Neste dia 8 de março, trouxemos histórias de nomes femininos por trás das cozinhas de Porto Alegre, seja cuidando do seu próprio negócio, comandando as panelas ou cuidando da estética daquilo que comemos.
O GUARDANAPO DA ELISA
O Chicafundó é um lugar único. Já passou por diferentes endereços, mas serve comida deliciosa há mais de 14 anos, na Capital. É comandado por Elisa Prenna, mas quem ilustra as paredes e o ambiente são os clientes.
– Essa balancinha que está ali, eu ganhei de um cliente quando vim para cá, o Cláudio Osório. Ele é um psiquiatra que vem toda semana. Logo no início, quando que ele ainda nem era muito da casa, ele contou que estava reformando seu consultório, que tinha uma balança e que a enxergava aqui no restaurante – relembra Elisa.
Essa é a essência do lugar, desde sua concepção. Um sonho da própria Elisa, de ter um armarinho pequeno, onde cada porta representasse um cliente. Assim, cada um poderia guardar o que tivesse afinidade.
– Ali ele podia deixar a garrafa de uísque, o copo preferido, o talher que tivesse afinidade – explica.
O guardanapo sempre existiu. Os clientes mais assíduos, que tivessem conexão com a casa, ganhavam um guardanapo bordado com seu nome.
– Era um sonho, uma loucura, um devaneio. As pessoas começaram a se conectar, e era muito verdadeiro, não era nada forçado – conta.
Depois da pandemia, quando todos os guardanapos foram empacotados, muitos clientes acabaram falecendo. O Chicafundó não recebia mais a clientela com os panos bordados. Até o Carnaval deste ano.
– “É agora!”, falei. Vamos começar a presentear os nossos novos clientes. E as pessoas ficam muito emocionadas. Eu conto a história e elas ficam muito felizes – diz encantada.
Formada em administração, Elisa conta que decidiu abrir um negócio com essência de bistrô, focado no prato do dia. À época, recebeu críticas sobre a ideia, por não seguir os padrões dos restaurantes mais tradicionais.
– Parecia que eu era louca. Porque eu queria fazer tudo de um jeito home made, de bistrô raiz, então o Chica tem a mesma essência e a mesma alma de 14 anos atrás. São os mesmos que cozinham, que atendem. Somos os mesmos desde sempre. A gente não é muito de onda, a gente é muito da essência, da raiz, de manter a nossa tradição. Então, a nossa ideia inicial, e que segue até hoje, é um lugar onde tu te sentes bem, onde a comida é farta, que não segue uma regra fixa. A gente é muito do sem frescura, do despretensioso – defende.
O Chicafundó não tem cardápio fixo. Por lá, são os próprios ingredientes que vão definir o menu da semana. A casa abre para almoço apenas de quinta a sábado, mas nos outros dias da semana também é possível encomendar os pratos congelados.
O BRASIL DA DANI
Muito mais do que um pedacinho da Bahia em solo porto-alegrense, o restaurante replica o Brasil inteiro em uma casa de arquitetura aberta, bem luminosa, com decoração de artesanato brasileiro. Engana-se quem pensa que irá encontrar fitas do Bom Fim ou o estereótipo que temos na memória. O Iaiá, há 15 anos, é a desconstrução dessa ideia, com um adendo delicioso: comida bem feita.
– A gente quis fazer uma viagem pelo Brasil. Então, o nosso restaurante dá uma pincelada nas regiões mais significativas da culinária brasileira. Tem comida do norte, do nordeste, do centro-oeste e aqui do sul também – conta Daniela Craidy, proprietária do Iaiá Bistrô.
Bobó de camarão, risoto de camarão à provençal, nhoque de filé ao funghi, moqueca, acarajé, pato no tucupi, bacalhau e muitos outros pratos já fizeram ou fazem parte de um cardápio rico em cultura, cor e sabor.
– Não tinha nada parecido em Porto Alegre. A gente tinha expertise e o nicho existia. Eu viajei e fui conhecer outros restaurantes, tanto os “pé na areia” quanto os mais requintados, para fazer um apanhado geral. Assim, a gente foi lapidando o cardápio, né? Conseguimos fazer um menu bem variado, de frutos do mar a carnes vermelhas – explica.
É através do menu do Iaiá que podemos confirmar que o Brasil é um país de culinária versátil. Prova disso são as comidas favoritas da Dani.
– Não tem nada de brasileiro. Minha avó é alemã e fazia, há 40 anos, um prato que comíamos com pão. Era um cogumelo na nata azeda. Isso, para mim, tem gosto de infância. Também lembro do sorvete de creme caseiro, outra receita de família, servido com calda de frutas vermelhas. Na minha cozinha, há muito da colônia portuguesa, da colônia italiana e da colônia alemã – relembra.
A CANTINA DA ANA
A cozinha da Ana Spina é a verdadeira definição de comida que abraça. Receitas caseiras e típicas italianas. Ir à Cantina Spina é sentir-se em casa, sentir-se abraçado a cada garfada, é querer sempre voltar. Ana herdou a cantina do pai e mantém o legado da família com muito amor e dedicação.
A casa laranja com verde, esquina entre as ruas General Lima e Silva e Olavo Bilac, é morada da, como bem chamam, Tradizionale Cantina Italiana. O sonho de seu pai, depois do açougue da família, era de replicar um restaurante nos mesmos moldes vistos no país de origem, com receitas que trouxe de lá.
Da frascatula – polenta frita coberta com queijo e orégano – ao rascatelli ao molho sugo, passando pelo nhoque, pela bolonhesa, pelo espaguete e por todos os outros preparos, tudo é feito artesanalmente na casa. Processo adquirido muito antes de assumir a cantina, já que, ao lado da mãe, Ana produzia pratos congelados para vender.
