*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Costumo dizer que, se pudesse, teria dois estômagos. Não só por gulodice, mas por sentir vontades simultâneas de coisas diferentes. Indo além, gostaria de, num passe de mágica (ou de física quântica), dispor de duas horas distintas e paralelas de almoço. Como funcionaria? Uma parte de mim ficaria dedicada à tradição e ao apetite daquele momento. Outra, seria devotada à curiosidade. Uma para desfrutar do que é seguro, outra para conhecer o novo.
Esse pensamento me ocorre com mais força em épocas como a Páscoa, com seu cardápio característico. A propósito, declaro que faço parte daquela turma que põe o bacalhau à frente do chocolate – de que gosto bastante, mas não ao ponto de torná-lo o centro da celebração. Mas voltando aos impasses da data: é mais prudente apostar na receita de sempre, o bacalhau ao forno, na exuberância do azeite, com batatas, ovos, pimentões? Ou experimentar outras versões?
No fim, meu critério para resolver o dilema acaba partindo de outra pergunta: o que temos de melhor, para aquele momento? Há um apetitoso lombo de gadus morhua à mão? Então, por que não valorizá-lo numa preparação que permita todo o seu protagonismo, quem sabe uma receita à lagareiro? Já se forem belas lascas, que tal um “à brás”, simples e generoso?
Contudo, sempre que o tema é bacalhau, me vem à mente meu prato inesquecível: o do Etxebarri, no País Basco, a parrilla da Espanha. Untuosidade, sabor, escamas perfeitas, leve defumação, nunca comi nada igual. E o chef até me contou como fazer, o que divido com vocês:
1) Escolha lombos bem altos, com pele, e coloque-os para dessalgar por 48 horas, na geladeira, trocando sempre a água
2) Tire da geladeira 2 horas antes de levar à grelha, para que o peixe desenvolva sua gelatina natural (enxugue as peças com um pano)
3) Pincele as postas com azeite e assente-as na grelha, com a pele para baixo, a 10 cm das brasas. Deixe por 10 minutos
4) Vire o bacalhau e espere 3 minutos
5) Sirva, corrigindo o sal e finalizando com um ótimo azeite
Tradições à parte, que a Páscoa então seja assim: com o melhor à mesa.