Aos domingos, Gaby Amarantos esbanja simpatia e personalidade como técnica do The Voice Kids, na TV Globo. Nas quartas, é a vez de compartilhar suas opiniões sobre tudo o que envolve a mulher e a sociedade no programa Saia Justa, do canal por assinatura GNT. A paraense também acaba de lançar seu segundo álbum, Purakê – uma referência ao peixe-elétrico da Amazônia. Cansou só de ler? Pois vem (mais uma) novidade por aí: Gaby deve estrear como atriz na nova novela das seis, Além da Ilusão.
— Acho pouco, universo! Manda mais! — clama Gaby, entre risadas, em um papo por videochamada.
Já se vai quase uma década desde que Gabriela Amaral dos Santos, hoje com 43 anos, deixou a alcunha de “Beyoncé do Pará”. Foi quando a artista ganhou fama no Brasil após Treme, seu primeiro disco solo – que trazia o single Ex Mai Love, tema de abertura da novela Cheias de Charme (2012). Hoje, Gaby é reconhecida como uma artista completa, e não é exagero dizer que se tornou uma das vozes femininas mais potentes do país.
No sofá do Saia, que ocupa desde 2018, revela suas vivências como uma mulher que sempre fugiu aos padrões e hoje entende a importância de nunca ter tentado se encaixar. São valores como a força, a autoestima e o respeito (ao ambiente, ao diferente, ao outro e a si mesma) que faz questão de compartilhar – inclusive, com o filho Davi, 12 anos.
Com vocês, Gaby Amarantos!
O disco Purakê traz temas como a preservação da Amazônia e a vida da mulher nortista. Como foi abordar esses assuntos tão caros à sua trajetória como artista e pessoa?
Tenho muitos papéis neste mundo, mas queria falar da Amazônia, da minha floresta, da região Norte. Trazer essa musicalidade de uma forma inovadora e que eu não precise cantar “a floresta está queimando”. O poraquê é um peixe-elétrico que dá choques de até 850v, e queria falar dessa eletricidade natural. (O videoclipe de) Amor Pra Recordar traz a história da população ribeirinha, que o brasileiro tão pouco conhece.
O que você fez questão de mostrar sobre o povo nortista?
Primeiro, honrar meus ancestrais. Meus pais, meus avós, meus bisavós, a minha árvore genealógica, até onde sei, é de ribeirinhos. Precisava contar essa história, mas do ponto de vista feminino, porque talvez eu não fosse a Gaby Amarantos hoje se não tivesse essa rede de apoio de mulheres da minha família. Das pessoas que me ajudam a criar meu filho, a vir para cá (sudeste do país) e ter a minha carreira com plenitude e tranquilidade. Queria contar a história da mulher que, às vezes, precisa remar duas horas para levar uma criança na escola, ou mais de três, quatro horas para chegar a uma unidade da saúde, isso quando há uma. Mas queria contar de uma forma poética, com cuidado para não romantizar.
Seu filho, Davi, aparece em seu último clipe. Como é a Gaby mãe?
Sou uma mãe muito tecnológica! Tenho a tecnologia para me ajudar, porque meu filho mora em Belém. Ficamos em chamada de vídeo, às vezes, por horas. Sou uma mãe muito de boa porque não dá para ter culpa. Precisei vir para cá para dar uma vida melhor à minha família, e consegui. Tenho total apoio dele. Davi é uma criança maravilhosa, que apoia os movimentos das mulheres. Acredito nas crianças que vêm com esse “chip” de ver um mundo melhor, querer cuidar da natureza.
O que diria para as mães solo, assim como você?
A gente não pode naturalizar isso. (Minha recomendação é) Buscar por seus direitos, porque é importante fazer com que a sociedade entenda que o abandono parental é algo que a gente não tem que achar normal. Desejo toda a força, a fé e a feminilidade para conseguir, porque não é fácil criar uma criança sozinha.
Você se tornou uma referência de autoestima para muitas mulheres. Como aprendeu a lidar com as neuras e a driblar as inseguranças?
É um processo que nunca vai acabar. Temos que reacender a chama todos os dias. E não é “se aceitar”. Tudo bem eu não gostar do meu corpo, tudo bem não estar feliz. Só não podemos deixar esse padrão, que é um grande inimigo das mulheres, aprisionar a gente e fazer com que o nosso conceito de beleza seja distorcido. Ainda achamos que o bonito é o magro, o branco, o eurocêntrico, o olho azul, o cabelo liso. Quebrar esses padrões todos os dias é importante para uma construção melhor de sociedade. Mas também não vamos neurar! Há dias em que estou com neura, e beleza! Vamos relaxar.
Você já contou que, aos 20 anos, só usava preto como “estratégia” para esconder o corpo. Seu estilo hoje, supercolorido e cheio de informação de moda, tem a ver com essa libertação? Como a moda ajudou você nesse sentido?
