Eu antes das Olimpíadas: absurdo esse troço, para que fazer um evento desse tamanho em plena pandemia, que falta de responsabilidade, e a variante delta, e as variantes todas? Eu durante as Olimpíadas: acorda, são quase cinco da manhã, a gente vai perder o arremesso de martelo.
É, senhoras e senhoras, falar mal das Olimpíadas até a estreia foi fácil. Impossível foi ignorar toda e qualquer competição enquanto os atletas davam a vida por uma medalha. Começou com o Kelvin, prata no skate. Logo o skate, um dos pesadelos de toda mãe. Lembro de ir trabalhar com o coração na bolsa, deixando o meu rebento – em tese – catequizado: o meio da rua é perigoso, anda só na calçada, cuidado, vai de capacete, joelheira, cotoveleira, vê se não te quebra todo. Até o dia em que um amigo me disse: vi o teu guri de skate na Nilo Peçanha, costurando entre os carros.
Para fazer valer minhas rugas, bem que ele podia ter se profissionalizado. Mãe de atleta bem-sucedido, eu viveria de administrar aquela jovem carreira. Entrevistas só depois das onze da manhã, campeonatos pelo mundo e viagens, muitas viagens. Pois sim.
O ouro do Ítalo no surfe provocou minhas primeiras lágrimas, escondidas só até o momento em que surfista e repórter choraram juntos. Na sequência, a Rayssa, com seus treze anos de talento no skate, trouxe de vez as Olimpíadas para dentro de casa. Não sei quem foi o gênio que brincou com o slogan da TV, “despertando o melhor de nós”: e a gente aqui, torcendo para as outras crianças caírem.
A essa altura, dos esportes coletivos menos atraentes aos individuais menos chamativos, vi de tudo. O fuso horário atrapalhou, dormir tarde demais ou acordar na madrugada cobrou seu preço principalmente depois do almoço, hora em que o computador quase perdeu a luta para o sono. Quase, porque o verdadeiro campeão de sobrevivência com obstáculos (alguém se identifica?) lembra dos boletos e pode até cabecear, mas trabalha enquanto Tóquio dorme.
E bota cabecear nisso, acordando às quatro para ver a Mayra se superar mais uma vez, e a Rebeca Andrade iluminar o país inteiro. E o Cargnin, o Fernando, o Bruno, o Abner, o Alisson, o Thiago, a Martine e a Kahena, a Luisa e a Laura. A Ana Marcela, absoluta, medalhou em horário comercial. A torcida, agora, é pelo Isaquias.
De tudo o que aconteceu até agora nessas Olimpíadas, talvez um fato do não esporte seja o mais corajoso. A ginasta Simone Biles romper com cinco anos de treinamentos exaustivos tanto física quanto mentalmente, e fazer isso no palco onde se esperava que ela quebrasse a banca, como havia acontecido no Rio em 2016, terminou por trazer uma discussão que a gente costuma ver no cinema, mas não na vida real.
Essa vida de espectadora de Olimpíadas fez de mim uma fortaleza. Cabeça para cima e vamos de novo
Nos filmes, o atleta que se sacrifica a ponto de prejudicar a própria saúde e colocar em segundo plano os seus relacionamentos é personagem carimbado. Em geral, ele acaba perdendo tudo e depois dá a volta por cima com o apoio, adivinhe, de todos aqueles que precisou abandonar para se dedicar à carreira. Já a Simone Biles decidiu fazer diferente. Dedicou a infância e a adolescência ao esporte, tanto às glórias quanto às dores, vai dedicar a vida de mulher adulta à sua própria saúde. Menos medalhas e mais leveza. Quem não conhece essa realidade pode julgar?
Pode, claro. Em um programa desses de muitos homens proferindo verdades sobre todos os assuntos, a Biles foi comparada a um executivo poderoso e cheio de reuniões que, mesmo sem tempo para ver os filhos, jamais largaria sua profissão. É aí que se percebe que esses homens, os que proferem verdades sobre todos os assuntos, não entenderam nada. Melhor nem citar o lugar de fala para não ouvir a cansativa alegação de mimimi.
De tristeza, só as gurias do futebol terem ficado pelo caminho. E, infelizmente, mais de quatro mil casos de covid entre as delegações e o pessoal de apoio em Tóquio. Mas essa vida de espectadora de Olimpíadas fez de mim uma fortaleza. Cabeça para cima e vamos de novo. Até Paris 2024.