Eu precisava estacionar em um quarteirão onde raramente havia vaga disponível, então saí de casa com antecedência: imaginei que teria que dar voltas e voltas até conseguir encaixar meu carro entre outros dois. Porém, contrariando minha expectativa, logo encontrei um espaço perfeito para meu veículo, só que havia uma senhora em pé, plantada bem ali, sobre o asfalto, no espaço da vaga, olhando ansiosa para os lados.
Dei uma buzinadinha sutil para avisá-la que ocuparia a vaga e que ela deveria subir até a calçada. Ela não me deu bola. Dei ré até me aproximar dela, abri o vidro: vou estacionar, a senhora poderia dar licença? Ela respondeu: estou guardando o lugar para meu marido, ele logo vai chegar.
A mulher estava em pé, no meio da rua, entre dois carros estacionados, guardando a vaga, impedindo que qualquer outro carro – no caso, o meu – se apropriasse daqueles cinco metros que seu marido viria a ocupar quando chegasse. Ela parecia um cone.
Absurdo, eu sei, mas minha disposição para o bate-boca é zero. Dei mais umas voltas no quarteirão e depois de 10 minutos encontrei outra vaga. Esqueci da mulher e do seu papel impróprio de bloqueador humano.
Até que escutei de um amigo uma história similar. Ao entrar no estacionamento de um shopping lotado, em meio às voltas que se dá no subterrâneo, ele visualizou uma vaga livre, com um homem ali em pé, parado. Meu amigo fez sinal de luz. O cara não se mexeu. Meu amigo abriu o vidro e pediu licença.
O cara se fez de surdo. Até que a situação ficou insustentável e o homem “estacionado” disse que não sairia dali até que o carro do seu filho chegasse. Estava guardando o lugar. Não há nenhum cartaz nos postes ou nas garagens públicas que diga que não se pode colocar um corpo humano guardando o lugar de uma vaga.
É questão de bom senso, porém o bom senso anda desprestigiado. Quem dirige um carro, busca um espaço destinado aos carros, mas há quem subverta a norma: vence quem tiver a empáfia de se declarar dono do pedaço.
É assunto de importância? Nenhuma. Importam as queimadas, as mudanças climáticas, as guerras estúpidas. Mas é no dia a dia que a gente enfrenta o mundo. Eu aceito com serenidade as derrotas mínimas, a fim de me poupar para as derrotas máximas. Mas meu amigo, aquele que tentava estacionar no shopping, não foi tão benevolente. Não desistiu. Brigou pela sua vaga.
Minutos depois, o garoto aguardado pelo pai apareceu com seu veículo e, petulante, gritou para meu amigo: vaza!! Ele não vazou. Chamou os seguranças. E estacionou. Perdeu um tempinho, mas fez o que devia. É o super-herói de pessoas como eu, desabilitadas para as disputas prosaicas. Só ocupo vagas que não me obriguem a me exaltar.