Se eu fosse cozinheiro, faria tudo diferente. Em primeiro lugar, não teria escolhido essa profissão, ela é que teria me escolhido. Cozinheiro não é emprego, é vocação, é doação, é arte. Quem encara isso como um hobby ou se aproveitando do coolness em torno do assunto, desiste logo ali na esquina porque lhe falta estômago.
Se eu fosse cozinheiro, portanto, me preocuparia mais comigo do que com os outros. Investiria meu tempo me capacitando, indo atrás de ingredientes até então desconhecidos.
Trataria de privilegiar o pequeno produtor, o terroir da minha região, viajaria bastante para aumentar meu estoque de referências, transmitiria a experiência acumulada, faria questão de me cercar de colegas tão ou mais talentosos do que eu e seria um cara aberto a aprender.
Se eu fosse cozinheiro, entenderia o contexto em que estou inserido e torceria para que vários outros restaurantes surgissem ao meu redor. Isso valoriza o mercado, aumenta o nível de exigência das pessoas e é saudável para todo mundo. Não teria medo dessa suposta concorrência, pois sei que cozinha é uma coisa muito pessoal, não há duas iguais.
Se eu fosse cozinheiro, teria mais orgulho de ser cozinheiro e não tentaria passar a qualificação que o tempo, e somente o tempo, concede, que é virar chef. Cozinheiro me parece ser um cara amigo e humilde. Sabe receber críticas, reconhece tropeços e não perde tempo pensando nos outros. Chef me passa a imagem de um ser intocável e vaidoso, que se preocupa demais com os concorrentes. Não gostaria que as pessoas pensassem isso de mim, se eu fosse cozinheiro.
Por sinal, se eu fosse cozinheiro, não me preocuparia com prêmios, medalhas, troféus. Não moveria um fósforo para entrar nessa gincana narcisista. Sei que o reconhecimento pelo trabalho eventualmente chega em forma de placa, estrela etc, mas também sei que isso não é a causa, e sim a consequência. A causa é cozinhar, em função da vocação que o destino teria me atribuído. É isso que me moveria, caso eu fosse cozinheiro.