A entrevista estava marcada para as cinco da tarde de uma terça-feira por videoconferência. Pontualmente, Sônia Bonetti, de 83 anos, chegou para a reunião online revelando, pela imagem, estar no conforto do sofá de sua casa, em São Paulo. Logo em seguida, foi a vez de Helena Wiechmann, 93 anos, se conectar para o bate-papo direto de seu apartamento na capital paulista. Quase 10 minutos haviam se passado e nada de Gilda Bandeira de Mello, 79 anos, aparecer para o encontro virtual. Sônia, Helena e Gilda formam o trio de avós mais famoso da internet: as Avós da Razão. Por isso, sem uma delas presente, não seria possível começar o bate-papo.
— Não é para falar mal, não, mas estamos sempre esperando a Gilda — diz Helena. — Esperamos sempre pela pior figura, é mole? Já falei isso para ela, mas a Gilda não se acha a pior — completa, entre risos.
— É que ela tem muita autoestima — opina Sônia.
— É bom que falamos mal uma da outra, mas permanecemos amigas de uma vida inteira — emenda Helena, agora, às gargalhadas.
Pronto, a imagem de Gilda surge na tela.
— Cheguei, estava com problemas técnicos. É horizontal ou vertical? Melhor eu não mexer para não dar problema. Me ouvindo vocês estão, né? (risos).
E foi assim que se iniciou a conversa com esse trio de influenciadoras que faz sucesso nas redes sociais por unir irreverência, descontração e muito bom humor. Aliás, foram justamente essas três palavras que deram o tom do papo que durou mais de uma hora, com alguns "percalços" — lá pelas tantas, Gilda teve problemas de conexão, caiu da videoconferência e precisou acionar o neto de 11 anos para fazer as vezes de assessor técnico.
A entrevista comprovou que elas são, nos bastidores, exatamente o que mostram para seus milhares de seguidores em vídeos nas redes: três amigas de décadas sem papas na língua, com muita experiência e prontas para compartilhar tudo o que sabem da vida. Desde 2018, elas estão à frente do canal Avós da Razão no YouTube — hoje, contam com mais de 74 mil inscritos. Já no Instagram, ultrapassam a marca de 125 mil seguidores. O formato que conquistou o público é aquele em que elas investem na pegada da conversa de boteco: bons drinks, petiscos e papo entre amigas que flui sem roteiro.
Geralmente, elas respondem a perguntas enviadas pelos fãs e dão conselhos sobre os mais variados temas, como separação, vida sexual, síndrome do ninho vazio, autoestima, liberdade e por aí vai. Há também dicas de filmes, livros, receitas, enfim, de tudo um pouco. O projeto nasceu sob direção da produtora Cassia Camargo, ex-nora de Gilda, que viu nesse trio de avós distante dos estereótipos uma potência para influenciar pessoas de todas as idades. E elas começaram sem pretensão, só que logo se transformaram em hit. Foram parar no Encontro com Fátima Bernardes, no Tempero de Família — programa do GNT apresentado por Rodrigo Hilbert —, e viraram notícia em revistas e sites no Brasil.
Na pandemia, não pararam de produzir conteúdo. Elas contam que morrem de saudades de tomar uma cerveja juntas pessoalmente, já que precisaram se adaptar aos encontros virtuais devido ao distanciamento social. O foco era continuar inspirando jovens, adultos e idosos de forma segura, sem riscos à saúde. Hoje, as três já estão vacinadas com as duas doses contra a covid-19 e ansiosas para colocar o pé na rua. Mas, enquanto a pandemia não der uma trégua, vão manter a rigidez nos protocolos.
— A gente dava muitas palestras, saíamos muito. Tivemos que parar com tudo e, assim que possível, quando for realmente seguro, queremos retomar. Inclusive, voltar às festas, como a Oktoberfest. Já fomos juntas e foi muito bom! — relembra Gilda.
A seguir, confira os principais trechos do bate-papo com as avós mais pops da internet. Como de costume, elas soltaram o verbo.
