Uma caminhonete tem rodado o Estado desde o início de abril, carregando no bagageiro os 40 anos de história do hip hop em solo gaúcho. O veículo é o meio de transporte oficial do projeto Na Estrada, do Museu da Cultura Hip Hop do Rio Grande do Sul, espaço que deve abrir as portas até o final do ano, em prédio cedido pela prefeitura de Porto Alegre.
O objetivo da caravana é resgatar a memória do movimento e reunir acervo para a nova instituição cultural da Capital. São discos, fotografias, filmagens, recortes de jornais, cartazes de shows, camisetas, tênis, livros, skates e latas de tinta spray, entre outros itens que traduzem trajetórias de todas as regiões.
Engana-se quem pensa que a arrecadação tem sido tímida porque "o Rio Grande do Sul não é terra de hip hop", senso comum costumeiramente ouvido por quem circula no meio. É tão terra de hip hop que, em um mês de andanças, mais de 2 mil itens já foram recebidos.
— As pessoas não imaginam que exista uma cena hip hop em uma cidade como Tapera, por exemplo. Mas existe — afirma o músico, escritor e educador social Rafa Rafuagi, fundador da Associação da Cultura Hip Hop de Esteio, entidade que vai gerir o museu. — E até mesmo eu, por mais que já tenha 20 anos de cultura hip hop, estou encontrando coisas que não conhecia, nomes dos quais nunca tinha ouvido falar. Está sendo muito rico porque isso nos fortalece enquanto artistas e gestores, e fortalece a cena como um todo — reflete.
Até agora, a comitiva já passou por Passo Fundo, Caxias do Sul, Pelotas, Tramandaí e Santo Ângelo. Nestes sábado (14) e domingo (15), estaciona em Esteio e segue ainda para Santa Maria (21 e 22/5), Santa Cruz do Sul (28 e 29/5) e Porto Alegre (4 e 5/6). São cidades que servem como referência para suas regiões — a galera de Tapera, por exemplo, compareceu na passagem pela vizinha Passo Fundo —, mapeadas a partir de uma pesquisa histórica que identificou onde e com quem estavam os registros destes 40 anos de hip hop no Estado.
Mas do levantamento até irem parar na caminhonete do museu eram outros quinhentos. Foi aí que entraram em ação coletivos e artistas locais que vêm atuando como ponte entre o projeto e os proprietários desses itens. Em cada cidade onde a caravana chega, um grande evento agita a cena hip hopper da região, convidando os envolvidos a compartilhar suas memórias. E ninguém quer ficar de fora. Tampouco perder a oportunidade de deixar sua marca no primeiro museu dedicado à cultura hip hop da América Latina.
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É feito, então, um cadastro museológico minucioso dos itens recebidos e do que eles representam. E assim o bagageiro da caravana volta para casa recheado de histórias, pronto para ser descarregado na Associação da Cultura Hip Hop de Esteio, que tem armazenado o acervo enquanto o prédio que abrigará o museu passa por reformas.
É um processo trabalhoso. Mas, para Rafa, é justamente o que garante aquilo que será um dos principais diferenciais da futura instituição:
— O nosso museu está sendo construído de modo coletivo. Não estamos saqueando ninguém, como foi feito em vários museus do mundo, que roubaram a África e a América do Sul para conseguir tudo aquilo. O acervo todo está sendo doado, e com muita emoção quando são feitas essas doações.
Para o idealizador, a iniciativa cumpre ainda a função social de corrigir o apagamento histórico que recai sobre o trabalho dos artistas do interior do Estado. Rafa explica que, assim como o que é feito dentro do hip hop no Rio Grande do Sul tende a ser menos reconhecido do que o que é produzido no Sudeste do país, o cenário se repete em nível regional: o que vem de Porto Alegre tem mais chances de estourar, enquanto o que está fora da capital costuma permanecer invisibilizado.
Um cenário que, nos próximos anos do movimento a serem retratados no acervo da instituição, ele espera que seja diferente.
— Vejo que, com o museu, o interior vai ter oportunidade de ficar em pé de igualdade com a Região Metropolitana. A nossa missão não é fazer um museu só para quem é famoso, mas para todos que de alguma maneira contribuíram para que a cultura hip hop na sua região existisse e tivesse vida ativa.