Em 2016, recebi um e-mail de um homem que eu não conhecia. Ele morava no Rio, mas estava na Patagônia, fazendo uma viagem de carro. Durante seu longo retorno para casa, fez um pit-stop em Porto Alegre e me convidou para jantar, mas não aceitei, mesmo ele tendo se esforçado.
No e-mail, fez uma síntese de quem era, o que fazia, o que pensava, quais seus projetos e a razão de me escrever, além de anexar fotos da viagem, do seu carro, do seu rosto e até mesmo da sua carteira de identidade, o que me fez rir, demonstrava humor na sua intenção de provar que não era um serial killer.
Agradeci, dei uma trelinha para compensar o tempo que ele havia perdido escrevendo aquela mensagem que mais parecia um currículo, mas não me aventurei, jantei em casa.
Lembrei desta história quando, semana passada, recebi um e-mail de outro desconhecido. Vou trocar seu nome, mas a mensagem era a seguinte: Meu nome é Giba, há muito tempo desejo conhecerla pessoalmente ou algumas palabras no celular.
Escreveu apenas isso — no cabeçalho, não no corpo do e-mail, que veio vazio. O retrato da penúria, a síntese desses tempos. Ele preferiu matar o assunto rapidinho. Se apresentar para quê? Revelou apenas o apelido e não se preocupou em explicar se o uso do estrangeirismo era erro de digitação ou resquício do idioma natal. Eu que lutasse.
É comum as pessoas reclamarem que tudo dá errado para elas, culpando as conspirações cósmicas, que nunca alinham com seus planos. O Giba ficou sem uma resposta privada, mas inspirou essa crônica de utilidade pública: não se passa no vestibular chutando as questões, não se vai bem numa entrevista de emprego sendo monossilábico. Tem que se puxar. Fazer valer o investimento.
Quem teve um poema publicado em uma revista, enviou uns 25. O turista que conseguiu uma passagem de avião barata ficou a madrugada inteira pesquisando promoções. Lembra quando dependíamos de ligações telefônicas para empresas que só davam ocupado? Quantas horas tentando, tentando, até ser atendido? Que bets, que nada: a melhor aposta é em si mesmo.
Quem almeja algo, não pode ser preguiçoso, que se dedique um pouquinho
MARTHA MEDEIROS
Não somos prêmios para ninguém, não estamos em promoção, mas o exemplo do Giba serve de alerta: quem almeja algo, seja o que for, não pode ser tão preguiçoso. Que se dedique um pouquinho, até para demonstrar que tem alguma noção sobre as dificuldades da vida.
Eu imagino o Giba deitado numa cama às quatro da tarde, abatido, entediado, escrevendo aquelas duas linhas entre uma soneca e outra. Já o carioca que perambulou pela Patagônia voltou a me escrever mais uma, duas, três vezes, e acabamos namorando. Não durou para sempre, mas foi divertido. Quando a persistência encontra a confiança, dá match.