50 anos de amizade
A sintonia entre Sônia, Helena e Gilda não é por acaso: são mais de 50 anos de amizade. Helena trabalhava na mesma empresa do ex-marido de Sônia. Depois, para completar o trio, veio Gilda, que foi apresentada a elas por uma conhecida em comum. Ao longo das últimas décadas, passaram por casamentos, separações, empregos, nascimentos de filhos, netos e bisnetos — e, mesmo com os diferentes rumos que cada uma tomou, nunca perderam contato. Sônia foi dona de casa, modelo, secretária e teve dois filhos. Já Helena trabalhou nos estúdios de cinema Vera Cruz, foi repórter e se tornou mãe de duas crianças. Gilda também era mãe de dois e pertencia ao mundo artístico: foi figurinista de televisão por anos.
— Temos muito em comum, gostamos de nos divertir, de nos encontrar, de tomar cerveja em boteco. É uma velhice desencanada. Foi assim que nasceu nosso programa — explica Sônia.
— A gente tá velha, mas não tá morta, entendeu? É isso (risos) — brinca Helena.
Avó sem fórmula
Quando o assunto é a relação com os netos, elas querem colecionar momentos e criar uma conexão verdadeira. Do alto de sua experiência, afirmam: sim, os mais velhos sabem bastante da vida, mas ainda têm muito o que aprender. Principalmente quando se trata de estar aberta a ouvir as gerações mais novas, diz Gilda:
— Parte de ouvir os mais jovens, os netos, aprendemos muito com eles. Os velhos não estão num pedestal, precisamos dessa relação entre gerações, é saudável para a cabeça.
A figurinista confessa que está longe da ideia tradicional de avó, mas não é apenas pelo cabelo roxo, sua marca registrada. Gilda revela que sente pavor de entrar na cozinha:
— Aquela coisa da avó que faz comida gostosa não existe na minha vida, e acho que nenhuma de nós três preenche os requisitos clichês de ser avó. Meus netos, por exemplo, dizem que amam meus nuggets queimados (risos).
Na mesma pegada, Sônia defende que ser avó está bem longe de um padrão e que é preciso parar de tentar colocar as pessoas em caixas.
— Não é indo para a cozinha que nos tornamos avós, somos avós de tantas outras maneiras. No meu caso, é quando eles não me acham chata. Gostar de estar junto com a gente é a melhor resposta, é isso que mostra que estamos no caminho certo — opina.
Bom humor e leveza
Conhecida como a mais bem-humorada do trio, Helena conta que essa forma leve de encarar a vida faz diferença para ter alcançado os 93 anos:
— Com o humor, suportamos uma à outra, suportamos tudo. Esse é o principal segredo em todos esses anos. E, claro, quando nos encontramos tem sempre aquele copinho na mesa (risos).
— Ah, o copinho é lei — diz Gilda. — Mas sempre fomos bem-humoradas mesmo, é nossa marca. Acho que é o sarcasmo que nos une, esse jeito, sabe? — complementa.
Já Sônia vê no bom humor a válvula de escape para encarar os momentos difíceis:
— Tem que tornar as coisas mais leves, é o que a gente faz, apesar das preocupações da vida que todo mundo tem, a gente também. É a maneira de encarar que é mais positiva, e isso não é automático.
Sexo na maturidade
E quando se fala sobre sexo depois dos 70 anos, dá para manter o bom humor? Segundo elas, dá.
— O problema é que está faltando parceiro, né? (risos) — diz Helena.
— Isso que eu ia falar, se não fazemos é por falta de opção, não porque a gente não quer (risos). Já faltava antes, só piorou com a pandemia — afirma Gilda, emendando uma risada alta.
— É isso mesmo: já passou do tempo que o Dia do Orgasmo era todo o dia (risos) — ressalta Sônia.
Brincadeiras à parte, elas acreditam que a vida sexual na maturidade ainda é encarada como tabu. Ainda mais quando se trata de prazer feminino, opina Sônia:
— Crescemos sendo ensinadas que era um ato meio vergonhoso, para se fazer escondido.
E Gilda vai além: acredita que muitas mulheres maduras nunca devem ter chegado ao orgasmo:
— O sexo era uma coisa velada, creio que nossas mães, avós nem se fala, nunca tiveram. A minha avó italiana falava: "Só fiz essa 'porqueria' para ter filho". E teve nove filhos. Só nove vezes na vida? Coitada. Morreu sem aproveitar.
