Leitores de quadrinhos vão lembrar. O Mundo Bizarro é uma das aventuras do Super-Homem, lançada no distante 1960, que conta sobre um planeta simetricamente oposto à Terra, desde o seu formato (alô, alô, terraplanistas) até o comportamento de seus habitantes. O tal planeta foi colonizado por um casal formado por um clone defeituoso do Super-Homem, o Super-Homem Bizarro – mas pode chamar apenas de Bizarro –, e sua esposa, Lois Bizarro, clone da Lois Lane, eterna namorada do Homem de Aço. Criado por algum cientista lelé aqui na Terra, o casal de clones vazou do nosso planeta por se sentir rejeitado. A população era mais simpática aos originais Super-Homem e Lois que às suas cópias malfeitas. Dá para entender. Gostar mais dos bizarros seria preferir a famosa restauração feita por uma senhora espanhola de 80 anos à pintura do século 19 que então enfeitava a parede de uma igreja em Borja.
Fato é que o casal bizarro encontrou um planeta para chamar de seu, e o povoou com clones imperfeitos deles mesmos. Os imperfeitos dos imperfeitos, e aí entra bem o clássico bordão do Xaropinho – o mascote do bizarro apresentador Ratinho: rapaaaaaaaaaaaz. Mais tarde, o casal bizarro teve filhos bizarros, e outros personagens do universo do Super-Homem ganharam versões bizarras, entre eles o editor de jornal Perry White Bizarro. A série teve participações especiais de outros personagens bizarros, por exemplo, o Aquaman Bizarro, que não sabe nadar, e o Flash Bizarro, o sujeito mais lerdo do universo. No Mundo Bizarro, o inimigo mais ardiloso do Super-Homem, Lex Luthor, virou um cabra bonzinho.
Corta para o Brasil, maio de 2021. Em plena pandemia, uma multidão de motoqueiros acompanha o presidente pelas ruas do Rio de Janeiro. De capacete, mas sem máscara. Todos em alegre comunhão de perdigotos, e a gente sabe onde isso vai parar. Caso alguém tenha esquecido: nos leitos dos ainda sobrecarregados hospitais e UTIs. Até aí, nada que espante. Os ajuntamentos têm acontecido a cada trecho de estrada ou ponte abertos ao tráfego pelo país, inclusive os que nada têm a ver com o governo federal. Estivessem as coisas normais, seria normal. Atire a primeira pedra o governante que jamais cumprimentou com o chapéu alheio. Só que são tempos bizarros, e esses ajuntamentos muito bem justificam a CPI, eles e todas as outras barbaridades que a gente vem testemunhando desde março de 2020. Ia escrever: que a gente tem vivido. Mas seria uma grande falta de respeito com os mais de 450 mil mortos da pandemia e suas famílias.
No ajuntamento dos motoqueiros, entre tantas bizarrices, foi bizarra a cena do repórter Pedro Duran, da CNN – emissora que não faz oposição ao atual governo –, escoltado pela polícia para não ser linchado pela turba. Um rapaz sozinho, ameaçado e corrido por estar, veja que ofensivo, trabalhando. Poucos dias depois, a ditadura da Belarus sequestrou um avião tão somente para prender um blogueiro de 26 anos que atentava, com palavras, contra o governo. Não se sabe o que vai acontecer com ele.
Ninguém precisa concordar com a opinião dos jornalistas. Mas daí a impedir que trabalhem, vai uma graaaaande diferença
Ninguém precisa concordar com a opinião dos jornalistas. Aliás, esse foi um dos temas da minha última coluna. Mas daí a impedir que trabalhem, vai uma graaaaande diferença. Eu mesma estou sendo processada por um emérito apoiador do atual governo por causa de uma coluna, de maneiras que a queda da estátua de Capão da Canoa me encheu de boas esperanças sobre o meu caso. Sem pensamento mágico, sobreviver de que jeito?
O Brasil bizarro que acha justo um auxílio emergencial de 300 e poucos pilas, enquanto o aumento de salário para o presidente, servidores federais aposentados e militares da reserva vai custar R$ 66 milhões a mais ao ano, é o lugar perfeito para o jornalista Perry White trabalhar – mas não o do Super-Homem, nem a sua versão bizarra. O Perry White que estaria à vontade aqui era o criado pelo saudoso jornal O Planeta Diário, nos anos 1980, um velho homem de imprensa conservador, sempre pronto a vender a opinião do jornal a quem pagasse mais.
Naquele tempo, era uma piada, e a gente ria. Hoje, há quem acredite que todo jornalista age mesmo assim, o que justificaria a violência, a força e as medidas judiciais para calar a imprensa. Seria cômico se não fosse bizarro.