CD, DVD, MP3 e streaming: independentemente do formato que dominou o consumo de música nas últimas décadas, o vinil atravessou gerações e segue movimentando agulhas por aí. Tanto que artistas gaúchos seguem lançando novos trabalhos em LP, além de relançar produções marcantes.
Neste sábado (20), celebra-se no país o Dia do Disco de Vinil, embora a data seja, oficialmente, uma Lei municipal do Rio. A comemoração foi instituída como uma homenagem ao cantor e compositor mineiro Ataulfo Alves, que morreu em 20 de abril de 1969. A Câmara Municipal do Rio incluiu o Dia do Disco a partir da Lei nº 78, de 1978.
Ao mesmo tempo, ocorre o Record Store Day em vários países neste 20 de abril — evento surgido nos Estados Unidos para apoiar lojas de discos independentes que geralmente ocorre em um sábado do quarto mês do ano e na Black Friday. Em Porto Alegre, ocorre neste domingo uma feira do vinil no bairro Cidade Baixa (saiba mais ao final do texto).
Lojistas estimam que o mercado de LPs no Brasil começou a aquecer novamente entre o final dos anos 2000 e o começo da década seguinte, especialmente com a reativação da fábrica da Polysom, em 2010, produzindo vinis nacionais. Embora seja um objeto mais nichado e focado na experiência do consumidor, que sequer ameaça a hegemonia do streaming, as vendas de discos cresceram exponencialmente no último ano.
Conforme o relatório "Mercado Fonográfico Brasileiro 2023", divulgado pela Pró-Música Brasil Produtores Fonográficos Associados, as vendas de discos de vinil alcançaram R$ 11 milhões em faturamento em 2023, com alta de 136,2% em relação ao ano anterior. O LP também passou a ser o formato físico mais comercializado no país, superando CD (R$ 5 milhões), DVD (R$ 400 mil) e outros formatos (R$ 700 mil).
Nos últimos anos, artistas — especialmente do rock — e selos locais têm investido no formato, costumeiramente com tiragens limitadas a centenas de cópias. Um bom exemplo é o clássico Coisa de Louco II (1995), da Graforréia Xilarmônica, que será relançado em LP justamente neste sábado. O álbum ganhou uma edição luxuosa pela Monstro Discos, de Goiânia (GO).
Aliás, o vocalista e baixista da Graforréia, Frank Jorge, irá relançar seu segundo álbum solo, Vida de Verdade (2004), pelo selo porto-alegrense Maleta Discos no final do semestre.
Só neste ano, para exemplificar, a Comunidade Nin-Jitsu relançou Broncas Legais (1998) pela paulista Neves Records; a Cachorro Grande trouxe As Próximas Horas Serão Muito Boas (2004) pela Maleta; e Nei Lisboa disponibilizou Pra Viajar no Cosmos Não Precisa Gasolina (1983) pela Toca do Disco Records — selo da tradicional loja do Bom Fim.
Antes, a Toca lançou em vinil A Vida Inteira (2013), de Nei Lisboa, e O Escudo do Arcanjo Miguel (2021), de Beto Bruno. Com a reedição em LP do álbum clássico de Nei, o selo foi criado para oficializar e possibilitar novos lançamentos.
— O público comprador de mídia física está sedento por lançamentos em LP. Está no auge. As pessoas gostam do som, do formato, das capas, dos encartes — diz Rogério Cazzetta, proprietário da loja.
Formato tem qualidades diferenciadas
Nem tudo é reedição: o baterista da Cachorro Grande, Gabriel Boizinho, lançou na sexta-feira (19) seu primeiro álbum solo, Não Pise nos Sonhos — trabalho independente, com distribuição da Maleta. Da mesma banda, o cantor e guitarrista Marcelo Gross tem oferecido seus álbuns em vinil desde seu primeiro lançamento solo, Use o Assento para Flutuar (2014). Neste ano, ele gravou um álbum ao vivo no Teatro de Câmara Túlio Piva, em Porto Alegre, que também sairá em vinil nos próximos meses, intitulado Grossroads.
