Proibir todo e qualquer aborto no Brasil, incluindo os casos que, desde 1940, são permitidos por lei (gravidez decorrente de estupro, anencefalia do feto e risco de morte para a gestante) é um retrocesso que, Deus queira, não irá prosperar – tenho fé. Uma fé que colide contra a má-fé de quem sente prazer em tornar a vida de desconhecidos um inferno.
Parte dos brasileiros usa a sua religiosidade para ir na direção contrária ao que prega. Deus é sinônimo de amor ao próximo, solidariedade, compaixão, mas nada disso é levado em conta. Preferem distorcer os valores cristãos, sem se aprofundar em nada. Que falta faz ler ensaios, filosofia, poemas, que sempre foram complementares à Bíblia.
Aborto não é uma questão penal, e sim uma questão ética: ou se escolhe interromper a formação de um embrião, ou se induz à morte mulheres adultas e, muitas vezes, meninas de 12, 13 anos, que não poderão ter acesso a cuidados médicos.
A fim de ficar bem na foto com o Senhor, a bancada dos petulantes decide que a vida de uma cidadã que um dia nasceu, cresceu, que trabalha e que talvez já seja mãe tem menos valor do que um embrião ainda sem existência social.
Não acho nada simples essa discussão, mas não se pode calar diante da hipocrisia: pessoas com condições de pagar por cirurgias ao largo da lei, em clínicas que fazem tudo por dinheiro, tentam obrigar mulheres e meninas pobres a terem um filho que elas não desejam ou não podem criar. É uma desumanidade travestida de boa ação. Sem chance de Deus se sentir orgulhoso disso.
Não há mulher que, uma vez decidida a não levar sua gestação adiante, vá obedecer a uma ordem do Estado. O Estado não tem nada a ver com a intimidade dela. O Estado deveria, no mínimo, não atrapalhar o que já é tão difícil. A mulher que não quer construir um vínculo imposto, buscará, sozinha, alternativas insalubres. Atentará contra o próprio ventre e poderá ir a óbito por desespero. As estatísticas comprovam.
Ou seja, não há nenhum viés protetor na proibição do aborto. Não se está fazendo nada pelo bem das mulheres. É um projeto punitivo, que visa apenas dar um verniz de santidade aos que ocupam cargos públicos.
A fé vem não apenas do espírito, mas do coração. Eu tenho fé que deputados e senadores que foram eleitos para zelar pelo bem social não sejam tão cruéis, nem tão covardes – em vez de pensarem na próxima eleição, pensem no que podem fazer hoje pelas suas conterrâneas.
Não construam sua carreira política sendo moralmente desonestos (todos pagariam uma clínica para sua esposa ou filha que estivesse na mesma condição). Não sejam tão reles e tão desafinados com a religião que fingem respeitar. Em suma, não envergonhem Deus.