Gabriela Medvedovski não nasceu no Rio Grande do Sul, mas é em Porto Alegre que se sente em casa. Foi por isso que a paulista de 27 anos decidiu encarar o distanciamento social em razão do coronavírus na capital gaúcha, ao lado do pai e da mãe, no bairro Petrópolis.
O período virou oportunidade de matar a saudade do carinho do qual ela sente tanta falta desde a mudança para São Paulo, quando decidiu tentar a vida como atriz, em 2016. Da chegada ao centro do país para a estreia na televisão foi pouco mais de um ano: a guria estrelou Malhação: Viva a Diferença (2017-2018) e caiu nas graças do público na pele da mãe adolescente Keyla – a trama está sendo exibida novamente na Globo durante a pausa na gravação. Agora, o desafio de Gabriela na emissora é ainda maior. Ela está no núcleo principal de Nos Tempos do Imperador, nova novela das seis que estrearia em março, mas foi adiada devido à pandemia da covid-19.
– Ver de perto essas pessoas que por muitos anos foram minhas referências é muito louco. Sempre que posso, mesmo quando não estou gravando, fico acompanhando o trabalho deles. É uma oportunidade que não posso desperdiçar – conta a atriz.
No folhetim, Gabriela vive Pilar, uma jovem que deseja se tornar médica. Em pleno século 19, esse sonho esbarra na cultura da época, e ela acaba prometida em casamento a um político. Mas Pilar é determinada:
– É movida pelas paixões. Apesar de estarmos falando de uma mulher do século 19, ela tem questões muito contemporâneas. Mesmo abordando temáticas antigas, os questionamentos são atuais.
Fora das telas, Gabriela se mostra tão determinada quanto Pilar. Vivendo em Porto Alegre desde os dois anos, ela sempre foi apaixonada pela dança. Tanto que chegou a dar aulas no Colégio Israelita Brasileiro – a jovem é de origem judaica e morou um ano em Israel. Foi em meio às coreografias que ela começou a se questionar sobre o futuro. Formou-se em Publicidade e Propaganda na PUCRS, embora tivesse cada vez mais certeza de que seus rumos seriam outros. Sem experiência em atuação, decidiu participar de uma seleção para o elenco no Natal Luz de Gramado. E passou:
– Foi importante para me provar que, de repente, tinha alguma chance de dar certo. Em São Paulo, comecei a fazer aulas em uma escola de teatro musical. Não achava que ia entrar tão cedo no audiovisual, mas veio Malhação, que é uma escola. A equipe tem uma atenção especial porque sabe que as pessoas estão começando.
Para não deixar o nervosismo bater, confessa que tenta não pensar no tamanho do desafio que é ser protagonista de uma novela das seis. O que não quer dizer que distanciamento social seja sinônimo de férias. O isolamento também inclui trabalho, já que o foco é não perder o sotaque baiano conquistado a muito custo.
– Acompanho os canais da galera de Salvador para ouvir o sotaque. Sigo tentando falar, converso com os meus pais em baianês (risos).
Na entrevista que você lê a seguir, a atriz fala mais sobre o novo desafio da carreira, a relação com Porto Alegre e como vê a importância da união feminina para mudar a sociedade.
Em Malhação, você vivia uma guria que encarava o mundo. Já a Pilar, de Nos Tempos do Imperador, segue essa mesma linha de correr atrás do que quer. Elas são parecidas com você em alguma medida?
Acho que nós três temos em comum a determinação. Elas são determinadas a correr atrás do que acreditam. Acho que nunca tinha me dado conta da força de vontade que eu tinha, percebi conversando com as minhas amigas esses dias. Nesse isolamento, temos buscado muito umas às outras. Uma delas me falou que fui umas das mais corajosas do grupo. Coloquei na cabeça e fui para São Paulo. Deu no que deu.
Falando em covid-19, como encarou o isolamento? Está equilibrando trabalho e descanso? Ou foi uma momento de aproveitar a família mesmo?
Estou tentando fazer aquilo que me faz bem. Não podemos nos colocar uma pressão de que seja um momento muito produtivo e acabar se frustrando. Ficar mal porque um dia não fez exercício, ou qualquer coisa. Estamos vivendo um momento delicado. Estou tentando passar por essa fase da forma mais leve possível. Estar em casa já é muito diferente, muito atípico. Parece uma viagem no tempo aqui com os meus pais. Isso está muito bom, porque, no meu contexto normal, estaria sozinha. Estou fazendo exercício junto com meus pais, estamos cozinhando juntos, comprei um quebra-cabeça de mil peças, é o nosso momento de diversão em família. Estou lendo, vendo séries, filmes. Não estou estudando o texto, estou estudando a história da personagem, de onde veio, para onde vai. Mas tudo de uma maneira leve, sem expectativas para não ter frustrações. Se quiser dormir, vou dormir. Não vou pesar o clima aqui se lá fora já está tão pesado.
Quando a novela estrear, você vai dialogar com um público mais amplo do que em Malhação. Se considera pronta para lidar com essa visibilidade, inclusive por meio das redes sociais?
Acho que, hoje em dia, não tem mais como não ser responsável pelo o que se fala e posta. Você tem a opção de se envolver ou não, mas é inevitável. Tento usar minhas redes sociais e esse espaço que eu ganhei de forma bem consciente. Tudo o que eu posto, penso bastante antes, o quanto é interessante, o quanto posso auxiliar alguém, ou prejudicar, com aquelas palavras. Troco muito isso tanto com a minha assessora quanto com as minhas amigas e as pessoas que são importantes para mim, que me ajudam na formação como pessoa.
Em Malhação, sua personagem viveu na pele o suporte de uma rede feminina. Acredita que, fora das telas, as mulheres estão se unindo cada vez mais para lutar pelo que acreditam?