— O formato de vinil é importante por vários motivos: a qualidade de som, as capas com suas artes ampliadas e ficha técnica, além de ser também um formato que dura para sempre. Até hoje tenho os discos que comprei quando eu tinha 10 anos de idade, além de originais dos anos 1950 e 60, que tocam lindamente sem nenhum chiado — destaca Gross.
Para Fernando Soares, proprietário da Maleta Discos, os lançamentos em LP têm sido importantes para os artistas por representarem um resgate de seus clássicos e também colocarem em evidência seus trabalhos atuais.
— O vinil traz uma experiência sonora, estética e sensorial diferenciada em relação a outros formatos, permitindo que o público perceba detalhes que antes não eram tão evidentes e redescubra essas obras — aponta. — Isso sem contar eventuais materiais extras inéditos que estão saindo nas edições atuais.
Para Marcelo Scherer, sócio-proprietário do selo porto-alegrense Made in Soul Records, o vinil valoriza a obra do artista por ser um registro tangível, além de ser uma forma de criar um vínculo emocional mais forte com sua audiência. Ele acrescenta que um trabalho musical pode sumir do streaming a qualquer momento, por motivos como questões contratuais entre a gravadora ou por conta do próprio serviço. Por outro lado, o vinil é eterno.
— Se pensarmos em termos financeiros, hoje o artista precisa de milhares de plays nos streamings para ganhar algum valor decente. Ter uma prensagem em disco de vinil pode ser uma opção de fonte de renda, afinal, após um show e no calor do momento, quem não quer levar para casa um disco de vinil de sua banda favorita? — avalia Scherer.
Marcelo Otto, que está à frente do selo porto-alegrense ENC Records, tem uma perspectiva otimista para o mercado de vinil:
— Hoje, é um investimento caro, mas eu acho que, em um futuro próximo, a diferença entre o custo de um vinil e de um CD irá reduzir. Vai continuar crescendo, não que será maior que o streaming, é outro negócio, mas acho que é um mercado que tem público para consumir.
Mais lançamentos
A Made in Soul Records planeja dois lançamentos para o segundo semestre: o primeiro é um disco acústico de Júpiter Maçã, gravado no Teatro Bruno Kiefer, em 2015. Esse trabalho terá dois volumes que sairão separadamente com faixas inéditas. O segundo lançamento é a gravação dos 40 anos de Os Replicantes, que ocorrerá no dia 16 de maio no Opinião. Já a ENC Records deve lançar em vinil o segundo disco da Kula Jazz, previsto para este ano.
O que já saiu em vinil em 2024
- Gabriel Boizinho - Não Pise nos Sonhos (independente, com distribuição pela Maleta Discos)
- Graforréia Xilarmônica - Coisa de Louco II (Monstro Discos)
- Comunidade Nin-Jitsu - Broncas Legais (Neves Records)
- Cachorro Grande - As Próximas Horas Serão Muito Boas (Maleta Discos)
- Nei Lisboa - Pra Viajar no Cosmos Não Precisa Gasolina (Toca do Disco Records)
O que vem aí
- Frank Jorge - Vida de Verdade (Maleta Discos)
- Marcelo Gross - Grossroads (Imã Records)
- Kula Jazz - segundo disco (ENC Records)
- Os Replicantes - 40 anos ao vivo (Made in Soul Records)
- Júpiter Maçã - disco acústico gravado em 2015 (Made in Soul Records)
Feira do Vinil de Porto Alegre
Projeto que fomenta a cultura dos LPs desde 2015, a Feira do Vinil de Porto Alegre será realizada neste domingo (21), das 11h às 20h, na Rua da República, em frente ao Imaculada Pub (nº 367). O evento reunirá mais de 20 expositores de disco, arte, artesanato, food truck, flash tattoo, podcast ao vivo com o Estúdio Orelha e discotecagem de vinil com o DJ Piá.