Fui chamada de negacionista. Nunca duvidei da pandemia, cumpro todos os protocolos, não saio sem máscara, estou viciada em álcool gel, não aglomero nem com os meus parentes, comemoro cada vacina, mas fui chamada de negacionista – xingamento que me ofendeu bem mais do que outros impropérios que colunistas, em geral, costumam receber. E que, com o passar do tempo, já não fazem nem cócegas. Couraça que chama.
Fui chamada de negacionista por ter me rendido às Olimpíadas. Acho até que foi a primeira vez que me interessei por elas dentro do meu histórico de não atleta. E até isso se relaciona com o respeito ao isolamento social, contrariando o cidadão que me vociferou o NEGACIONISTA na cara. Ainda é preciso ficar em casa – nós, os que temos casa.
Isso lembra que o projeto de lei que impedia os despejos e desocupações até o fim de 2021 em razão da pandemia foi totalmente vetado pelo presidente, mesmo tendo sido aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Totalmente vetado. Não sobrou sequer uma condiçãozinha, pessoa doente e sem recursos, mães sozinhas, idosos, nada. Entende-se a necessidade dos proprietários de receber seu justo aluguel, mas é cruel ver tanta gente que teve casa e profissão ser jogado na rua com seus poucos pertences e muitos filhos. Número que agora vai aumentar, cortesia da presidência da República.
Julgar, como se sabe, é a regra número um da internet.
Voltando ao negacionismo. O ex-jogador de futebol Tadeu Ricci disse uma vez que “(...) o futebol aliena e, no que se coloca o futebol neste plano exagerado, outras situações básicas para a vida do ser humano ficam esquecidas”. Talvez o sujeito que me julgou por sentir orgulho do desempenho dos atletas brasileiros nas Olimpíadas se enquadre nesse caso. Julgar, como se sabe, é a regra número um da internet.
E como não sentir orgulho? Só um coração de pedra ficaria indiferente à trajetória do Isaquias. Às dificuldades que a Rebeca passou para voltar de Tóquio com duas medalhas. E não só ela, como ficou claro nos depoimentos da grande maioria dos atletas depois de ganhar, ou perder, o pódio. Falta de contratos, de patrocínios, de lugar para treinar, de dinheiro para pagar as contas, até de comida.
Mais um breve aparte, agora sobre o tema comida. A deputada estadual Janaína Paschoal, de São Paulo, encontrou o grande responsável pela Cracolândia, região do centro da cidade. Segundo ela, ao atender e alimentar aquela população, o padre Júlio Lancellotti, que dedica a vida ao acolhimento dos invisíveis, incentiva as pessoas a ficarem nas ruas. É como botar a culpa da fome no mundo na criança que não limpa o prato. A reação ao comentário infeliz da deputada foi a explosão de doações ao trabalho do padre Júlio. Ouro para quem pratica a solidariedade.
Voltinha final nas Olimpíadas.
Eu sei que foram mais de 400 casos de covid entre as delegações e o pessoal de apoio, mais de quatro mil casos em Tóquio apenas no último dia das competições. Ainda assim, prefiro mil vezes ligar a TV e ver a Ana Marcela, o Abner e o Alison festejando suas medalhas, que um desfile de blindados. Ou uma motociata – desde já uma das piores novas palavras da língua portuguesa, tanto na forma pelo que representa.
Sendo bem corporativista, cada vez me emociono mais com os discursos que citam as mães. Porque, vamos combinar, essa é uma instituição que desde sempre apoia o esporte, a arte, o desenvolvimento. O Daniel, bronze no judô, dedicou a vitória à mãe dele: “Acho que a gente sonhou junto isso, e vou ser bem sincero que queria era pegar, ligar para ela e falar que valeu a pena. Quando uma vez estava em um treino, pequeno, voltei chorando porque tinha apanhado muito. Ela falou: ‘Não, Dani, vamos comer alguma coisa e amanhã é um novo dia.’”
Amanhã é um novo dia. Que seja.