Um amigo disse que, em tempos de comunicação digital, o PS perdeu a sua razão de ser.
PS, o post scriptum, aquela informaçãozinha que complementa uma carta, às vezes com objetividade, às vezes com graça, às vezes com poesia. Também pode ser com graça poética objetiva, depende de quem escreve.
Para o meu amigo, o PS fazia sentido quando, após escrever uma carta caprichosamente à mão, com caneta tinteiro ou Bic mesmo, o missivista percebia ter se esquecido de alguma coisa. Óbvio que, nessa situação, a pessoa jamais reescreveria tudo para acrescentar o que ficou para trás.
A missa da formatura começa às 19h.
Tia Amélia está atacada do ciático.
Adotamos um novo cãozinho, o Luizito.
A solução era o PS que, dependendo do tom, podia ser até mais interessante que a própria carta.
PS: Eu te amo.
PS: Tirei teu nome do meu testamento.
PS: Mamãe está tendo um caso com seu Odair, o vizinho do 602.
Uma professora do ensino primário, a Irmã Urbana, veio transferida para dar aulas em Porto Alegre. Ela tentou fazer com que eu, com uns 10 anos de idade, mantivesse correspondência com uma aluna dela do Pará. Podia ter sido uma boa experiência, mas tanto eu quanto a outra menina éramos pequenas demais para achar graça naquilo. Minha mãe sentava comigo para escrever e eu quase dormia, de tão chata que era a minha vida de criança de apartamento para contar. Quando chegava a resposta da menina, tão desinteressante quanto a minha, eu ia direto para o PS, que em geral dizia: um abraço para a Irmã Urbana.
O PS tinha essa função. Estando o assunto da carta enfadonho, ia-se direto para ele, para ver o que realmente importava daquelas páginas todas. O suco da carta. Isso, claro, se as cartas não fossem de amor. Se fossem, até as maiores banalidades mereciam a mais atenta das leituras.
Com as cartas na máquina de escrever, mesma coisa. O Errorex era ótimo para consertos em textos de trabalho, mas ficava feio mandar uma carta toda remendada. Fora a desconfiança: uma linha inteira apagada, o que será que ela se arrependeu de escrever? O PS continuou não apenas útil, mas indispensável. Parecia uma instituição eterna, como a própria carta. E mais, a gente podia se valer de vários PSs, se necessário fosse. PS2, PS3, PS4. Hoje em dia, os desavisados ficariam boiando: que que tem o PlayStation a ver com isso?
Então veio o computador. O ponto do meu amigo é: ninguém precisa mais recorrer ao PS se basta voltar atrás e acrescentar o que faltou e onde der. Como se escrever fosse isso, achar um lugar qualquer e enfiar uma informação à moda Miguelão. Não é assim que funciona. Independentemente da tecnologia, vida longa ao PS. Que ele continue colorindo as nossas cartas.
PS: Um abraço para a Irmã Urbana.