Nanda Costa é cercada por mulheres fortes. Assim como sua personagem Érica, que tem na mãe, Dona Lurdes (vivida por Regina Casé), uma projeção de luta e resiliência, a atriz busca inspiração da família. Ao lado de mãe, tias e primas encontra as histórias e o colo para descansar da rotina de gravações da novela das nove Amor de Mãe.
Também na companhia delas que deu os primeiros passos para a formação da "verdadeira Nanda", sem barreiras.
– Eu achava que, para ser uma atriz e estar na novela das nove, não podia ser a Nanda que ama uma mulher, que é palhaça, que gosta de sair muitas vezes, de se arrumar e tomar uma cerveja no boteco da esquina – contou a atriz, em entrevista à Revista Donna por telefone.
Casada com a musicista e compositora Lan Lanh, ela fala sobre o desejo de ser mãe, a experiência como compositora e os planos para a carreira.
Sua personagem em Amor de Mãe tem uma personalidade forte. Como é viver a Érica e inspirar outras mulheres que a assistem?
A Érica foi um presentaço, ainda mais neste momento, em que as mulheres estão se posicionando. Ela foi muito bem criada pela Dona Lurdes (personagem de Regina Casé), com princípios e valores, tem orgulho de ser quem é. Tem uma frase dela que eu adoro: “Não estou procurando alguém que me faça feliz, eu já venho feliz de casa”. Isso diz muito sobre a pessoa que ela é, uma apaixonada pela vida. A Érica se joga nas coisas em que acredita.
Na trama, sua personagem descobre o quanto a mãe sofreu com violência doméstica, além da questão de ter um irmão que foi vendido. Como é para você tratar dessa situação em uma novela no horário nobre, sabendo que a violência doméstica é uma realidade em tantos lares?
Acho que a gente precisa falar sobre todo tipo de violência. Com amor, com arte, vamos trazer mais clareza para as pessoas entenderem o que está acontecendo, denunciarem e perceberem que não estão sozinhas. E que pode acontecer com qualquer pessoa. Não deveria e não pode, mas infelizmente é a realidade. Então, acho que é muito importante a gente falar disso, até para trazer o assunto à tona para as pessoas debaterem.
Em Segunda Chamada (série que foi ao ar em 2019, na TV Globo), sua personagem faz um aborto clandestino e morre. Como foi a construção deste trabalho?
Quando eu soube da personagem e como seria a história dela, foi de rasgar o coração. Uma mulher que fica mais de um ano tentando fazer laqueadura porque já tem três filhos e tem problema de saúde, não pode tomar anticoncepcional... Enfim, no dia da cirurgia, descobre que está esperando mais um filho e não vai poder operar. Ela só vê o aborto como alternativa, porque não tem condições financeiras. É muito importante a gente falar sobre a saúde. Precisamos estar atentos e lutar pelos direitos humanos como um todo. A gente paga tanto imposto, é muito triste ver a situação que está atualmente no SUS, os medicamentos faltando...
Você foi criada por sua mãe e sua avó, numa família de mulheres, que é a realidade de muitos lares brasileiros. O que essa configuração familiar trouxe de ensinamento?
Minha família é tudo, minha base, minha raiz. Sempre procuro voltar para casa e viver a energia de estar na presença daquelas mulheres poderosíssimas. Minha vó é comerciante, teve cinco filhos e até parece um pouco a história da Lurdes, pois morava em um sítio e, para ir até Paraty, ia em um burro ou em um cavalo, botava os filhos dentro de um cesto, que chama jacá. Quando vi a Lurdes indo embora para o Rio de Janeiro em uma carroça, fiquei muito emocionada, porque é a história que minha avó conta. Tenho uma tia, a Maria Isabel, que tem seis filhas mulheres, e faz uma cachaça bastante conhecida que tem o nome dela e está no ranking como uma das seis melhores do Brasil. Toda minha família é de mulheres muito potentes. Então, sempre penso e me orgulho muito delas.
