* Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Quando o assunto é comida, nem sempre o tradicional e o popular andam lado a lado. Grosso modo, o primeiro remete à história, a uma identidade; o segundo representa aquilo que é consumido de fato. Recorro a uma conversa de tempos atrás com o chef espanhol Andoni Luís Aduriz.
O ponto dele era o seguinte: Se perguntarem aos habitantes do País Basco quais os pratos e os produtos que mais bem simbolizam sua região eles se lembrarão, provavelmente, de txipirones (as lulinhas), merluza com salsa verde e chuleta grelhada. Entretanto, se indagarem a esses mesmos habitantes sobre o que eles comem diariamente, eles dirão: arroz, macarrão e frango. Um gosto globalizado.
O raciocínio poderia se aplicar a qualquer país. E não significa que tenhamos nos tornado incoerentes. Demonstra, quem sabe, que a tradição, embora bem consolidada no ideário coletivo, não coincide necessariamente com a dieta do cotidiano, das famílias, como era no passado.
Já o gosto popular é algo que muda conforme as modas, as conveniências e a situação econômica e que incorpora a todo instante novos elementos. Como conciliar as duas vertentes? Não vejo um caminho teórico, de gabinete, de tombamentos legais. Enxergo uma alternativa na cozinha de casa e na mesa do restaurante. É comendo que preservamos receitas. É dentro da panela que unimos passado, presente e futuro.
Nessa linha, achei bastante interessante o lançamento do livro Les 100 Plats Préférés des Français (ainda sem tradução por aqui), da jornalista Leslie Gogois. Ela se baseou em pesquisas realizadas em toda a França para selecionar uma centena de favoritos nacionais: 50 pratos salgados e 50 doces, com receitas e curiosidades históricas e culturais.
O top 10, por exemplo, é bem clássico. Pela ordem, temos magret de canard, moules-frites, couscous, blanquette de veau, côte de boeuf, gigot d’agneau, steak-frites, boeuf bourguignon, raclette, tomates farcies. Já quando entramos nos 50, a lista abarca lasanha, tagliatelle à carbonara, paella, chilli com carne. E aí voltamos a perguntar: o que é tradicional? O que é popular?