Se apresentando como um guia turístico, o vocalista do DeFalla Edu K realizou uma live nesta quinta-feira (27) para viajar virtualmente por uma Porto Alegre dos anos 1970 e 1980. Produzido pela Badejo Experiências Culturais, a live Um Lugar do Caralho: A Osvaldo Aranha de Edu K relembrou um cenário marcado pela boemia, em uma época em que o bairro Bom Fim era ponto de encontro de todas as tribos.
— Uma das principais coisas da Osvaldo Aranha: não era sectária. Todo mundo estava junto. Tinha patricinha de Beverly Hills, tinha punk, tinha vagabundo, tinha gente da música, das artes em geral, todo mundo andava junto — relatou.
O bar Ocidente, que em 2020 completou 40 anos de existência, foi um dos grandes marcos da avenida. Edu, inclusive, brincou que o estabelecimento foi um divisor de águas para a região. As saídas, contudo, não se limitavam somente ao estabelecimento: toda a rua era tomada de jovens que bebiam e se divertiam.
— E eu e os "osvaldeiros" chegávamos e ficávamos às vezes quatro, cinco dias lá, dormindo num canto. Era maravilhoso isso. Quando eu comecei na Osvaldo, o Ocidente virou um ícone naquela esquina, mas a Osvaldo Aranha seguia depois dele. Não precisava ficar dentro de bar nenhum. Chegava, comprava tua cachaça e ia para a rua — explicou.
Edu trabalhou no Ocidente como DJ, atuando também como porteiro e barman em algumas ocasiões. A história dele com o estabelecimento se encerrou após o fatídico dia em que pegou os discos e começou a atirá-los pelo local.
— Tinha só uma vitrola e eu tinha que me virar com isso, tocava o disco, tirava, colocava outro. Um dia eu estava loucasso e os discos começaram a ter vida própria e eu pensei "eu tenho que libertar os discos", e comecei a jogar os discos lá em baixo, jogar frisbee. Me mandaram para a casa e mais ou menos isso marca o fim do meu ciclo no Ocidente — afirmou, explicando que até hoje tem amizade com as pessoas do bar.
Nascido em Porto Alegre, o músico passou parte de sua infância em São Paulo, tendo se mudado pra Foz de Iguaçu antes de, na adolescência, voltar para a Capital gaúcha ao lado de seu amigo e colega de banda Guilherme X. Aqui, o primeiro lugar que frequentou fora de sua zona residencial na Medianeira, foi o Escaler, antigo bar da cidade.
— Alguém falou que eu tinha que falar com o Luís Henrique, do Prisão de Ventre, porque a gente estava procurando baixista para a banda. Aí o cara apresentou o B52 que era numa paralela da Osvaldo Aranha, na Independência — disse.
A peça-chave da Osvaldo Aranha para ele foi quando ele conheceu um punk da cidade, que além de apresentar o Ocidente, o fez conhecer o salão de beleza Scalp.
— O Scalp é outra parada animal de Porto Alegre, foi o primeiro salão foda, contemporâneo, tudo que era tendência europeia os caras faziam. Todo mundo nos adorou. Éramos uns gurizinhos de 15 anos que se maquiavam, pintavam unha, tudo. Cortavam nosso cabelo de graça, maquiavam a gente antes dos shows. O Scalp foi a primeira perna para o Osvaldo — afirmou.
Depois de sair do Ocidente e começar a frequentar mais a rua, ele cortou o cabelo no Scalp e decidiu fazer um moicano. Na mesma época, começou a se integrar mais com pessoas punks da cidade. A cena, então, se transferiu para a Lancheria do Parque, próximo ao Parque da Redenção.
— Eu nunca tive muito dinheiro. O DeFalla sempre foi uma banda fracassada, entre aspas. Fracassada para o sistema desgraçado, que mede por dinheiro e poder. A gente sempre foi rei no mundo de verdade, que é o mundo da inspiração. É uma banda de muito sucesso. Eu passei fome naquela época, então às vezes eu chegava na Lancheria e eles largavam comida para a gente, eu virei amigo dos caras — contou.
Algum tempo se transcorreu até que alguns punks brigaram e quebraram a Lancheria. Edu K chegou dias depois, sem saber o que tinha acontecido, e viu que seus amigos não estavam lá.
— Chegou um dos caras da Lancheria e disse: "É, tu é dos nossos. Tu pode continuar vindo aqui, mas teus amigos não".
Os punks acabaram migrando para o bar Lola. Novamente, o estabelecimento era apenas um ponto de encontro, já que a maior parte das pessoas ficava na rua. O local foi palco de um acontecimento que foi classificado por Edu como uma cena de filme distópico:
— Um carro estacionou e estava vazando gasolina. Um punk estava fumando, jogou a bituca, pegou na gasolina e o carro pegou fogo. Tivemos que sair com extintor do bar. A Osvaldo sempre foi assim, podia acontecer qualquer coisa.
Este não foi o único imprevisto com carros. Na frente de onde ele estava sentado com seu amigo em uma esquina perto do Ocidente, estava um conversível com a capota de couro rasgada. O músico disse que a situação ficaria feia para eles, pois acabariam sendo culpados pelo ocorrido.
— Chegou um cara p*to da cara já nos chutando, enchendo o saco. Nisso para um carro no meio da rua e grita: "Antônio Marcos!". Acontece que o Antônio Marcos tinha fugido da casa dele há anos e ele não morava com a mãe dele. Então vivia fugindo, e tinha essa assistente social atrás dele. O cara ficou p*to, entrou no carro e foi embora. Não nos matou naquele dia.
A liberdade sexual, conta Edu, imperava na época: e ele não poupou detalhes na hora de falar sobre essas histórias. Apesar de não frequentar tanto o restaurante Van Gogh por não gostar de sopa — ou de "acabar com a doideira" tomando algo salgado —, foi nesse local que ele encontrou uma garota. Os dois saíram do estabelecimento, atravessaram uma rua e foram para a Rua Sofia Veloso. No local, tinha uma série de casas geminadas.
— Eu joguei ela no chão, arranquei a meia calça com os dentes me achando, e sempre que a pessoa está se achando acontece alguma coisa ridícula. E eu ouço o barulho de uma porta abrindo e apareceu um cara de 90 anos de idade usando um roupão e chinelo. Ele veio em direção à gente. Eu fiquei parado olhando para ele e a guria olhando para mim "o que que está acontecendo?". O cara chegou, pegou o jornal, quando ele levantou viu a gente ali. Ele não falou nada, mas ficou tipo assim: "que m*rda é essa na minha casa". Eu falei "desculpa aí", peguei o jornal e dei para ele. Ele pegou o jornal e virou as costas. Nem preciso dizer que eu tinha broxado — disse.
A história não se encerrou por aí. No dia seguinte, ele chegou ao bar Lola e viu que, em uma das paredes, estava pichado: "Edu K broxa". Apesar disso, o músico levou tudo na brincadeira: segundo ele, "não é todo mundo que tem sua broxada exposta para a cidade inteira".