Achava que para ser uma atriz e estar na novela das nove eu não podia ser a Nanda que ama uma mulher, que é palhaça, que gosta de sair muitas vezes, de se arrumar e tomar uma cerveja no boteco da esquina".
Em entrevista recente, você falou sobre o seu desejo de ser mãe, que foi inclusive adiado por conta da novela. Como estão esses planos?
Congelei os óvulos porque a gente nunca sabe o dia de amanhã. É uma facilidade que a medicina nos trouxe, porque a idade mais arriscada chegando, e o óvulo já não está tão saudável. Sempre aparece um trabalho e vai se adiando um, dois, três anos. E pode fazer uma diferença significativa na saúde da gestação. Optei por congelar porque estava no meio do processo. Vou sentir ainda, porque eles estão lá congeladinhos, e decidirei qual vai ser o momento. O desejo existe, mas uma coisa que aprendi com minha avó, que é essa mulher maravilhosa, é: só se fala depois dos três meses na barriga. E o que posso falar é que tenho um desejo. Meu desejo de aumentar a família com a Lanh é real.
Você disse que o casamento civil foi uma escolha para facilitar o registro de seus futuros filhos. Como você avalia os avanços (ou não) dos direitos da população LGBT no Brasil?
Cada vez mais eu luto para a coisa ser natural e, então, por que não vou casar no civil? Namoramos quatro anos e meio, quase cinco anos, de uma forma não tão natural na rua.
Os amigos sabiam, a família sabia, mas era sempre cuidando se tivesse uma pessoa fotografando ou olhando. Isso é muito angustiante, é muito ruim não poder ser quem se é de verdade. Foi ruim e durou muito tempo. Apesar do relacionamento ser maravilhoso, era uma coisa que, ao mesmo tempo, tinha esse lado. A partir do momento em que a gente assumiu, em que a falamos disso pública e abertamente, eu acho que foi melhorando cada vez mais. Veio a vontade de mudar para uma casa só, de aumentar a família e de casar no civil. Claro que, pensando em aumentar a família, também facilita, já está no documento que são duas mães. Se não for desta forma, tem que entrar com um pedido de adoção para outra mãe. Tenho os óvulos congelados, mas também penso em adotar um pouco mais para frente.
Na canção Não É Comum, Mas É Normal, em parceria com a Lanh, você mostrou seu lado compositora. Como foi o processo de criação?
Foi muito legal, e a gente fez em casa, tocando um violão e cantando. Eu sempre brinquei de compor, mas parece que ficou sério: a Maria Bethânia tocou uma música nossa, e a gente foi indicada ao Grammy latino de melhor música em língua portuguesa. Acho que dei sorte assim. Mas a Lanh também, puxa, ela é uma compositora fantástica. E falando sobre a naturalização, a gente vai se inspirando nas pessoas e a coisa vai ficando tão normal que, hoje em dia, nem é mais um assunto, um alarde. De “Ah, você viu que fulana está namorando uma menina?”, e aí falam “E daí, o que que tem, a fulana também, aquela outra também”. Mas, ao mesmo tempo que a gente recebeu muito carinho, o preconceito está aí. E meu avô me falava uma coisa: “Algumas pessoas vão levar o tempo delas para entender isso. O importante é que você saiba que o importante é você viver sua vida e ter certeza de que não está fazendo nada de errado. Você está amando e, no caso, é uma mulher. Então vive isso e deixa que cada um no seu tempo vai entender”.
Você tem atuado em diferentes frentes. Como vê esse momento da tua carreira? Tem gostado de participar mais de séries e formatos mais curtos?
Adoro trabalhar, não me importo muito com o veículo. “Ah, você gosta de fazer filme, cinema, série, novela?”. Depende da personagem, de tanta coisa. Então, fico feliz de poder experimentar formatos diferentes, de me jogar. Gosto de trabalhar, não gosto de ficar parada.
Dia desses, você relembrou o filme Sonhos Roubados em seu Instagram e falou sobre as dificuldades que o cinema nacional enfrenta. Como vê esse momento?
