Em sua primeira versão, Radicci era, na verdade, Capitão Radicci. Usava uma capa e ganhava poderes ao comer uma folha da salada verde que todo gringo adora (ainda mais se tiver bacon frito junto). Depois disso, seu criador, o cartunista Carlos Henrique Iotti, se deu conta de que a missão do personagem tinha mais a ver com a de um anti-herói, já que ele cultiva hábitos como o apreço pela bebida, o talento para "bestemar" e a preguiça. Mas basta uma breve analisada na trajetória de 36 anos de Radicci para entender que o bigodudo de barriga saliente faz um trabalho digno de herói da Marvel ou DC, preservando bravamente um patrimônio imaterial e restaurando a ordem por meio da identificação e do riso.
— Quando criei o Radicci, as pessoas tinham vergonha de ser italianas. Se você gritasse "filha da p..." no trânsito, a pessoa não estava nem aí, mas, se gritasse "ô, colono" era uma ofensa. O cara puxava o freio de mão e ia para cima dizendo "quem que é o colono ali?" (fala acentuando o sotaque gringo). O que fiz foi pegar a vergonha que as pessoas tinham e botar uma lente de aumento nela — diz Iotti.
O cartunista tem conhecimento de causa para falar de vergonha. Uma das lembranças que guarda dos tempos de estudante de Jornalismo na UFRGS era de como outros moradores da Serra fugiam do assunto sempre que surge a pergunta "onde você nasceu?". Ninguém queria ser o Radicci, todo mundo se identificava mais com o Guilhermino (filho do personagem, não por acaso reconhecido como alter ego de Iotti). Mas, quando o cartunista criou as tirinhas que hoje são sucesso de audiência, havia uma consciência de que alguns traços culturais precisavam urgentemente de resgate. Afinal, "radice", traduzido do italiano, significa "raiz", o que revela muito mais do que uma feliz coincidência.
— Primeiro, ele nasceu para preservar as raízes, nossa cultura, falar das coisas locais, da nossa gringuice. Segundo, para ser um anti-herói da colônia italiana, que estava por baixo. Quando criei o Radicci, me disseram: "Os caras vão bater teu brim quando tu falar mal deles". E foi o contrário, as pessoas se viram no personagem. A gente sabe que tem alguns povos no mundo que não gostam que façam piadas deles, tem gente que mata cartunista — pondera Iotti, referenciando o caso trágico do Charlie Hebdo, na França.
Para Iotti, o sucesso de Radicci (que, além dos jornais, também esteve no rádio, na TV, na internet, nos gibis, em camisetas, em adesivos etc.) reforça o bom humor como um traço marcante da cultura italiana.
— O humor dos italianos é impagável porque eles não se levam a sério. Tu já foi num velório de italiano? É um negócio que às vezes acaba virando uma piada. Uma professora uma vez me disse: "Se você quer conhecer a sanidade mental de um povo, tem que saber se ele sabe rir de si próprio". Os descendentes de italianos conseguem — sentencia.
O trabalho do cartunista acabou ecoando por paróquias mais distantes. É que, além de filhos legítimos da imigração italiana, Radicci e sua família também cultivam comportamentos que estão no inconsciente coletivo, principalmente por meio do embate de gerações.
— Radicci é um caubói do nordeste gaúcho, ou os caubóis são Radiccis do oeste americano. É um personagem universal — defende Iotti.