Quando recebeu a reportagem de GZH em seu apartamento no bairro Higienópolis, em Porto Alegre, Nelson Coelho de Castro, que completa 70 anos nesta quarta-feira (17), fez uma única ressalva: não queria ser chamado de senhor.
— Eu já tô velho pra cacete. Se me chamar assim, fodeu — justifica, aos risos.
Um dos principais nomes da chamada música popular gaúcha (MPG), movimento que ainda consagrou artistas como Bebeto Alves, Giba Giba e Gelson Oliveira, Nelson não rejeita o mérito de chegar às sete décadas de vida — sobretudo pelo alívio em sair dos 69, como brinca. Entretanto, também não se coloca no lugar de ancião.
No que diz respeito à arte, ele permanece o mesmo cabeludo que começou a despontar no cenário musical de Porto Alegre em meados de 1970, decidido a traçar em acordes a própria linha do tempo.
— Eu me sinto atento ao mundo como se ainda tivesse 17 anos. O tempo cumpre a sua função, mexe com as nossas texturas, mas não com a nossa sensibilidade — diz.
Para comemorar o aniversário, ele planeja um grande show. Mas só no final do ano, em data a ser definida. Agora, está envolvido na remontagem do musical infantil Cidade do Lugar Nenhum, que estreou em 1983 e venceu o Prêmio Tibicuera de Teatro Infantil. O artista também ostenta oito distinções no Prêmio Açorianos de Música, incluindo uma homenagem pelo conjunto da obra e duas vitórias com disco do ano.
Nelson lançou oito álbuns individuais ao longo dos seus quase 50 anos de carreira (ou 60, considerando o tempo em que integrou um coral infantil, já dando sinais de que o futuro seria musical). O artista ainda pretende lançar, ao menos, outros quatro álbuns: de músicas infantis, de marchinhas de Carnaval feitas com o irmão, de canções em portunhol e de canções compostas nos últimos anos que nunca foram gravadas. Contudo, não tem pressa em concretizar os projetos. A pressa não faz parte da personalidade de Nelson Coelho de Castro, seja enquanto pessoa, seja enquanto artista.
Ele só disponibilizou sua obra nas plataformas digitais em 2021, com alguns bons anos de atraso, como reconhece. E a última vez em que entrou no estúdio para produzir um novo álbum foi em 2010, quando lançou Lua Caiada. Em contrapartida, nunca parou de compor. Sem saber se por vício, hobby ou hábito (talvez um pouco disso tudo), Nelson está sempre com um bloquinho em punho, pronto para transferir ao papel qualquer fagulha de inspiração que possa surgir enquanto percebe o mundo ao seu redor. A percepção aguçada é uma marca do cancioneiro dele, aliás.
Em canções como No Sangue da Terra Nada Guarani, de 1983, que venceu o primeiro Musicanto versando sobre o genocídio indígena, e Umbigos Modernos, de 1986, que versa sobre desigualdade social e racismo, o músico antecipou temas que hoje preenchem o debate público, mas, à época, sequer chegavam perto da bolha dele. Isso nunca foi motivo para ignorar a realidade alheia.
O Nelson Coelho de Castro que chega aos 70 anos é um homem branco de classe média que reconhece sem constrangimento os próprios privilégios, ao passo em que segue buscando fazer da música a sua agulha feroz.
— Um dia, vou fazer um clipe em que agulhas saem destruindo várias bolhas no ar. Quando a gente conseguir furar todas, vai ser um belo Carnaval. As pessoas vão finalmente olhar umas para as outras — diz o artista. — Componho porque sofro de empatia e estou sempre levando socos da realidade. Vejo tudo acontecer e não consigo passar incólume. A composição é a minha forma de fazer alguma coisa.
Assim, o músico construiu uma trajetória marcada pelo discurso combativo e a aproximação de músicos com os quais compartilha utopias. São nomes como Gelson Oliveira, Antonio Villeroy e os já falecidos Giba Giba e Bebeto Alves, todos parceiros de Nelson na vida, na arte e nas ideias.
— Tenho muita gratidão pelo dado síncrono do destino que me fez conhecê-los — diz.
Na parede de casa, o artista conserva uma espécie de galeria com retratos daqueles que considera "mestres". Estão lá fotos de Lupicínio Rodrigues, Pixinguinha, Cartola e do amigo Giba Giba, entre outros. Nelson planeja colocar no local também uma foto de Bebeto Alves, que morreu no final de 2022. Ele se emociona ao falar dos parceiros que já se foram.
— O que seria de mim sem o Giba? Sem o Bebeto? O que seria de mim sem esses caras? Eu realmente não sei — reflete, com os olhos marejados.
Para comemorar a chegada dos 70 anos, ele pretende reunir amigos e familiares no final de semana. Quando conversou com a reportagem de GZH (por quase quatro horas, sem pressa), o artista ainda não tinha nada muito planejado, mas estava inclinado a organizar um churrasco em casa para jogar conversa fora, falar besteiras e fazer algum barulho. Segundo ele, a cantoria é sempre garantida quando a família Coelho de Castro está reunida. O difícil é estipular um horário para a festa acabar.
Mas quem precisa desse prazo? Nelson Coelho de Castro, agora septuagenário, vai seguir levando a vida com música, afeto e nenhuma dose de pressa.