Há quanto tempo você não vai ao circo? Sem contar a pandemia e o retiro tão compulsório quanto voluntário, eu nem lembrava da minha última vez. Foi, quem sabe, há uns 20 anos, época de crianças pequenas na família. Então a lona montada atrás do terreno do Bourbon Shopping, em Novo Hamburgo, apareceu no meu caminho. O resto é essa história, estrelada pelo elenco do Circo dos Dinossauros.
Logo na entrada, dois dinos que parecem saídos do Jurassic Park. Eles foram os últimos a se juntar à trupe, um investimento alto com a ideia de atrair o público mais fiel do picadeiro, as crianças. Com a chegada dos dinossauros, o circo mudou até de nome, e caiu na estrada prevendo longas temporadas de sucesso.
Então veio a pandemia.
Quando o mundo fechou, em março de 2020, eles estavam no Uruguai. Por conta dos muitos brasileiros no elenco, a turma decidiu que seria melhor esperar as coisas melhorarem no Brasil. Chegaram a Jaguarão e não conseguiram avançar. No primeiro mês, como todos nós, ainda estavam tranquilos. Vai passar, pensavam, daqui a pouco a vida volta ao normal.
No terceiro mês, a grande ficha caiu. Não ia passar tão cedo.
Vivendo nos trailers e motor-homes, sem renda alguma, cada artista deu seu jeito para sobreviver. Os caminhões estampados com as fotos dos números foram fazer fretes e mudanças pela região. Quem tinha carro virou motorista de Uber. Lwann, o palhaço, com dois filhos pequenos, atacou de eletricista, instalador de antenas, pintor e o que mais aparecesse. “Peguei depressão. O circo não é só sustento, é a nossa vida. Ver tudo desmontado, sem o público rindo, o picadeiro vazio, foi muito triste”.
Em junho de 2020 conseguiram ir para Pelotas, para apresentações no formato de drive-in. No começo, quando as buzinas substituíram as palmas, eles tomaram um susto. Mas resistir é a regra número um desta arte que – oficialmente – é conhecida desde o Império Romano, lá por VI a.C.. Depois de passar também por Cidreira e Imbé, o Circo dos Dinossauros chegou a Porto Alegre em janeiro de 2021 para, eles acreditavam, uma temporada que botaria a casa em ordem.
Então veio a segunda onda do coronavírus.
Sem perspectivas, cada artista tomou um rumo diferente, Celina, dois filhos pequenos, casada com o sonoplasta e técnico de elétrica, decidiu ficar. No terreno onde o picadeiro não foi montado, teve a companhia do motorista do circo e sua família enquanto o marido vendia molas pelo país. Ela, que faz um número com tecidos e vai lá no alto da lona, deixando senhoras e senhores com frio na barriga, é hoje a artista que está há mais tempo na companhia, espécie de conselheira de todos. Viu o trapezista argentino Sebastian ir embora para Buenos Aires com Aylen, sua mulher e parceira de palco. O performático Dimitri, que abre o espetáculo com um número de tecido e maquiagens que chegam a levar um turno inteiro para serem concluídas, partiu para a casa da mãe, em São Paulo.
O que mais comoveu o pessoal durante esse longo período foi a solidariedade. Lwann conta: “Não tem tamanho a gratidão pelo público que ajudou a gente com doações, com alimentos. A gente pensou, e agora, como é que se compra comida pra filharada? E de uma hora pra outra começaram a chegar cestas básicas, incrível. O tempo que a gente ficou parado serviu para ver que as pessoas gostam muito do circo.”
Alguns dos artistas conseguiram o auxílio emergencial, mas nem todos foram considerados aptos para receber o benefício. Celina conta que, sem um programa de apoio, inúmeros circos fecharam e muitos artistas, com suas famílias, se viram na rua, vários deles longe de seus países.
Enquanto não chega a hora de pegar a estrada, o Circo dos Dinossauros segue com as últimas apresentações em Novo Hamburgo, um laudo na entrada atestando o cumprimento dos protocolos. Porque “o palhaço quer passar alegria, não doença”, diz Lwann. E em tempos de pandemia, alegria é vida.