Com mais de cinco décadas de carreira no currículo, Zezé Motta não imaginava descobrir uma nova função em meio à pandemia. Aos 77 anos, a artista se viu cercada de convites para participar de campanhas publicitárias pela primeira vez: marcas de beleza, lojas, banco, a lista é extensa. Sem titubear, arriscou postar o primeiro “publi” – e, hoje, além de atriz e cantora, virou influenciadora digital. Em poucos meses, viu os seguidores se multiplicarem em seu Instagram, que soma quase 730 mil fãs.
O que surpreende, no caso de Zezé, não é que isso tenha ocorrido na maturidade – já que, ainda bem, ganham força por aí as influencers que falam sobre as questões da mulher com mais de 60 anos. Mesmo tendo uma das mais reconhecidas trajetórias da dramaturgia no país, a artista só havia feito dois comerciais em sua vida: para uma marca de cerveja e para anunciar a venda de terrenos. Chegou a fotografar um terceiro, mas não foi veiculado porque a empresa “desistiu”. Os convites simplesmente não vinham, ao contrário do que ocorre com outras estrelas de TV.
— Confesso que não esperava mais, mas fiquei feliz por saber que tenho 77 anos com prestígio para fazer essas campanhas — admitiu, ao falar dos mais de 30 comerciais que fez recentemente.
Zezé prefere olhar para a frente. Aceitou os (muitos) trabalhos que apareceram e nem chegou perto de parar durante a pandemia. Marcou lives de seus projetos musicais, ensaiou para os papéis no cinema que enfileira e, seguindo protocolos, se permitiu sair para fotografar campanhas. Foi numa dessas ocasiões, ao se submeter a um teste no final do ano passado, que descobriu ter contraído covid-19, de forma assintomática. Já havia perdido familiares para a doença, além de viver o luto pela morte da mãe, aos 95 anos. Sentiu o baque, mas escolheu não esmorecer.
Conhecida como “rainha” pelas gerações que a seguiram, Zezé segue firme em seu propósito de dar mais visibilidade a artistas negros – sobretudo, mulheres. Em julho, ganhou um especial para marcar o Dia da Mulher Negra, contando com nomes como a cantora IZA e a filósofa Djamila Ribeiro.
— Minha bandeira sempre foi lutar contra a desigualdade de gênero, por causa da cor da pele ou da condição social. Fiz parte da fundação do movimento negro. Mesmo que fosse branca, faria parte. Qualquer tipo de discriminação me incomoda — afirma.
Soma-se às suas batalhas o desejo de inspirar mulheres a encararem a maturidade de uma forma mais leve. Não à toa, seus últimos projetos na TV focaram no público 60+. No início do mês, apresentou o especial Falas da Vida, na Globo, no Dia Internacional da Pessoa Idosa. Disponível no Globoplay, também estreou o documentário Prateados – A Vida Em Tempos de Madureza, que reflete sobre questões como rotina, sexo e solidão.
Em um papo repleto de risadas e de boas histórias, a artista abriu o jogo sobre seu jeito de lidar com a passagem do tempo, a vida de avó e sua relação com o lar – que, curiosamente, é o mesmo apartamento em que a escritora Clarice Lispector passou seus últimos anos, no Leme, Rio de Janeiro.
Você viu suas redes sociais ganharem milhares de seguidores durante a pandemia. Como foi essa virada de chave?
Todos nós tivemos que nos reinventar durante a pandemia. Me considerava semianalógica. O fato de ter uma secretária o tempo todo do lado me deixou meio acomodada. Não sabia nem ligar o computador, por exemplo. Com a pandemia, minha secretária está trabalhando de casa. Quando me vi sozinha, disse: “Meu Deus, e agora?”. Pedi ajuda para um amigo que é meu produtor, que mora mais perto de mim. É impressionante, é um caminho sem volta. Quando você acha que está dominando, descobre mais novidades.
Em vídeo, Zezé fala sobre sua relação com o corpo e a idade
Como você escolhe que assuntos vai abordar em seus perfis?
Quando você se interessa por isso, acaba virando uma coluna. Vira um comprometimento, um hábito. É como se eu tivesse uma coluna nas redes sociais. Quando um assunto me chama atenção e acho que é importante, me vem aquele sentimento de que não posso guardar aquilo só para mim. Vem aquela vontade de compartilhar.
Luto contra a desigualdade, a discriminação e o racismo porque queria preparar um mundo melhor para os meus filhos e os meus netos
ZEZÉ MOTTA
atriz e cantora
Você tem feito muitas campanhas publicitárias. Como foi descobrir esse seu lado “garota-propaganda”?
Antes da pandemia, fizeram uma reportagem comigo e com a Ruth de Souza, dizendo que a gente tinha prestígio como atrizes, mas que não havíamos feito campanhas. Fiz uma campanha de cerveja. Antes da pandemia, só tinha feito esse comercial, e um de uns terrenos em Niterói que depois me xingaram muito (risos). Não fazia parte da tribo de comerciais. Esse movimento continua, e não parei na pandemia.