Nossa, fico muito triste, com o coração partido, mas também vejo meus amigos arregaçando as mangas. Tipo: “Vamos dar um jeito, vamos fazer com baixo orçamento”. Eu vou fazer o que for preciso e acho que a gente tem que se incluir no time e tem que lutar com todas as forças que tiver. Fiquei muito feliz de ver que o filme do Paulo Gustavo (Minha Mãe É Uma Peça 3) tem a maior bilheteria nacional da história em um momento que está tão difícil para o cinema. Então eu vibro com essas conquistas.
Ao mesmo tempo que a gente recebeu muito carinho, o preconceito está aí. E meu avô me falava uma coisa: “Algumas pessoas vão levar o tempo delas para entender isso. O importante é que você saiba que o importante é você viver sua vida e ter certeza de que não está fazendo nada de errado. Você está amando e, no caso, é uma mulher. Então vive isso e deixa que cada um no seu tempo vai entender”.
E você terá sua primeira produção internacional. Como foi encarar esse trabalho?
Foi uma surpresa deliciosa porque nunca corri atrás da carreira internacional e nunca me preparei para isso. Meu inglês é muito mais ou menos. Quando me ligaram, já tinha recebido dois convites internacionais, mas não sei se eu fiquei com medo ou o que aconteceu. Falei: “Não, meu inglês é ruim”. Nem sei se poderia estar com o texto decorado, até porque eu estava fazendo um trabalho aqui no Brasil que estava muito empolgada. Mas desta vez veio esse convite e, então, falei a verdade: “Olha, meu inglês não é muito legal”. E eles responderam: “Não, mas você vai falar esperanto no filme”. Nunca tinha nem ouvido falar de esperanto direito! Tive um mês para me preparar e um tradutor. Foi um desafio muito legal e diferente de tudo que eu já tinha feito. Também não fiquei preocupada porque se o meu esperanto não estiver muito bom não tem problema porque pouquíssimas pessoas que vão entender.
E você pretende seguir fazendo produções fora do país?
Gosto de desafio mas, apesar dos pesares, amo meu país, amo estar aqui, fazer cinema, trabalhar por aqui. Iria, mas não penso em mudar para seguir carreira fora, isso não é um desejo, pelo menos não agora. Prefiro lutar pelo cinema nacional.
E você voltou a cogitar, em algum momento, deixar a atuação novamente? Você falou sobre o assunto depois de Salve Jorge.
É muita visibilidade e, às vezes, a gente não está tão preparada, inclusive emocionalmente. Eu era muito nova e, de repente, já estava fazendo cinema com uma carreira legal, saí de uma coadjuvante da novela das seis para protagonizar a novela das nove. E com a internet, essa terra de ninguém, as pessoas falam de tudo. Na época, eu me preocupava muito com o que as outras pessoas diziam. Na internet tudo vira uma coisa, porque fazem críticas e nunca são construtivas: são piadas por piadas, porque o cara quis ser engraçado. A gente tem que estar muito preparado e saber que, às vezes, no que estão te atacando não tem o menor fundamento, é apenas uma pessoa frustrada que está ali só para apontar do dedo.
E ninguém taca pedra em árvore que não produz fruto, então quanto mais a gente produz, mais vão atacar. Naquele momento foi a primeira vez que eu tive uma visibilidade tão grande e me assustei, acho que foi isso. Achava que para ser uma atriz e estar na novela das nove eu não podia ser a Nanda que ama uma mulher, que é palhaça, que gosta de sair muitas vezes, de se arrumar e tomar uma cerveja no boteco da esquina.
Quais teus planos profissionais agora?
Tenho três ou quatro longas para estrear que já estão prontos. Emendei uma coisa na outra e foi uma loucura desde Entre Irmãs. Depois fiz Pega Pega quase junto, e dois dias depois estava na preparação para Segundo Sol. Agora estou querendo dar uma parada até para eu me reciclar, me alimentar de outras coisas e poder voltar diferente.