É um ato político quebrar com isso que falam. Já ouvi que negra não pode usar amarelo, porque não valoriza. Quando entendi que poderia usar a cor que quisesse, e que poderia misturar as cores, e mais estampa, foi tão libertador. Parece algo que não tem muita força, mas tem! Há pessoas que não conseguem nem passar um esmalte rosa na unha. E não é só o peso, mas a coisa do ser brega, sabe? Quanto menos arriscado e mais neutro, melhor. Precisamos quebrar isso. Tudo é processo. Tudo o que eu visto é um ato político. Vejo a indústria da moda colocando que chique é o pretinho, chique é não mostrar a barriga, é o longo. Tudo o que nos aprisiona. Quero dar um dane-se a isso. Chique é ser feliz comigo mesma. Chique é ter caráter. Precisamos ressignificar esse conceito do que é chique. Sou uma mulher que vem do Norte, trago, nesse corpo, o rio, as árvores, a mata. Como vou falar de onde venho através da minha roupa? Os looks do (The Voice) Kids, as pessoas adoram, comentam muito. Nós, brasileiros, temos uma coisa que espero que comece a mudar… Uma artista brasileira usa uma coisa, e as pessoas ficam meio chocadas. Quando a gringa usa, é maravilhosa. Precisamos valorizar mais a nossa arte.
Sua mãe foi uma referência forte em sua infância, inclusive ajudando a pensar seus figurinos. Que outras influências e lembranças especiais você guarda dessa época?
Sou de uma geração que teve pouquíssima representatividade. Mulher negra, que tivesse um corpo parecido com o meu na TV, não existia. Tive que criar as minhas referências, sempre me espelhando nas mulheres da minha família. Minha infância foi muito gostosa, musical. Minha mãe e minhas tias me fizeram colocar a criatividade em prática. Era muito lúdico. Minha tia Ana Lúcia, que já faleceu, fazia encontros para a gente atuar, dançar, para cantar, e eu adorava. Ficava muito em casa ouvindo vinil, eu e meus irmãos (Gaby é a primeira de quatro filhos). Nos filmes e nas novelas, adorava os personagens mais espalhafatosos. Brinco que queria ser a nova Viúva Porcina (da novela Roque Santeiro, de 1985), com aqueles figurinos, turbantes, ou a Elvira, Rainha das Trevas (a apresentadora de programas de terror do longa homônimo de 1988). Tive que virar a minha própria referência.
No início de sua carreira, você recebeu críticas e respostas negativas. Como isso a deixou mais forte?
O plano é esse: que pessoas como eu não tenham visibilidade. É isso que querem? Então, vou fazer o contrário. Cada pessoa reage de uma forma, mas nunca deixei esses “nãos” me abalarem. Nenhuma banda me quer? Vou fazer meu próprio álbum, minha carreira. Fui devagarinho e acreditando, com muita fé, e tendo apoio. Sei que minha representatividade importa, e que muita gente se vê, e isso me alimenta a querer estar conquistando todos os espaços que puder.
Chique é ser feliz comigo mesma. Chique é ter caráter. Precisamos ressignificar esse conceito do que é chique
GABY AMARANTOS
cantora e apresentadora
A chegada aos 40 anos influenciou sua autoestima de alguma forma?
Tô vivendo a melhor fase da minha vida. É uma parada que pega tanto, que pensava: “Vai acabar tudo, ainda mais eu sendo cantora, nessa indústria”. Na TV, se você não for muito nova… Mas começou a acontecer um monte de coisa incrível, muito por eu estar me impondo também. É outro perfil da mulher de 43, não é como quando a minha mãe tinha (essa idade). Ela parecia ter 60. Hoje, estamos mais empoderadas, mais atentas, com mais acesso à informação, no mercado de trabalho, e isso traz um autocuidado que nem é para entrar em padrão, mas para ter saúde pra trabalhar e desfrutar da vida com plenitude. Estou em uma fase maravilhosa, comendo bem, cuidando da saúde.
Recentemente, você mostrou um cartaz no Saia Justa com uma frase da Nina Simone, que diz que o artista precisa refletir seu tempo. Como você equaciona isso, e como encara quem se isenta?
Essa conta vai vir para essa galera que escolhe não se posicionar. Mediante as coisas que temos vivido no mundo, isso é um dever. Sou uma mulher negra, da periferia, com corpo fora do padrão. Não tem como não me posicionar. Mas busco me posicionar com embasamento. O problema é que muita gente não tem base para falar, não quer estudar, acha que a gente tem que estar ensinando o tempo inteiro. Para o nosso país melhorar, a gente tem que estudar. É a arte, a educação e a cultura que vão salvar esse país.
The Voice Kids, Saia Justa, álbum novo, novela, maternidade, casamento, vida pessoal. Como você dá conta disso tudo?
Estou em uma fase especial. Atribuo à terapia, que fez eu me reconectar com a minha fé, estou em um momento espiritual forte. E isso está me alimentando, me enchendo de força para fazer tudo com plenitude e gratidão, porque ter trabalho nesse país é algo que temos que agradecer.
Ficha técnica
Fotos: Rodolfo Magalhães
Styling: Rodrigo Polack
Beleza: Edu Hyde
Look: Rober Dognani (look verde e laranja)
Assistentes de moda: Ana Luiza Ballesteros e Jr Mendes
Assessoria: Melina Tavares Comunicação