Criar um viral de internet é o sonho de muitos jovens humoristas, que despendem esforços para tentar chamar atenção dos internautas em meio ao universo gigantesco de opções disponíveis a um clique. Se houvesse uma receita para o sucesso, a espontaneidade e o fator inusitado estariam entre os ingredientes principais. Foi abusando dessas duas características que um vídeo protagonizado por três primos moradores da localidade de Morro do Céu, no interior de Cotiporã, alcançou centenas de milhares de visualizações (é impossível saber o número exato por conta das inúmeras replicações em diferentes canais).
A situação registrada de modo amador traz um cenário de dor e desespero para o jovem Gustavo Storti, hoje com 24 anos. Na época, ele tinha 15 e um anel dramaticamente preso a um dos dedos. Três dias antes da gravação, o adolescente achou que era uma boa ideia comprar a bijuteria de um colega de escola, mesmo precisando passar sabonete para fazê-la entrar no dedo.
— Eu paguei R$ 5 no anel, tinha comprado de um colega que tinha meio que um instinto de roqueiro. Era legal porque o anel tinha o Pai-Nosso escrito em italiano por dentro, era bem show de bola — lembra o jovem agricultor, ainda morador de Cotiporã.
Depois de tentar todas as receitas caseiras para tirar o anel que havia entalado no dedo, Gustavo foi convencido pelos primos Joel, hoje com 28 anos, e Bruno (que morreu em um acidente de trânsito em 2017) a tentar um método um pouco mais "raiz", envolvendo uma morsa e uma esmerilhadeira. O vídeo original era quase um longa-metragem, mas o que viralizou foi sua versão de cerca de oito minutos e 46 segundos.
— Uma vez, fui numa festa em Caxias, mas isso uns três anos depois do vídeo – conta Gustavo. – Eu estava conversando com um cara e ele: "Tu parece alguém que eu conheço... Tu é o cara do anel, só pelo jeito que tu fala" (risos). Ele era filho do DJ que tocava na festa, daí me fez subir no palco, parou a festa. Ele me reconheceu pela voz e pelo sotaque da "seRa gaúcha" — brinca, reforçando o jeito de falar.
Torcedor do Grêmio, Gustavo diverte-se lembrando que foi reconhecido até mesmo em meio à multidão que comemorava o título do tricampeonato da Libertadores, em plena Avenida Goethe, em 2017:
— Troquei meia dúzia de palavras e ouvi o "tu é o cara do vídeo do anel" (risos). Imagina, no meio 50 mil pessoas, o cara me encontrar lá, nunca tinha visto ele na frente. Só pelo sotaque já reconheceu.
O sotaque típico de quem nasceu e cresceu no meio rural de uma pequena cidade povoada em sua maioria por descendentes de italianos é uma marca que nunca vai sumir. Ele está acostumado a chamar atenção com seu jeito de falar quando visita outros lugares, mas procura sempre reagir de maneira amistosa quando o riso alheio surge:
— Me sinto falando normal. A primeira vez que fui visitar a cidade da minha namorada, ela é lá de Viamão... Meu Deus do Céu, cara, eu falava "água" e os caras riam. Não tem como tirar o sotaque.
— Se tentar falar diferente, só piora – complementa Joel, que no vídeo tinha o importante papel de jogar água quando a ação da esmerilhadeira queimava o dedo de Gustavo, ou seja, de cinco em cinco segundos.
Outros virais
No trânsito
Uma jovem recém habilitada a dirigir resolve sair para dar uma volta de Chevette pelas ruas de Caxias do Sul. Só que ela escolhe seu pai – um senhor muito gringo e engraçado – para servir de copiloto. É ele quem protagoniza os melhores momentos do vídeo, dando as orientações para a filha se dar bem no trânsito. Entre as expressões utilizadas pelo gringo, que é o dono do carro, estão "tu tá roçando tudo as capoeira", "vai mais pra lá, tu tá muito aqui na barranca", "como é que non vai parar se a preferencial é dos ôtro", "quase pisou em cima dos cordón" e "tu vai me bater esse auto".
No meio rural
Falou em frio, falou em "tempo difícil" para quem vive da agricultura no meio rural. Personagem de uma reportagem que registrava a rotina do trabalho com as vacas numa manhã gelada, o jovem Cassiano, de 17 anos, viralizou ao narrar sua experiência com um sotacón maravilhoso. "Parecia urréia caí do céu, uma chuvinha calma de pedrinha branca, bem fininha. As vacas já não queriam entrar na estrebaria, é frio, os teto racham e dão coice. Agora é um tempo difícil".
No BBB
Ele queria mesmo era ser escolhido para participar do Big Brother Brasil, mas acabou ficando famoso por conta do vídeo caseiro mandado ao programa.
Cristian, candidato de Antônio Prado, já começa a gravação (estranhamente locada no meio do mato) denunciando os hábitos dos gringos da Serra ao se apresentar dizendo de quem é filho e citando os nomes completos.
Ele afirma que quer entrar no programa por causa do prêmio de mais de um milhão de reais, "que é muito dinheiro para nós aqui do interior". Pedindo desculpas pelo nervosismo, ele se define como "esquentado, ciumento, brabo e bom" e usa o termo "digamos" de maneira engraçada.
No aperto
O drama de um menino apertado para fazer o número dois (o narrador usa um termo bem menos bonito no vídeo) num lugar sem banheiro. Escondido embaixo de um "caretón" no meio da colônia, ele é flagrado pela câmera do irmão enquanto tenta decidir se se alivia ali mesmo ou segura mais. "Ai, tá saindo", sofre o gringuinho.
Tipos de "coRida"
"Tu tá gravando, Sabrina?" ou "Um beijo pras colega delícia". Essas frases, pronunciadas com um legítimo sotacón gringo, viraram quase mantras cômicos há cerca de cinco anos. As expressões abrem e fecham, respectivamente, o vídeo que o garoto veranense Magno Sanches fez com um grupo de colegas para uma aula de Educação Física. Na gravação, ele lista as diferenças entre a corrida de velocidade, o cooper e a maratona.
Coisas que a Serra fala
Em 2012, o casal de nonos Natália Comaschi Copeli e Expedito Biagio Copeli protagonizaram vídeos reproduzindo expressões que integram a rotina de qualquer descendente de italiano. "Vai se tchavar", "cramento", "bruta béstia", "sdjonfo", "calça de brim" e "bucho" são algumas delas.