Não era a intenção. Quando se deu conta, Ian Ramil estava compondo canções diferentes de seu habitual. Até que percebeu que todas aquelas músicas estavam atravessadas por uma nova realidade: a presença de Nina. Eram composições sobre uma menina e o mundo que a esperava.
Lançado nas plataformas digitais em 23 de junho, o disco Tetein traz 12 faixas que têm como fio condutor o nascimento de sua filha, permeando também reflexões sobre o mundo que a aguarda. É o terceiro trabalho de estúdio de Ian, dando continuidade a Derivacivilização (2015) — vencedor do Grammy Latino de Melhor Disco de Rock, em 2016.
O lançamento de Tetein nos palcos está marcado para o dia 3 de agosto, às 20h, no Theatro São Pedro. No show, Ian estará acompanhado de Pedro Petracco (voz, controladores, pads e percussões) e Bruno Vargas (voz, baixo, controladores), entre outras participações.
Tetein é uma palavra que apareceu para Ian por meio de Nina. Quando aprendeu a falar, ela repetia o termo para se referir a coisas pequenas ou a proporções diminutas ("um tetein de comida" ou "só um tetein"). Foi o que acabou se refletindo na construção do álbum: desde o princípio, o músico não quis montar uma banda e, segundo ele, deixar que outras espontaneidades se juntassem ao universo particular que estava criando.
Então, Tetein é um disco praticamente sem guitarras e bateria, concentrado em elementos como violões, baixo, arranjos de cordas, beats e percussões. De acordo com Ian, ele estava empenhado em trabalhar o silêncio.
— Estava muito interessado em não ter bateria e guitarra, fugir do ruído, algo muito presente no meu disco anterior. E achar um universo mais delicado e silencioso. Foi o que me norteou desde sempre, pensar nessa sutileza maior — explica.
Afetivo e ríspido
A própria Tetein, faixa que dá título ao trabalho e que abre o disco, dá uma amostra dessa intenção de Ian. Conduzida delicadamente pelo violão, a canção é leve e versa sobre um momento confortável de satisfação cotidiana, como se tudo fora daquela bolha fosse frívolo ("Tudo tão bem/ Falta nada/ Falta ninguém/ Que preguiça/ Do vai-e-vem/ Vou ficar por aqui/ Viajando mais/ Só um tetein”). O músico lembra que a inspiração para essa letra surgiu a partir de um instante agradável com Nina e sua companheira, Laura.
— Quando a criança surge, te faz pensar que aquilo passa muito rápido — diz. — Então, há essa vontade de capturar os momentos e guardá-los para sempre, esses pequenos detalhezinhos. Não se precisa mais nada além daquele momento.
Hoje, Nina tem seis anos e, junto com a mãe e o pai, aguarda o nascimento de sua irmã. Quando ela surgiu, Ian conta que começou a se perceber diferente, o que se refletia em suas músicas. Gravado entre 2018 e 2020, Tetein ganhou forma quando o músico compôs a lúdica O Bichinho ("O bichinho começou pelo coração/ Passarinho pulsando em ultrassom") — terceiro single do álbum.
— Ali percebi que havia um fio condutor entre todas essas canções, mesmo entre as mais afetivas e doces, que têm relação direta com a Nina, até as mais ríspidas, quem abordam a realidade fora da janela — aponta.
Pelo lado doce e afetivo, além de O Bichinho e Tetein, há o belo e melancólico chorinho de Cantiga de Nina (reprisada no final do disco) e Teletransporte, a música mais antiga do álbum. Composta antes mesmo de seu primeiro disco, Ian (2012), a faixa ganhou letra em uma tarde em que o músico observava a filha e se teletransportou mentalmente para sua infância em Rosário do Sul ("Bem daqui, esse som me transporta pra 96/ Vejo a vó gargalhar, ouço as conversas de vocês"). Para ele, foi um instante em que os universos de pai e filha se entrelaçaram.
Já pela parte mais "fora da janela" do disco, há duas parcerias com o cantor e compositor Poty: a distópica Homem-Bomba, que alfineta o cotidiano dependente das telas ("é qualquer coisa celular/ celulares filmando"), e Lego Efeito Manada, abordando a ocupação desenfreada do espaço urbano por prédios ("Homens de bens/ Erguem no ar seus metais"). Nessa parte, também entram o primeiro e o segundo singles — Mil Pares ("Quando o medo der lugar ao Carnaval/ e a empatia desbancar o capital") e Macho-Rey ("Adora piada de negro e gay/ De peito inflado, faraó/ Corrente de ouro à luz do sol/ Roçando a camisa de futebol"), respectivamente.
Aliás, a ácida Macho-Rey ganhou um clipe com elementos do cinema de gênero, lançado em maio. Com direção de Davi Pretto (Castanha e Rifle) e participação da jornalista Eliane Brum, além de roteiro elaborado pelo próprio Ian em parceria com Diones Camargo, o vídeo traz uma menino cercado por familiares aterrorizantes, com Eliane Brum como uma streamer que dizima alguns "machos" em um game.
— Tem essas figuras pitorescas dos homens que querem se firmar dentro daquela masculinidade já ultrapassada — frisa Ian. — Muitos ainda estão presos naquilo.
Ian Ramil — Lançamento de "Tetein"
- Dia 3 de agosto, às 20h, no Theatro São Pedro (Praça Mal. Deodoro, s/nº), em Porto Alegre
- Ingressos a partir de R$ 40 pelo site e pela bilheteria do teatro