Após divulgar na quinta-feira (16) um vídeo em que evoca uma fala do ministro de cultura e comunicação nazista Joseph Goebbels, o secretário da Cultura, Roberto Alvim, negou apoiar o regime totalitário, alega coincidência e defende conteúdo do vídeo. Ele concedeu entrevista exclusiva ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, na manhã desta sexta-feira (17).
Alvim afirmou que o trecho de seu discurso que se relaciona com a fala de Goebbels "caiu" em sua mesa. Segundo o secretário, ele escreveu 90% do texto, mas o restante foi criado junto a assessores, que trouxeram ideias após pesquisarem frases que relacionassem arte e nacionalismo.
— Houve uma infeliz coincidência retórica nessa frase, cuja forma é extremamente semelhante à frase original do Joseph Goebbels. Foi uma coincidência infeliz, eu não sabia a origem. Chegaram vários papéis e frases na minha mesa com a ideia de nacionalismo e arte. Vamos proceder com investigação — justificou.
O secretário da Cultura afirmou que há boas frases “mesmo de ditadores sanguinários” e que ele concorda com Goebbels na defesa de arte e nacionalismo. Dividir essa ideia, no entanto, não significa que ele apoia o regime de Adolph Hitler, defendeu-se.
— Se você pegar o Stálin, certamente ele tem uma série de grandes frases. Ao tirar do contexto, você pode dizer essas frases e o significado ser incrível — disse. — A frase que eu escrevi tem coincidência retórica, mas a frase é correta. Até um ditador sanguinário pode ter uma frase absolutamente correta, embora essas pessoas travistam com nobres discursos intenções espúrias. Você encontra frases horríveis em ditadores sanguinários, como Che Guevara — acrescentou.
Na entrevista, Alvim afirmou que considera "absolutamente perfeita" sua frase, de que a arte brasileira do futuro será "heroica" e "imperativa".
A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada
JOSEPH GOEBBELS
Ministro de Cultura e Comunicação de Hitler
— A frase minha eu considero absolutamente perfeita: a arte brasileira do futuro será heroica, será propositiva ou não será nada. O que se diz é que é preciso o renascimento do conceito de arte em nosso país, porque fomos vilipendiados. O povo foi alijado da possibilidade de ter oferecido arte pelo governo nas últimas duas décadas.
Após a repercussão negativa, ele alega já ter conversado com o presidente Jair Bolsonaro e explicado que a relação de seu discurso com o ministro da cultura e propaganda do regime nazista não foi intencional.
A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada
ROBERTO ALVIM
Secretário da Cultura do governo Bolsonaro
— Ele entendeu que não houve má-intencionalidade, que eu não sabia a origem da menção específica e que o programa nâo pode ser diminuído.
Alvim também disse que o governo Bolsonaro defende a ideia do conservadorismo na arte – o que não tem a ver, diz, com concordar com o nazismo.
— A ideia de conservadorismo em arte é um conceito que diz respeito ao conhecimento e amor profundo à história da arte, à percepção da complexidade dos clássicos e de que a arte tem como finalidade última a dignificação da vida humana.
O secretário pediu desculpas ao povo judeu pelo vídeo:
— Eu sou cristão. A minha vinculação ao povo judeu é absoluta, porque meu Deus é o mesmo deus do judaísmo. Peço humildemente perdão se essas pessoas se sentiram, com toda a razão, ofendidas por isso. Houve uma coincidência retórica, sem o conhecimento da origem, da forma dessa frase. As ideias postas na frase não têm nada a ver com a perseguição ao povo judeu. A minha repugnância ao ideário nazista é radical. Não há, em nosso horizonte, nenhuma conexão com o regime nazista, que encarnou o mal absoluto em nossa humanidade.
Por que o discurso de Alvim evoca a fala de Goebbels?
No pronunciamento oficial publicado no Twitter, Alvim divulgava o recém-lançado Prêmio Nacional das Artes. Uma série de sinais apontam para significados autoritários. No vídeo, ele afirma:
— A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada — afirmou Alvim no vídeo postado nas redes sociais.
Goebbels declarou, em pronunciamento para diretores de teatro, segundo o livro Goebbels: a Biography, de Peter Longerich, a seguinte frase:
— A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada — disse.
Além dos trechos do pronunciamento, a estética do vídeo, a aparência do secretário, o vocabulário, o tom de voz e a trilha sonora escolhida também fizeram várias personalidades compararem a divulgação à propaganda nazista.
Uma das referências no vídeo é a música de fundo, que veio da ópera Lohengrin, de Richard Wagner, uma obra que Hitler contou em sua autobiografia ter sido decisiva em sua vida.
No vídeo, Alvim começa citando um pedido do presidente: que a cultura não destrua e sim salve a juventude brasileira.
— A cultura é a base da pátria. Quando a cultura adoece, o povo adoece junto. E é por isso que queremos uma cultura dinâmica, mas ao mesmo tempo enraizada na nobreza de nossos mitos fundantes — disse o secretário.
Segundo ele, o Prêmio Nacional das Artes vai gerar milhares de empregos, capacitação profissional e formação de público.
— Trata-se de um marco histórico nas artes brasileiras. De relevância imensurável. E sua implementação e perpetuação ao longo dos próximos anos irá redefinir a qualidade da produção cultural em nosso país — completou.
Em sete categorias, o prêmio vai selecionar cinco óperas, 25 espetáculos teatrais, 25 exposições individuais de pintura e 25 de escultura, 25 contos inéditos, 25 CDs musicais e 15 propostas de histórias em quadrinhos.
Qual foi a repercussão até agora?
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pediu o afastamento do dramaturgo. "O secretário da Cultura passou de todos os limites. É inaceitável. O governo brasileiro deveria afastá-lo urgente do cargo", escreveu no Twitter.
Olavo de Carvalho divulgou vídeo no qual disse que "Roberto Alvim talvez não esteja muito bem da cabeça'. O presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, afirmou que o ex-secretário "ultrapassou todos os limites ao optar pela clara e aberta apologia ideológica do regime nazista".
Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, afirmou em nota oficial: "Há de se repudiar com toda a veemência a inaceitável agressão que representa a postagem feita pelo secretário de Cultura. É uma ofensa ao povo brasileiro, em especial à Comunidade Judaica." Veja aqui outras reações.
Quem é Roberto Alvim?
Dramaturgo, Alvim ganhou a simpatia de Bolsonaro ao defender o presidente nas redes sociais e ao atacar a atriz Fernanda Montenegro, dizendo sentir "desprezo" por ela.
Na Secretaria Especial da Cultura, coleciona polêmicas, como a nomeação do jornalista e militante de direita Sérgio Nascimento de Camargo para presidente da Fundação Palmares. A nomeação foi suspensa após uma grande mobilização contra afirmações de Camargo consideradas racistas.
Nesta semana, Alvim ironizou a indicação de Democracia em Vertigem na categoria de melhor documentário longa-metragem do Oscar dizendo que a produção deveria estar na categoria ficção. Dirigido pela cineasta mineira Petra Costa, o filme acompanha o impeachment de Dilma Rousseff a partir de uma visão particular da diretora.