– Lembro que saía com uns sacolões, cheios de potes, para vender os congelados que eu e mamãe fazíamos. Sonhos, pizza, sanduíche de lombinho com abacaxi – conta nostálgica.
Há quase 30 anos, ela leva o mesmo esmero pela gastronomia para o salão da cantina, perpetuando a comida caseira e o amor pela culinária italiana.
– Eu falo para os meus clientes que gostaria que meus filhos tivessem um lugar para almoçar perto de onde eles trabalham com o mesmo tempero que o meu. Todas as comidinhas são feitas como se fosse em casa. E eu considero os meus clientes como filhos – fala.
Ela ainda traduz tudo em duas palavras: amor e dedicação.
– É muito gostoso quando tu colocas o prato na mesa, vem aquele sabor delicioso e as pessoas gostam, comem e ainda querem levar para suas casas. É uma realização – afirma.
O OLHAR DA DUDA
Nas embalagens do mercado. No cardápio do restaurante. Na televisão. No site da marca. As fotos de comida estão espalhadas em todos os lugares. Mas engana-se quem pensa que não é preciso cozinhá-las. Por trás dessas produções, uma gaúcha coloca a mão na massa para preparar pratos para estampar ou ilustrar um produto.
A Relações Públicas Duda Pedone decidiu investir na gastronomia para viver. Atravessou o mundo, formou-se na Le Cordon Bleu, da Austrália, voltou ao Brasil e passou por diversos restaurantes até perceber que não era no tumultuado mundo das cozinhas que se encontrava. Entre uma produção de minimuffins e mini-hambúrgueres para festas e um freela de produção e outro, descobriu o food styling. A pessoa por trás da profissão é responsável por nos deixar babando apenas com uma imagem de comida, seja ela em vídeo ou em foto.
Da suculência de uma carne à textura da cobertura de um bolo, os truques são inúmeros. O segredo da bola de sorvete, por exemplo, é a gordura vegetal.
– O problema é que se tu vais colocar uma bola de sorvete de verdade, não tem tempo nenhum de filmar ou fotografar. Normalmente, a luz do cenário é muito forte, então, é pela tranquilidade do fotógrafo que o sorvete falso existe – explica.
Depois de 12 anos de trajetória com a empresa Comida Bonita, ela já atendeu clientes regionais e nacionais, sempre buscando ser, ao público final, o mais transparente possível.
– Eu trabalho com comida que comunica. Então, tem um propósito. Não é só pela beleza, ela está informando alguma coisa – afirma.
O CARINHO DA DONA CÉLIA
Poucas coisas são tão nostálgicas quanto um almoço em casa de vó. Feijão novinho, arroz fresquinho, um bife no ponto ideal, uma polenta feita na hora. É possível sentir o aroma, basta fechar os olhos. Só quem já foi ao Hotel Roma sabe o prazer que é ser atendido pela dona Célia, como uma avó que não faz parte da família, mas certamente poderia.
Ela é mais uma das mulheres que mantêm a gastronomia como abraço na nossa cidade. Desde 1970, a cozinha do hotel é administrado por ela, que, com 80 anos, faz questão de fazer todas as compras do restaurante, além de servir todos os clientes que chegam para almoçar, mesa a mesa.
– Eu morei em Venâncio Aires, casei e fiquei lá por muitos anos. Chegamos em Porto Alegre, reformamos tudo por aqui e comecei na cozinha. Fazia a massa do pastel, abria no cilindro e fritava. Na primeira fritada, faziam fila aqui para comer – relembra alegre.
As receitas da dona Célia vêm de família. Do bolinho de batata ao bolinho de repolho, são pratos muito procurados pelos clientes no local.
Para a vó de olhos claros e paninho na cabeça, o ideal é trabalhar para ter o suficiente.
– A gente precisa ser educada, respeitar e ajudar as pessoas. A vida tem altos e baixos e a gente sempre supera, é só ter boa vontade – afirma.
O ACARAJÉ DA BAIANA
Em 18 de julho de 1997, Maria Célia desembarcara em Porto Alegre depois de dar tchau ao Nordeste. O motivo? A crise da vassoura-de-bruxa, uma praga que se disseminou pelo sul do Estado e destruiu grande parte das lavouras de cacau, principal fonte de renda da região. Decidiu, com muita coragem, trazer um pedacinho da Bahia para a capital gaúcha através do acarajé, da cocada, da tapioca e do sorriso largo, apesar de tímido.
– Quando cheguei aqui, quem disse que sabiam o que era? Imaginava que, por já ter sido tema de vários programas de televisão e ser muito famoso, todo mundo já conhecesse e tivesse provado. Mas, quando cheguei aqui, de cem pessoas, apenas duas sabiam o que era o acarajé – conta.
Além da difícil tarefa de convencer o paladar gaúcho de que a iguaria baiana era muito saborosa, Célia também enfrentou dificuldades para encontrar os insumos adequados para preparar o bolinho de feijão-fradinho. Alguns ingredientes vêm diretamente da Bahia, como o azeite de dendê, o cumaru e os temperos especiais. Já o camarão seco, Célia teve que adaptar para o fresco, uma vez que a vigilância sanitária não permite transportar o insumo.
Outro desafio enfrentado foi de introduzir a tradicional pimenta baiana em seus preparos.
– Hoje em dia tem uns clientes que pedem com bastante pimenta. Mas uns ainda uns choram. Acham que é fraco, aí eu boto de um lado, boto de outro, quando dão uma mordida falam que era forte. Eu avisei – conta.
O desejo de Célia é de coragem para as mulheres, para que não desistam no primeiro obstáculo.
– Se tu faz de coração, vai dar certo!