Outro fator que complica a vida sexual da mulher madura, segundo Sônia, é a cultura de homens mais velhos buscarem relacionamentos com pessoas mais jovens. E, quando o inverso ocorre, a mulher ainda é criticada, diz Sônia:
— Os homens não querem transar com mulheres da mesma idade. Se o homem arranja uma namorada 20 anos mais nova, é tudo bem. Mas a mulher é julgada.
Para Helena, a mulher madura precisa entender o sexo para além da penetração:
— É tudo na cabeça, é cerebral. Precisamos exercitar isso.
Autoimagem em xeque
As Avós da Razão também jogam luz sobre outro tema: a autoestima. Gilda lembra que uma seguidora contou que estava interessada no professor de academia que era mais novo – e o instrutor também queria o relacionamento. Porém, ela parou de frequentar as aulas porque se "sentia constrangida com a situação".
— A gente mandou ela voltar correndo! (risos) Há um preconceito ao contrário, a mulher não acredita que o cara está a fim dela. A gente precisa se amar em primeiro lugar — lembra Gilda.
Para Helena, a ditadura da beleza atinge em cheio as mulheres 50+.
— Tem que ser bonita, jovem, ter um corpo espetacular. Isso causa muito problema, é duro. Muitas se colocam para baixo, com complexo de inferioridade — define Helena.
Sônia acredita que não há fórmula para encontrar a autoaceitação:
— Você pode ajudar o corpo a envelhecer bem sem escravidão, se olhar no espelho e se sentir ok, dar um tapinha aqui, ali. Só que, no fundo, não tem muito o que fazer, a velhice é por dentro, por fora. Vamos até um ponto, depois, não tem jeito.
— Fica feio e é isso, precisamos desencanar. A maturidade é libertação também. De manhã, claro que é ruim, é trágico. Me olho (no espelho) e enxergo a minha mãe, parece que não sou eu. Ela era bonita, mas era velha (risos) — completa Gilda.
Preconceito contra o velho
Helena é taxativa: melhor idade não existe. Gilda defende que é "velha mesmo, não idosa". E, se você já usou qualquer diminutivo (que bonitinha, qual o nominho, que fofinha...) para se referir a alguma mulher madura, pare agora, sugere o trio.
— Infantilizar velho é o fim da picada. A pessoa acha que é fofo, só que não é. Lá no fundo, ela está sendo preconceituosa. Digo para os velhos que eles têm que sair da cristaleira, que não são bibelô. Velho é forte, não precisa de ajuda a não ser que peça — reforça Sônia.
Gilda lembra também da guerra que algumas pessoas precisam enfrentar para não serem podadas pela família. Para ela, é uma forma equivocada dos parentes encararem essa fase da vida:
— Tenho amiga que os filhos enchem o saco porque ela dirige, porque vai sozinha não sei aonde. Por quê? Se a pessoa não tiver uma doença, algo que comprometa a saúde, não tem motivo para deixar de fazer. Fez a vida toda. As pessoas vão deixando os velhos retraídos. Aqui é dois trabalhos: um de não deixar, e o outro é eu dirigir o dobro. A gente cai, mas levanta (risos).
Fase de aprendizados
A experiência de vida acaba resultando em mais tolerância para encarar as situações do dia a dia? Não exatamente. O que faz aumentar a paciência, segundo elas, é a preguiça de "aguentar gente chata" e de mergulhar em discussões vazias.
— Não temos mais saco. Ainda mais agora, nessa coisa de política, é um horror, briga, a gente deixa correr frouxo. Não vou me desgastar em um debate inútil. A vida traz esse tipo de paciência — defende Gilda.
— O que aprendemos é que não podemos parar, precisamos estar abertas a mudar sempre. É uma reciclagem diária, na maneira de encarar problemas, as adversidades. É um exercício que temos que fazer para não emperrar — avalia Sônia.
Mas Gilda faz uma ressalva:
— O pior é a cabeça querer fazer e o corpo não acompanhar. Vou até um lugar e quero subir a escada, por exemplo. Até vou, mas subir os degraus é outro departamento, dói tudo, joelho, coluna. Isso é o pior para mim, atualmente. Ter vontade e não conseguir fazer. Dá raiva porque o corpo não acompanha. O resto está bom.
Com bom humor, língua afiada e algumas dores no corpo, elas prometem novidades em breve. O próximo projeto é lançar um podcast, adianta Sônia:
— As ideias não acabam, independem da idade. Estamos a mil.