É um dia que chega para todo mundo, seja por escolha, seja por contingência. Pode ser porque a cor da parede começou a dar nos nervos, e aquele rosa-escândalo que você escolheu com tanto gosto já não parece tão repousante depois de uma interminável pandemia.
Se a razão for um vazamento, um descolamento, uma rachadura, aí não tem jeito. A única coisa a fazer é: obra. Uma obra em casa. Tem gente que curte, eu sei.
E são justamente essas as pessoas que têm as casas sempre nos trinques. Porque manter um apartamento em dia não é uma tarefa simples, não apenas na parte da limpeza, mas da funcionalidade mesmo.
Ora é um curto-circuito que queima metade das lâmpadas num fiiizzzzhhh.
Ora é um entupimento sei lá onde – e a casa assiste, impotente, à revolta dos ralos.
Ora são as esquadrias que, ao contrário de certas pessoas em cargos eletivos, trabalharam com o tempo. E agora o vento entra pelas frestas como um convidado indesejado da família.
As razões para uma obra não programada em casa são muitas, algumas bem mais graves do que as citadas acima. Na parede da sala de uma amiga, a rachadura que ela imaginou ser na pintura revelou-se um problema estrutural cabeludo. Não era prédio erguido pela milícia, mas os métodos do construtor se assemelhavam, ao menos na qualidade dos materiais. Minha amiga, grávida – sim, porque a vida apronta dessas nos momentos mais inoportunos –, está morando hoje na casa dos sogros. Desejo que tire as calças da empresa. Mas isso só após um processo que, com certeza, vai levar muitos e muitos e muitos anos.
Quando a necessidade de uma obra se junta à vontade de ver a casa mais bonita, e ainda calha com algum dinheiro que entrou inesperadamente, quase um milagre na atual situação do país, o resultado é: obra. Uma obra maior do que o inicialmente planejado.
Já que é preciso trocar os canos, por que não mexer no revestimento da cozinha, esse que data de alguma época esteticamente desfavorável ao design, pintado com uma tinta fosca para atenuar a feiura? E já que a ideia é mexer no revestimento, por que não trocar também o piso, ainda mais feio que os azulejos, se é que isso é possível? E já que a cozinha vai ficar tri, por que não reformar também o banheiro?
Obra em casa vira obsessão. Você passa os dias se inspirando no Pinterest, faz tours virtuais pelas lojas de materiais, entra mil vezes no Google em busca de novidades e belezuras para deixar a casa com cara de revista. Algo que, definitivamente, não combina com o seu orçamento, mas que você faz mesmo assim. Completamente viciada em torneiras, pastilhas e louças.
Quando a obra começa, um tanto do sonho desaba. Impossível ficar em casa com aquela bateção e o pó. As quatro semanas iniciais não demoram a virar cinco. Seis. Sete – e não se fala mais nisso. Pobres dos vizinhos, que precisam aturar a obra dos outros. Nos apartamentos mais antigos, remover um piso produz uma quantidade de pó capaz de atingir, e tingir de branco, o prédio da frente. Tempestade no deserto, sabe? Há que se levar em conta que a rapaziada que trabalhou para nós não era das mais caprichosas, mas como saber disso antes de começar uma obra?
As quatro semanas iniciais não demoram a virar cinco. Seis. Sete – e não se fala mais nisso. Pobres dos vizinhos, que precisam aturar a obra dos outros.
Tudo estaria dentro dos conformes, não fosse uma ligação da vizinha do andar de baixo na noite em que eu chegava em Bagé: faz alguma coisa urgente, o meu apartamento está alagando.
Com a ajuda da síndica, descobriu-se que a turma saiu na sexta-feira deixando os canos todos sem bucha, uma chuva ininterrupta de outono no closet, nos banheiros, no quarto dos vizinhos. Que diante da tragédia, entre me matar e resolver a questão, ficaram com a segunda hipótese. Só por isso consegui entregar esta coluna.
De volta ao lar, agora é tomar um remedinho para a rinite e botar as coisas no lugar. A caneca estimada, pelo que tem de cimento, foi usada para misturar algum material. As panelas que furaram, espero, tenham sido usadas para tamborim. E tudo o mais que nos entregaram quebrado e estragado deve servir para a prática tão difundida do desapego. Só pode ser isso. A Monja Coen que vive em mim saúda a Monja Coen que existe em você.
Obra em casa, faça, sim.
Mas, para o seu bem, jamais me peça indicação.