Abro a geladeira. Encontro a salada mista que sobrou do almoço. E iogurte natural, água, alface, chicória, queijo fresco, ovos e uma tigela de morangos. Penso em tirar uma foto e postar no Instagram com uma legenda motivadora: "Por uma vida mais leve e saudável". Ganharei seguidores e ninguém suspeitará a saudade devoradora que sinto da época em que simples e natural era se empanturrar de porcarias.
Até os 30 anos, eu ingeria veneno como se todo dia fosse aniversário de criança. Era um festival de corantes e aromatizantes artificiais. Abria um pacote de nachos e passava cream cheese em cada um, os dedos ficavam cor de laranja por três dias. Comia pão branco com glúten, queijo processado sabor cheddar e salsichas tipo Viena, isso quando não comprava cachorro-quente na rua, com uma mostarda tão amarela quanto uma placa de trânsito.
Adorava um picolé vermelho que mais parecia tinta congelada no palito. Comia pizza industrializada. Churrasquinho de gato vendido em frente a estádio de futebol. Churros de doce de leite fritos numa panela com azeite reaproveitado há duas semanas.
Bala de goma, pirulito com chiclete dentro, pipoca de micro-ondas, bolacha recheada, barras gigantes de chocolate, refrigerante normal, fast-food e seus derivados. Fazia muitos anos que havia abandonado as bonecas e os bambolês, já namorava, trabalhava e levava vida de gente grande, mas ainda não conseguia cortar os laços com a parte da infância que me preenchia de satisfação e cáries.
Palitinhos de queijo, croissants, risoles, empadinhas, folhados e mais tudo que fosse feito com farinha. Brigadeiros, quindins, balas de coco, leite condensado e mais tudo que levasse açúcar. Já fui muito adepta das falsas promessas de felicidade.
Era uma época de displicência e farra dos sentidos. Cancerígenos eram a nicotina e o alcatrão. Vibrei quando o cigarro virou o vilão da turma prejudicial à saúde — não ter sido fumante era meu salvo-conduto, como se uma coisa tivesse a ver com a outra. Até que engravidei. E intuí que mães deveriam dar bons exemplos. Reduzi as porcarias e comecei a incluir alimentos de verdade no cardápio, mas a desintoxicação foi lenta e a despedida, dolorosa. Custei a atingir a maturidade nutricional.
Hoje, ao entrar no supermercado, percorro os corredores das guloseimas sem melancolia, já não me abalo diante dos pacotes de salgadinho. Dou fraquejadas em eventos festivos, claro, mas estou no controle, consigo entrar em êxtase com o azeite extravirgem, a cúrcuma e o sal do Himalaia. Acolho frutas, verduras e peixes. No desespero por um doce, o chocolate 80% cacau resolve a questão. Chega para todo mundo a hora de olhar para trás e se conformar: basta, já me diverti o bastante.