais velha dela (Malu tem duas sobrinhas). Somos diferentes, ela é advogada, mas temos coisas que nos aproximam. E tem uma admiração mútua.
Você já mencionou uma crise com a chegada dos 50 anos. O que aconteceu exatamente?
Não foi uma coisa que me fez ficar deprimida, triste ou incapacitada. Mas percebi algo maior do que nos 30 e 40 anos, idades que nem lembro direito se me provocaram algo. Mas aos 50 anos percebi uma diferença. Primeiramente, física. Parece um momento na vida que tem de parar e dar uma repensada. Olhar para trás, para ver o que aprendeu, no que errou… Porque é preciso planejar o futuro, um futuro que é longo. Uma mulher de 50 anos hoje tem acesso a muitas formas de se manter em forma, com energia. Mas é um futuro com a velhice acontecendo. Então, tem de ter um planejamento. Onde quero estar daqui a 20 anos? O que quero estar fazendo aos 70? É uma pergunta importante, porque é uma construção daqui até lá. Construir internamente, espiritualmente, na vida prática do cotidiano, nas minhas ações. É um momento sério, um divisor de águas e que coincidiu com a pandemia, quando a humanidade parou para pensar, num planeta em franca destruição acelerada. A gente se afeta. E o corpo mudando… Há urgências que se colocam… E também teve o meu filho único que saiu de casa, então, teve um pouco aquela coisa do ninho vazio, que não demorou muito porque isso é positivo para ele.
Você conseguiu estabelecer acordos, resoluções internas…
Sim... Foi profundo e enriquecedor. E agora estou num momento com muita força. Gosto de me sentir produzindo, atuante no mundo. Sou um pouco hiperativa. Estou apontando para onde quero estar, chegar, jogando pro universo, mas também agindo concretamente para tornar possíveis meus planos. Claro que a gente não controla absolutamente nada, e a pandemia veio mostrar isso. Mas, ao mesmo tempo, não tem como viver sem planejar, então, a gente continua sabendo que vai ser diferente do que se imaginou.
E você tem muitas amigas nessa faixa etária?
Tenho, sim, todas num momento parecido. Tem uma mudança de visão em relação a nós mesmas. Mas sinto que, no geral, a gente ganha mais autoconfiança, mais consciência do nosso poder, da nossa importância no nosso espaço. É tudo positivo, apesar das piadas, das queixas que a gente faz com a aparência, com o corpo… isso está presente, numa sociedade machista que impõe, cobra, às vezes a gente mesmo, mas no fundo a gente sabe que isso é secundário, não é o mais importante. Me sinto muito experiente e mais capaz de encarar desafios, de dar passos que nunca dei. E isso é a idade que dá.
A saída do seu filho único, Luiz, de casa, no final de 2020, foi algo conversado, planejado?
Onde quero estar daqui a 20 anos? O que quero estar fazendo aos 70? É uma pergunta importante, porque é uma construção daqui até lá.
MALU GALLI
atriz
Foi, sim. A gente tem uma relação muito legal, nós três. Somos muito ligados, fazemos muitas coisas juntos. Ajudamos bastante, foi tudo conversado. Mas não deixa de dar aquela tristezinha. Porque mãe é isso. É uma parte sua que vai embora.
Vocês se falam todos os dias?
Sim, sou supermãe. Dou um jeito, arrumo um assunto para poder ligar. Ele está bem, amadureceu bastante. É uma experiência maravilhosa você passar a gerir sua vida. E está sendo muito bonito ver ele sendo cada vez mais autônomo.
E você saiu de casa com que idade? Foi tranquilo?
Saí com 21 anos. Ganhei um dinheiro num comercial, uma bolada muito maior do que costumavam pagar, e deu para sair de casa, comprar móveis… Foi um passo maior do que as pernas, porque eu não tinha um emprego. Mas confiei na vida. A gente tem de fazer umas coisas assim, no início da vida, senão não sai do lugar. O momento ideal para... não tem momento ideal. Aparece a oportunidade, você vai. Lá na frente você vê. Deu certo, nem sei como.
Você e o artista plástico Afonso Tostes estão casados há 22 anos. O que você acredita que faz um relacionamento durar bem, no sentido de tempo e qualidade?
A gente tem muita parceria. Conversamos sobre nossos trabalhos, nos ajudamos, opinamos um sobre o trabalho do outro. A gente gosta das mesmas coisas, se diverte, está sempre junto. Fazemos os mesmos planos e desejamos as mesmas coisas da vida. É uma parceria intensa e profunda. Isso ajuda. Temperamento também. Somos complementares: eu mais irritadiça, explosiva, ele mais calmo, não me leva tão a sério.
O que vocês curtem fazer juntos?
A gente adora viajar, é sempre uma experiência maravilhosa. Adoramos estar entre amigos, sair para comer, adoramos cinema, arte, ir à exposição… Gostamos de ficar no meio do mato, cozinhar no fogão a lenha. A gente gosta de caminhar, ao ar livre. Ele é o meu melhor companheiro para fazer as coisas de que gosto.
E quais são os seus próximos projetos?
Estou com dois projetos de série que estou desenvolvendo e apresentando para o streaming. Estou bem apaixonada por eles. É um terreno que quero explorar, como roteirista e, futuramente, como diretora. Chegou a hora de expandir as minhas possibilidades no audiovisual, não somente como atriz. Não dá para adiantar muito ainda, mas estou bem animada, bem feliz.