Você escreveu recentemente que “já havia tido já todas as crises a que uma mulher tem direito”, e que agora “faz questão de estar de bem com a vida”.
Sobre crise de idade, tem gente que começa muito cedo, né? (risos) Aos 30, não deu para ter (crise) porque estava no auge do sucesso, o filme Xica da Silva (1976) bombando pelo mundo. Depois tive a dos 40. Era aquele susto, como passa rápido, daqui a pouco vou ter 50! Crise da idade tem a ver com o olhar da nossa cultura para o idoso. Tinha muito a ver com o trabalho, com vida afetiva. Tive e tenho uma vida afetiva movimentada. Sempre digo que sou movida à paixão, já fui casada cinco vezes. Sempre me jogava de cabeça nas histórias. Uma das minhas preocupações nessas crises era com isso, como vou estar aos 50, será que serei correspondida, paquerada? Teve uma fase em que fiquei meio assustada, quando deixei de ter aquele corpo dos 30 anos. Há pessoas que não têm cuidado, né? Diziam: “Mas você tinha um corpo, né?”. É o tipo da coisa que você pode até pensar, mas não deve falar. Meu pânico era por aí. Tudo muda. Hoje, vejo como um ganho. Tenho 77 anos, estou com quilos a mais, e agora na pandemia devo ter engordado uns 10, mas não estou me importando, agradeço por estar com saúde. O vírus passou pelo meu organismo, mas fui assintomática. O que importa é estar com saúde, com prestígio, com amigos. Não estou vivendo um mar de rosas, porque o mundo inteiro está sofrendo. Mas estou muito feliz com meus 77 anos.
Você teve alguma “neura” em relação à passagem do tempo?
Tive uma preocupação por ter que fazer mais exercícios. Fazia pilates e parei na pandemia. Só faço o que gosto (risos). E minhas caminhadas, sagradas. No início, nem as caminhadas fazia. Estou com um probleminha na coluna e no joelho, me cuidando, fazendo fisioterapia. Mas, hoje em dia, tem muitos recursos. O único procedimento que fiz foi nas bolsas nos olhos, meus olhos estavam fechando. Deu uma refrescada no meu rosto, Mas, fora isso, é estar atenta à alimentação saudável, dormir bem e exercícios.
Você começou a trabalhar numa época em que poucas mulheres negras tinham papéis de destaque na TV e no cinema. Acredita que avançamos na relevância e no protagonismo de personagens dados a pessoas negras? Que falem de temas além do racismo?
Mesmo que seja uma mudança lenta, seria hipocrisia minha dizer que não houve. Felizmente, houve mudança. Fico emocionada quando vejo um negro não fazendo só personagens subalternos, como era antigamente. Sempre dizia que lutava contra a desigualdade, a discriminação e o racismo porque queria preparar um mundo melhor para os meus filhos e para os meus netos. Imaginava que poderia partir a qualquer momento, mas queria deixar essa sementinha plantada. Me emociono porque tinha esse ideal e estou aqui, viva, não somente usufruindo disso, mas testemunhando essa mudança.
Você reencontrou seus netos recentemente, após meses de isolamento. Como é viver o papel de avó?
É uma delícia! Minha filha caçula, a Cíntia, adotou uma menina de nove meses. Agora tenho sete netos! Tenho vontade de sequestrar aquela menina (risos). Minha filha me manda fotos toda semana, fico muito emocionada. A Cíntia trabalha com cabelos afro, e adora turbante. Esses dias, me mandou uma foto da neném com turbante, e a roupinha combinando. É muito gostoso ser avó!
Você tem uma relação de muita conexão com a sua casa.
Sou do lar. Sou canceriana, e sou filha de Oxum, que é o orixá mais vaidoso. Morei 40 anos em Ipanema, e tive uns quatro endereços. No último, que era na Lagoa Rodrigo de Freitas, fiquei por 16 anos. Moro aqui há oito anos, mais ou menos. Já estava com a idade avançada, queria um lugar sossegado. Insisti muito no Leme, até encontrar esse apartamento, me apaixonei. Quando estava saindo daqui com o corretor, ele me disse: “Você vai morar na última residência de Clarice Lispector”. Depois, saiu uma reportagem (que citava essa coincidência) e todo mundo ficou sabendo. Várias pessoas pediam ao porteiro se ele me convencia para virem conhecer o apartamento. Duas conseguiram. Uma era amiga do porteiro, e foi pedido dele. Outro encontrei na rua, um chileno. Ele disse que gostava de nós duas, de mim e da Clarice. Ele veio, tremia de emoção. Eu já era fã de Clarice, mas resolvi reler os livros porque ela faz citações de espaços da casa. Fico buscando essas coisas, é emocionante.
Você é apaixonada por livros. O que anda lendo?
Carolina: uma Biografia (editora Malê), sobre a vida da escritora Carolina Maria de Jesus, do (jornalista) Tom Farias. Estou gravando um audiobook que é sobre Carolina, por coincidência. Tenho uma fila de livros! As pessoas sabem que eu gosto, e eu ganho muitos.