Uma carta de amor da esposa para o marido. Ou uma carta de amor ao cinema. São possíveis definições para o documentário Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou, dirigido por Bárbara Paz, que estreia nesta quarta-feira (25) em Porto Alegre, com sessões no Espaço Itaú, no GNC Moinhos e no Guion Center.
Na semana passada, a Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais selecionou Babenco como representante do país na busca pela indicação ao Oscar de melhor filme internacional em 2021 – é o primeiro documentário chancelado pelo país nessa disputa. No Festival de Veneza de 2019, onde fez sua estreia mundial, Babenco recebeu o prêmio de melhor documentário e o troféu Bisato D’Oro 2019 (premiação paralela realizada pela crítica independente).
Filmado em preto e branco, o documentário é um tributo de Bárbara ao cineasta Hector Babenco (1946-2016), com quem foi casada de 2010 até a morte dele. Com uma estrutura fragmentada, o documentário costura memórias e reflexões do diretor. Lança na tela momentos íntimos e frágeis de Babenco em seus últimos anos de vida, entre hospitais, sua casa e o set de filmagem de seu derradeiro longa, Meu Amigo Hindu (2016) – o protagonista vivido por William Dafoe é inspirado no próprio Babenco, que travou batalhas contra o câncer no sistema linfático por mais de 30 anos.
Natural de Campo Bom, no Vale do Sinos, a gaúcha Bárbara fez carreira como atriz no teatro, no cinema e na TV. É apresentadora do programa de entrevistas A Arte do Encontro, do Canal Brasil. Como cineasta, já lançou dois curtas – Minha Obra (2006) e Conversa com Ele (2018) – e dirigiu a série documental Assédio.doc (2019).
Ao saber que seu primeiro longa foi selecionado para disputar a vaga no Oscar, Bárbara conta que ficou emocionada:
– Chorei bastante porque o Hector merecia essa volta. Os últimos anos dele não foram fáceis. Ele levou o cinema brasileiro para o mundo. É uma coisa muito linda esse amor que ele tinha pelo Brasil.
Sobre o ineditismo de o país recomendar um documentário para o Oscar, a diretora opina:
– É um momento muito delicado. Acho que as pessoas estão cansadas de ficção e, por isso, consumindo documentários. Não é à toa que os documentários estão crescendo tanto no mundo, tendo sua produção ampliada pelo streaming.
Argentino e brasileiro
Nascido em Mar del Plata, na Argentina, Babenco radicou-se no Brasil com 19 anos e naturalizou-se brasileiro aos 31. Assinou filmes emblemáticos como Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia (1977), Pixote: A Lei do Mais Fraco (1981) e Carandiru (2003). Alcançou a consagração internacional com O Beijo da Mulher Aranha (1985), que valeu uma indicação ao Oscar de melhor diretor e deu a estatueta de melhor ator a William Hurt. Seu Ironweed (1987) colocou Jack Nicholson e Meryl Streep na disputa do Oscar de atuação.
– Ele realizava um cinema-denúncia. Sempre com temas fortes e relevantes. Falava da sociedade, que estava aqui do nosso lado. Se você ver, ele fez poucos filmes ao longo da vida. Mas cada longa tinha um porquê. Tinha que vir de dentro. Eram coisas que ele precisava vomitar – reflete Bárbara.
Poema visual
Bárbara conta que a ideia para o filme surgiu no leito do hospital. Tinha medo que não houvesse mais tempo de registrar os pensamentos de Babenco:
– Quando ele começava a falar, eu queria gravar, queria que todo mundo estivesse escutando. Um dia, Hector começou a ficar muito mal em uma viagem e passei a filmar com a câmera que tinha. Falei: “Quero fazer um documentário sobre você”. Ele perguntou quando a gente começaria, ao que respondi: “Já comecei”.
A única exigência que o diretor impôs foi que não houvesse depoimentos. Babenco queria falar dele mesmo. No documentário, ele diz: “Eu já vivi minha morte, agora só falta fazer um filme sobre ela”. Bárbara conta que, quando o câncer voltou a atacá-lo nos últimos anos de vida, Babenco quis que o projeto fosse acelerado.
– Vivia repetindo: “Termina esse filme logo” (risos). Foi um trabalho de muito companheirismo. Quando você gosta da pessoa e está se sentindo confortável com ela, você relaxa e mostra mais quem você é. Hector tinha uma lábia ótima – lembra a diretora.
Conforme Bárbara, tudo que está no filme é Babenco. Até a trilha sonora, que tem a canção Exit Music (For a Film), do Radiohead:
– Ele gostava muito de Radiohead, inclusive ficamos amigos deles. A banda nos deu essa música. Hector ouvia de música clássica a Radiohead e Caetano. Todas as músicas que estão no filme fazem parte dele. Eu queria filmar tudo que ele amava. Tudo que ele era.
Com uma linguagem lírica, Babenco é uma ode à vida do cineasta em forma de poema visual. Bárbara ressalta que queria fazer este filme como se escrevesse um conto sobre seu marido. O resultado é uma carta de amor projetada na tela.
– Como se fosse uma carta de amor dele para o cinema, e minha para ele. Acho que o amor costurou muito esse filme, feito como se fosse uma colcha de retalhos. Não tem nenhum esconderijo ali, é tudo muito claro. Muito próximo – destaca.
Próximos projetos
Bárbara é a terceira cineasta mulher a ter seu filme selecionado para representar o Brasil na categoria estrangeira do Oscar – depois de Suzana Amaral, com A Hora da Estrela (1985), e Anna Muylaert, de Que Horas Ela Volta? (2015). Ela tem a intenção de seguir trabalhando na direção em seus próximos projetos, buscando uma linguagem mais autoral. Como inspiração para sua trajetória atrás das câmeras, cita a cineasta francesa Agnès Varda:
– Ela tinha essa pretensão de ser autoral, de fazer o filme que ela queria. Creio que vou caminhar por esse caminho também. Acho que converso mais com o cinema de arte, mais intimista mesmo.
Bárbara pretende lançar em breve um curta chamado Ato. Outro projeto para o qual foi convidada para dirigir é o filme de autoria da escritora Antonia Pellegrino, que se chama Silêncio.
– Nunca vou deixar o teatro, sou atriz de teatro, mas devo partir mais para a direção mesmo. Sou muito feliz na direção. Acho que sei ser a maestrina (risos).
Por fim, a cineasta também prepara um filme sobre sua própria vida. Ainda não há um recorte específico, apenas esboços, mas já se sabe que será uma ficção. Sem maiores detalhes, Bárbara promete:
– Vai ser um filme forte (risos).