Cada vez mais, a gente vem trazendo luz para esses assuntos. Inicialmente eu via, principalmente no Rio Grande do Sul, muita resistência a esse assunto. Tanto que eu mesma fui aprender muito mais quando saí da bolha. Mas hoje eu vejo esse assunto tão mais leve, é inevitável falar sobre isso. A gente é silenciada diariamente. E, quando não somos silenciadas, temos que pagar um preço muito alto para sermos ouvidas. É muito difícil ser escutada e ser reconhecida. Quando criamos essa rede de apoio, de amigas, eu vejo isso mesmo comigo, de conselhos que nos dávamos antes e que nos damos agora, o entendimento que temos hoje em dia, a empatia, a tolerância. Vejo isso dentro do meu grupo de amigas, como é mais bonito hoje do que era antigamente. É óbvio que é um reflexo desse movimento que vivemos, das trocas que temos, da literatura que compartilhamos. Eu tento trazer isso diariamente para a minha vida, consumir produtos de redes femininas, ler mais autoras, ver filmes de diretoras, para conhecer mesmo, não só para incentivar. Acho que vemos cada vez mais o reflexo desse movimento de mulheres que motivam mulheres.
Nesse sentido, vários movimentos femininos tomaram conta das redes sociais nos últimos anos, como Me Too e Primeiro Assédio. Como enxerga a importância dessas ações que ganharam notoriedade na voz de famosas?
Muitas vezes, as pessoas não sabem os contextos em que estão inseridas, não entendem bem. Então, quando existem esses movimentos, como o Não é Não, do Carnaval, como o Primeiro Assédio, que as pessoas têm acesso, principalmente através da internet, que é a grande responsável por viralizar esses assuntos, começa uma reflexão. “Nossa, acho que isso aconteceu comigo”, ou “É muito parecido com o que eu vivo hoje em dia, será que está certo isso?”. No fundo, sempre achamos que tem alguma coisa meio esquisita, mas, às vezes, pensamos que “o problema sou eu”, vamos nos culpabilizando, achando uma desculpa. É difícil ver a realidade. Esses movimentos são importantes para abrir os nossos olhos, e também para trazer um novo diálogo. É muito sobre informar a nós mulheres e chegar também nos homens.
Você já precisou ganhar peso para viver a personagem em Malhação. Fora das telas, como é sua relação com o corpo e a pressão pelos padrões de beleza?
Hoje em dia não tenho nada em relação a isso. Na época da novela, teve o assunto da automedicação, de aceitação, de padrão, de pressão estética. Naquela época, precisei estar um pouco acima do peso que a sociedade diz que é o padrão. Porque tem isso, a sociedade diz o que é estar acima do peso, ainda que isso não quer dizer que você esteja acima do peso. Foi uma demanda do trabalho naquele momento. Hoje, não tenho mais nada com relação a isso. Tenho uma relação com o corpo tranquila.
Antes de ser atriz, você foi bailarina e chegou até a ser professora. A dança ainda tem espaço cativo na sua rotina?
Dança é, foi e sempre vai ser uma das coisas mais importantes da minha vida. É onde me entendi artista, me entendi ser humano, aprendi muito. É um lugar terapêutico para mim. Eu desconecto, é sagrado, é um momento de conexão comigo mesma. Acho que nunca vou parar de dançar, nem no distanciamento social, a gente sempre dá um jeito. Para mim foi muito importante ter sido professora, foram três ou quatro anos. São duas áreas de que gosto muito, a dança e a educação, e consegui convergir isso. É um momento guardado com muito amor e carinho em uma época na minha vida. Hoje, estou focada em novos desafios, mas tento conciliar a dança com as gravações. Não temos uma rotina muito certa, às vezes consigo fazer três vezes na semana, às vezes uma vez, outras nenhuma. Vou tentando administrar. Quando não dá para dançar, vou fazer exercício na academia, correr na praia. Mas a minha preferência, se for escolher, é a dança, não tenho dúvida, qualquer dança. Faço balé clássico e contemporâneo.
Você já morou em São Paulo e, hoje, vive no Rio de Janeiro. Do que mais sente falta dos tempos em Porto Alegre?
Me considero gaúcha, não tem como não me considerar. Me entendi como ser humano aqui, vivi a vida inteira aqui. Minha escola foi aqui, a faculdade, foram mais de 20 anos na cidade. Quando me perguntam, digo que sou gaúcha. Mas daí tenho que explicar que não nasci aqui. Meu pai é gaúcho, e a minha mãe, paulista. Tenho a influência dos dois desde sempre em casa. Amo São Paulo também, mas Porto Alegre é onde eu cresci, onde tenho a minha família, a casa dos meus pais. É muito porto seguro. Tento vir pelo menos uma vez por mês. O que eu mais sinto falta são minha mãe, meu pai, minhas amigas e meu quarto. Mas, quando estou aqui, amo ver o pôr do sol no Guaíba, às vezes vamos lá tomar chimarrão, gosto de passear, ir na Encol, passar na Lancheria do Parque. É tudo meio gastronômico aqui (risos). Sinto muita falta da comida daqui. Paladar faz a gente lembrar, é ligado com a memória. É relembrar a minha vida aqui.
Quais os planos para o futuro?
Por enquanto, estou muito focada na novela, minhas energias estão aí. Mas eu tenho muita vontade de fazer cinema, o seriado das Five (spin-off de Malhação, que estreia no segundo semestre de 2020, no Globoplay) foi muito cinematográfico, era uma equipe híbrida. Foi uma experiência para entrar nesse universo. Tenho muita vontade de fazer cinema e de voltar para o teatro. É onde me reconecto com o palco, é transcendental.